Em 7 de março de 2016, o então governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, “decretou” o fim da crise hídrica, sustentando que a questão da água estaria resolvida. Baseou-se no fato de que o Sistema Cantareira, nosso principal manancial, e o Alto Tietê estavam, respectivamente, com 58% e 40%, apostando que esses volumes seriam suficientes “para quatro ou cinco anos de seca” e que o “Estado e a Região Metropolitana estariam bem-preparados para as mudanças climáticas”.
A posição política do governador foi também encorajada pela recuperação dos mananciais, graças a alguns fatores: chuvas acima das médias ocorridas nos verões de 2015 e 2016; atuação da Sabesp, principalmente no cumprimento de seu programa de obras, como a conclusão do Sistema São Lourenço, a interligação entre as represas Jaguari (na Bacia do Paraíba) e Atibainha (Sistema Cantareira); a conexão dos recursos hídricos da Grande São Paulo; e a economia propiciada pela população no consumo de água.
A atitude de Alckmin, à época, foi considerada por muitos especialistas como precipitada. Havia incertezas quanto ao regime hidrológico que se seguiria, em especial quanto à ocorrência de chuvas, dependentes de vários fatores climáticos e meteorológicos, como a influência dos fenômenos “El Niño” e “La Niña”, decisivos no surgimento de estiagens e nos índices pluviométricos.
Decorridos cinco anos, eis que estamos no limiar da terceira e provavelmente mais drástica crise hídrica deste início de século. Desta vez, porém, mais ampla, atingindo toda a área compreendida pelas regiões Sul e Sudeste, afetando o abastecimento de água, o setor elétrico e a navegação fluvial. A Região Metropolitana de São Paulo está mais uma vez inserida nesse contexto, já que seus principais mananciais estão sentindo os efeitos da estiagem que iniciou há algum tempo, provocada pelo fenômeno “La Niña”.
Assim é que o Sistema Cantareira, hoje com apenas 35% de sua capacidade, já está recebendo desde julho o reforço das águas da Bacia do Paraíba, a ponto de já ter alcançado, no início de setembro, o valor limite de 160 milhões de metros cúbicos autorizado pelo DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica), autarquia do governo paulista. Este volume é o que foi estabelecido em acordo firmado entre os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Mesmo com esse reforço, opera muito abaixo de sua capacidade, forçando a Sabesp a requerer aporte adicional, até o final do ano, de 60 milhões de metros cúbicos. Tal pedido está na dependência de análise do DAEE, em conjunto com a ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) e os estados envolvidos.
Outros sistemas produtores da Grande São Paulo também estão sofrendo os efeitos da estiagem, como se observa nos percentuais relativos à sua capacidade, conforme dados de setembro: Alto Tietê, 41,2%; Guarapiranga, 46,2%; Alto Cotia, 51,9%; Rio Grande, 75,3%; e Rio Claro, 38,8%. Cabe alertar que todos estão de modo significativo abaixo da situação em que se encontravam no mesmo mês de 2013, ano que antecedeu a segunda crise hídrica. Observa-se que o volume de água armazenado atualmente nos mananciais da Região Metropolitana – mesmo com o reforço do novo Sistema São Lourenço (que está com 53,1%) e da reversão do Paraíba – corresponde a 19% do que havia sido armazenado em 2013.
Segundo dados do International Research Institute for Climate and Society da Universidade de Colúmbia (EUA), os prognósticos dos próximos meses nas regiões Sul e Sudeste do Brasil sinalizam redução do volume das chuvas em relação às médias climatológicas, com a entrada do “La Niña”, em outubro. O fenômeno provocará uma estiagem até janeiro do próximo ano, prolongando até fevereiro, quando se inicia, de fato, o período de estiagem tradicional. Isso significa que, depois, o volume de chuvas precisará ser muito superior às médias, para a recuperação dos reservatórios, incluindo os mananciais da Região Metropolitana de São Paulo.
As providências para o enfrentamento da crise já deveriam ter sido tomadas de modo realista. De nada adianta o negacionismo por parte das autoridades, tanto no âmbito federal como no estadual.
*José Eduardo W. de A Cavalcanti, engenheiro, é membro do Conselho Superior de Meio Ambiente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo)