Gustavo Morel Leite, 43 anos, é um dos 800 mil consumidores que geram energia solar no país, número que praticamente dobrou neste ano: em janeiro, eram 450 mil, segundo dados da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Quando optou por instalar os painéis em sua casa em Atibaia, no interior do estado de São Paulo, o advogado enxergou mais do que uma oportunidade para economizar na conta de luz. Verificou que se aproveitasse a radiação que incide em seu telhado poderia fornecer energia para outras casas de sua família.
Dessa forma, o investimento que realizou há cinco anos se pagou mais rapidamente do que o previsto. Os R$ 60 mil, que em tese seriam compensados em quatro anos e meio, acabaram recuperados um ano antes.
O aumento de 30% no preço da energia elétrica residencial neste ano (variação nos 12 meses encerrados em outubro, segundo o IPCA, calculado pelo IBGE), em razão da segunda crise hídrica que Leite enfrenta desde a instalação dos equipamentos solares, também colaborou para o investimento ser compensado de forma mais rápida.
“Eu pagava R$ 350 de conta de luz em casa. Hoje, pago apenas a taxa de manutenção de R$ 50 para a concessionária. Geralmente, quando há menos luz solar, uso os créditos que gero quando o sol é intenso. Dificilmente, portanto, pago pelo uso de energia, pois posso utilizar os créditos por até cinco anos”, contou à EXAME Invest.
A geração solar e os créditos são controlados por meio de um aplicativo, afirmou Leite. “É possível acompanhar até o quanto de gás carbônico estou deixando de lançar na atmosfera”.
O advogado Gustavo Morel mostra os painéis de energia solar de sua casa em Atibaia, São Paulo | Foto: Divulgação (Gustavo Morel/Divulgação)
Para distribuir os seus créditos, Leite colocou as contas de energia elétrica da família no seu nome. As casas são atendidas pela mesma concessionária — não é permitido distribuir créditos para outras empresas. Seu pai, por exemplo, mora no litoral do estado, no Guarujá, e recebe os créditos da energia solar produzida em Atibaia.
Mas, afinal, para consumidores que não têm tanto consumo de energia e desejam gerar energia solar apenas para suas próprias casas, o investimento compensa? A EXAME Invest ouviu especialistas para responder essa pergunta.
Equipamentos estão mais baratos
Há boas notícias para quem quer economizar na conta de luz, usar uma energia mais limpa e não ficar refém de reajustes na casa de dois dígitos (a estimativa da Aneel, a agência reguladora do setor no país, é que a conta de luz aumente 16,7% em 2022),
A principal delas é o preço. Apesar de a alta recente do dólar ter tornado os painéis mais caros, já que quase todos os seus componentes são importados, a maior eficiência provocada pela evolução da tecnologia barateou os equipamentos ao longo dos últimos anos.
A estimativa é que os preços em watts por dólar caíram 90% na última década, diz Rodolfo Meyer, conselheiro da Absolar. “Em 2011 os paineis fotovoltaicos eram vendidos por cerca de US$ 2,20. Agora, está na casa de US$ 0,28. Antes do aumento do dólar, custava US$ 0,18.”
O aumento da quantidade de instaladores e pulverização do mercado, o chamado ganho de escala, também contribuiu para deixar os preços mais competitivos. Alguns bancos já têm parcerias com mais de 30 empresas.
Na Entec Solar, o custo dos painéis solares é de R$ 20 mil para uma casa que consome o equivalente a R$ 350 por mês em energia em São Paulo. Já para contas de R$ 800, comuns em casas maiores, nas quais vivem cerca de cinco pessoas, com piscina, o custo aumenta para R$ 35 mil. Para quem gasta R$ 200, o investimento necessário é mais baixo e fica em R$ 12 mil, diz o diretor Tiago Sarneski.
Quanto maior o investimento, menor o tempo para compensá-lo, diz Meyer, da Absolar. “É uma questão de ganho de escala e mão-de-obra. Haverá mais energia gerada por menos reais investidos. Por essa razão a maior demanda pela energia solar é por quem paga de R$ 500 a R$ 800 pela luz por mês.”
Maior acesso
O preço dos painéis fotovoltaicos caiu e o acesso a eles também aumentou por meio de financiamentos bancários, serviços de assinatura, usinas solares e programas de incentivo de distribuidoras. Conheça cada um deles:
Financiamentos bancários
Não tem dinheiro para pagar os painéis de energia solar à vista? Atualmente existem diversas opções para financiar a instalação dos equipamentos. A mais recente instituição financeira a entrar nessa seara foi a Caixa, mas a modalidade já é oferecida por Santander (SANB11), Banco do Brasil (BBAS3) e BV. Também é possível obter crédito em plataformas de empréstimos entre pessoas, como a Mutual.
Pioneiro no segmento no país, o Banco BV adquiriu uma fintech, a Meu Financiamento Solar, para estar à frente dos financiamentos na modalidade. O valor médio do financiamento é de R$ 30 mil na instituição. A dívida pode ser paga em até 84 meses com taxas de juros que variam de 0,75% a 1,7% ao mês.
Carolina Reis, diretora comercial da fintech, aponta que a maior necessidade do consumidor é igualar a parcela da dívida com a conta de luz que pagava antes da instalação dos painéis, de forma que o financiamento não pese no orçamento. “O crédito é muito atrativo. Diferentemente da casa e do carro, a compensação para o consumidor é imediata”.
Em geral os bancos oferecem alguns meses de carência até que os painéis sejam instalados, de forma que o consumidor não seja tenha que pagar duas contas. A ressalva que deve ser feita para quem opta pelo financiamento é que o investimento exigirá mais tempo para ser compensado, por causa dos juros. O tempo pode chegar a oito anos.
Serviço de assinatura
Para quem paga mais de R$ 300 de conta de luz ao mês, existem empresas que realizam a locação de painéis solares para casas. É um negócio ainda pequeno, mas que começa a ganhar escala e pode atender quem vive em casas alugadas e não quer se comprometer com a compra dos equipamentos.
Na Solar 21, os contratos de leasing são de três, cinco e 20 anos. A economia estimada é de 20% a 30% da conta de luz, diz Vinicius Ferraz, CEO e fundador da empresa. No custo dos planos estão inclusos instalação e manutenção dos equipamentos. “O consumidor paga 60% da conta de luz por mês. Quem consome R$ 500 de energia por mês passará a pagar R$ 300 mais R$ 50 de taxa para a concessionária. Ou seja, nesse exemplo, a economia será de R$ 150.”
Caso o serviço seja cancelado antes do prazo determinado, há a cobrança de três mensalidades do usuário para bancar os custos de retirada dos equipamentos. Se a energia não gerar a economia prometida, há um piso mínimo de 22% de economia no plano mais longo. Abaixo dele, o serviço se dispõe a dar desconto no boleto seguinte.
Usinas solares para apartamentos
Outra forma de geração remota e compartilhada é oferecida por usinas solares, que vendem a energia que produzem. A usina só pode gerar energia para consumidores que estejam dentro da região de sua concessionária.
É preciso entrar em contato com a empresa existente em sua região, solicitar o acesso a essa fonte de geração e daí pagar boletos mensais. Caso o consumidor queira cancelar o serviço, é necessário avisar com 30 dias de antecedência. O deságio em relação à conta de luz é de cerca de R$ 0,20 centavos, diz Meyer, da Absolar. “Não é tão econômica quanto a gerada no próprio telhado, mas atende quem mora em prédios ou não deseja realizar o investimento total.”
Programas de incentivo de distribuidoras
Outra opção para quem não consegue ou não deseja pagar a instalação de um sistema de energia solar à vista ou tem dificuldade em obter financiamento é aproveitar projetos de incentivos oferecidos pelas distribuidoras por meio do Programa de Eficiência Energética, regulado pela Aneel.
O programa da Elektro, que atende as cidades de Atibaia, Bom Jesus dos Perdões e Nazaré Paulista, no interior de São Paulo, oferece desconto de 50% na compra de um sistema solar fotovoltaico.
