Existem no mundo pelo menos 4 bilhões de hectares de florestas, sendo que, destes, 726 milhões são oficialmente protegidos. Essa área é um pouco menor que o território continental contíguo (sem Alasca) dos Estados Unidos. O Brasil possui 497 milhões de hectares do seu território ocupado por florestas (12% das florestas do mundo), dos quais cerca de 30% estão em áreas protegidas. No território nacional, as áreas de proteção são amparadas pela Lei Nº 9.985 de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). Ele classifica as áreas protegidas, ou unidades de conservação (UC), em dois grandes grupos: unidades de conservação de proteção integral (UCPI) e unidades de conservação de uso sustentável (UCUS).
As UCPI têm como objetivo básico preservar a natureza, evitando o quanto possível a interferência humana, e só admitem uso indireto dos recursos naturais — isto é, que não envolvam consumo, coleta ou dano, com exceção dos casos previstos em lei. Já nas UCUS, o intuito é compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável, permitindo uma exploração do ambiente com a garantia da perenidade dos recursos naturais e processos ecológicos. Do total de UC do território continental brasileiro, 76% estão localizadas na Amazônia, cobrindo uma área de 118 milhões de hectares, dos quais 42 milhões encontram-se em UCPI e 75 milhões de hectares em UCUS (veja o mapa abaixo).
Proteger as florestas em UC é importante, pois, além dessas áreas contribuírem como barreiras ao avanço do desmatamento, elas também abrigam uma imensa biodiversidade, fornecem diversos serviços ecossistêmicos e contribuem para a mitigação das mudanças climáticas. Isso porque, quando contemplados nas diversas categorias de conservação, esses biomas formam um mosaico que impede a especulação da terra e evita que boa parte do território se transforme em pastos e áreas agrícolas.
No entanto, as unidades de conservação não estão completamente imunes à perda de áreas florestais. Desde 2010, as UCPI da Amazônia perderam 0,13% de suas florestas, num total de 57,3 mil hectares. Nas UCUS, que deveriam ter um destino sustentável, essa perda foi de 420 mil hectares, ou 0,56% da área ocupada por elas. O desmatamento em unidades de conservação de uso sustentável foi 7,3 vezes maior que nas áreas de proteção estrita.
Fogo e garimpo ilegal são outras ameaças que rondam as UC. Embora nenhum desmatamento devesse ocorrer em unidades de conservação de proteção integral e muito pouco em UCUS, a perda florestal acontece porque ainda são comuns na Amazônia brasileira os chamados “parques de papel”, ou seja, unidades de conservação que são decretadas e desenhadas, mas que não têm implementação, gestão e proteção territorial efetivas.
No entanto, o desmatamento nas UC — assim como em terras indígenas — é muito inferior ao observado fora delas. Desde 2010, cerca de 5% ou 10,4 milhões de hectares das áreas privadas, incluindo assentamentos da reforma agrária, foram desmatados. Essa área é 181 e 25 vezes maior que as áreas de florestas perdidas em UCPI e UCUS, respectivamente (confira o gráfico abaixo), embora a área privada na Amazônia seja apenas 1,8 vez maior que a área protegida.
Além disso, em áreas não destinadas, que também deveriam ser direcionadas para o uso sustentável, 1,75 milhão de hectares, ou cerca de 3% da área total, foi desmatado entre 2010 e 2020. Esses números demonstram o quanto as UC são importantes e estratégicas para a preservação da Amazônia e para o país.
Além das áreas florestais protegidas funcionarem como barreira ao desmatamento, elas fornecem serviços ecossistêmicos. Segundo o Millennium Ecosystem Assessment, um estudo promovido pela ONU para avaliar os efeitos das mudanças na natureza sobre o bem-estar humano, os ecossistemas, incluindo os florestais, garantem serviços de provisão, regulação, suporte e cultura considerados benéficos às pessoas. Por exemplo, as florestas fornecem serviços de provisionamento que inclui madeira, fibras e alimentos, além de recursos genéticos e bioquímicos.
Elas ainda regulam a qualidade do ar, do clima e das águas, assim como a vazão de rios e a umidade em outras regiões da América do Sul, incluindo o Cerrado e o Chaco, estratégicos para a produção mundial de alimentos. Também fornecem serviços culturais relacionados a recreação, valores educacionais e enriquecimento espiritual e cognitivo. As florestas são responsáveis por acolher imensa biodiversidade: 1 hectare da Floresta Amazônica em área preservada pode conter em média 230 espécies arbóreas.
As florestas são capazes de sequestrar gases de efeito estufa da atmosfera. À medida que crescem, as árvores removem o CO2 da atmosfera e acumulam o carbono sob a forma de biomassa, devolvendo oxigênio para o ambiente. Daí porque elas são essenciais ao combate às mudanças climáticas. Para que isso ocorra de forma contínua e duradoura, no entanto, a preservação é fundamental.
Para se ter ideia, só na Amazônia as áreas florestais protegidas estocam 35,4 bilhões de toneladas de biomassa, dos quais cerca da metade é carbono. Anualmente, as florestas preservadas amazônicas podem sequestrar cerca de 13 toneladas do gás por hectare, removendo aproximadamente 48 toneladas de CO2 da atmosfera, o que corresponde à emissão de 14 carros rodando 15 mil quilômetros em um ano. Se considerarmos o total de florestas em unidades de conservação da Amazônia, o sequestro anual total de CO2 compensaria a emissão de 1,6 bilhão de carros.
Mas estamos caminhando no sentido contrário. Estudo publicado por pesquisadores do Inpe no último dia 14 de julho na revista Nature mostra que no leste da Amazônia, onde se concentra a maior área desmatada de toda a região, as florestas em geral fragmentadas estão deixando de sequestrar CO2 e se transformando em emissoras desse gás para a atmosfera. Essa é outra forte evidência da importância de florestas preservadas e protegidas no combate às mudanças climáticas.
Nesse contexto, instituir uma nova área de proteção florestal ou proteger uma existente na Amazônia não consiste em limitar acesso a um território, mas sim preservar os conhecimentos tradicionais, a sociobiodiversidade de uma determinada área e seu entorno, bem como a produção agrícola e o bem-estar humano em regiões muito além da própria Amazônia. Trata-se de um potencial de gerar e preservar as riquezas para as futuras gerações, tornando o Brasil um protagonista de desenvolvimento racional e sustentável, que investe nos valores imensuráveis das florestas protegidas.
*Fernando Cesário é especialista em carbono, Edenise Garcia é diretora de ciências e Mariana Soares é especialista em ciências, todos na The Nature Conservancy (TNC) Brasil. Saiba mais em www.tnc.org.br