Para se enquadrar nos critérios, é necessário ter consumo médio de no mínimo 350 kWh nos últimos 12 meses ou até quando houver histórico (em caso de novas residências). Podem ser somados os consumos de duas ou mais unidades consumidoras de mesma titularidade (CPF) e da mesma área de concessão da distribuidora.
Também é necessário dispor de telhado com área mínima determinada no regulamento, sem sombreamento e voltado para o norte, com desvio máximo de 90º para leste ou oeste. O usuário precisa consumir a energia de forma eficiente dentro de sua casa.
Afinal, vale a pena optar pela energia solar?
Para verificar se a energia solar realmente irá proporcionar uma economia na conta de luz é necessário primeiro o consumo de energia mensal, diz Roberto Simões Moreira, professor da Poli-USP e autor do livro “Energias Renováveis, Geração Distribuída e Eficiência Energética”. “A conta de energia elétrica mostra quanto kilowatt-hora o usuário consome em um mês”. É nessa unidade de energia que os painéis solares são vendidos. Além das placas, há o custo do equipamento para operar o sistema, cabeamento, instalação e mão-de-obra.
A economia da energia solar (Arte/Exame)
E o que pesa na conta? Veja abaixo os fatores que mais influenciam na economia de luz:
- Disposição do telhado
Telhados com face para o norte são os mais adequados para a instalação dos painéis solares por causa da maior incidência dos raios solares. Caso o telhado seja sombreado, a instalação do sistema pode não valer a pena.
- Custo da tarifa
Minas Gerais é um estado onde são cobradas tarifas mais altas, acima de R$ 1 por kilowatt-hora (kWh), e que tem grande incidência de radiação solar. Nesse caso o investimento será compensado, em média, em três anos. Em locais com tarifas mais baixas, como São Paulo, o investimento pode demorar até seis anos para ser compensado, uma vez que a economia com a geração própria solar é menor em relação ao que se gasta com o consumo tradicional.
- Radiação da região
A radiação da região onde a casa está localizada pesa na conta. São Paulo gera 20% menos energia do que o sul de Minas Gerais e chega a gerar 30% menos de energia do que estados do norte do país, aponta Meyer, da Absolar.
- Uso de aparelhos como ar-condicionado
No Rio de Janeiro, como muitos moradores usam ar-condicionado, não é difícil ter contas de luz que chegam a R$ 800 por mês no verão. Nesse caso, o benefício financeiro da auto-geração de energia solar fica mais evidente.
Dicas para quem quiser investir
É recomendável dimensionar o projeto um pouco maior do que o consumo atual de energia da residência, diz Reis, da Meu Financiamento Solar. “Se o inversor [um dos equipamentos] permitir expandir os painéis, isso é dispensável. Mas, caso contrário, caso haja futuramente necessidade de mais energia, o consumidor pode ter que trocar equipamentos, o que gera mais custos.”
Como há muitas empresas novas no mercado, a executiva recomenda que o consumidor busque referências e analise o histórico de projetos. Os painéis e os inversores geralmente têm mais de dez anos de garantia de fábrica. A vida útil dos painéis é de 15 a 25 anos.
Cenários para o futuro
A possibilidade de gerar créditos e utilizá-los em outras casas é um atrativo do sistema, diz Moreira, da Poli-USP. “É possível que, no futuro, seja permitida a troca de crédito entre concessionárias, e isso será positivo para o consumidor, que poderá gerar energia solar em sua casa de temporada no interior e enviar para seu apartamento na capital, por exemplo.”
Em um cenário de constante crescimento da economia global, o professor da Poli-USP aponta que provavelmente faltará energia no mundo. “É uma tendência mundial que haja uma alta no custo da energia elétrica. Em um país com dimensões continentais como o Brasil, não há forma de baratear a energia elétrica, ainda mais porque sobre essa energia incidem muitos impostos e eles são progressivos. Por isso, a energia solar é uma opção mais sustentável”, afirma.
Como o tempo de compensação do investimento não leva em conta reajustes futuros de tarifas nem o uso de bandeiras tarifárias mais caras durante períodos de escassez de água, como ocorre atualmente no país, o investimento em geração própria solar pode ser compensado mais rapidamente do que o previsto pelo instalador.