Centros urbanos têm potencial para gerar energia eólica com turbinas no alto dos edifícios

Análise das condições do vento no alto de um edifício do centro de São Paulo mostra que é possível gerar energia eólica local usando turbinas de pequeno porte

Pesquisa feita no Instituto de Energia e Ambiente (IEE), em parceria com o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), ambos da USP, desmistifica a ideia de que a energia eólica possa ser gerada apenas por turbinas gigantes instaladas em áreas abertas, onde os ventos são constantes e unilaterais. O estudo mostrou que os ventos que incidem em centros urbanos, em meio aos prédios, também podem ser fontes de energia limpa e renovável. Essa foi a conclusão de uma dissertação de mestrado cuja proposta foi avaliar o potencial eólico de instalação de aerogeradores de pequeno porte (APPs) em um edifício localizado na região central de São Paulo, onde as condições do vento são instáveis, turbulentas e de baixa velocidade devido à presença de obstáculos.

“No Brasil, a produção de energia eólica vem se expandindo cada vez mais, porém, o crescimento ainda é bastante limitado, principalmente a produção em pequena escala, voltada para os centros urbanos, em sistemas eólicos on-grid – conectados diretamente à rede elétrica”, explica ao Jornal da USP o engenheiro elétrico e autor da pesquisa, Leonardo Alberto Hussni Silva. A falta de dados confiáveis sobre a dinâmica dos ventos nas cidades que pudessem demonstrar a previsibilidade de fontes eólicas em topos de edifícios levou Hussni, mestrando do IEE, ao desenvolvimento do estudo.

Pesquisa

Os sensores para coleta de dados anemômetros – a direção do vento, a velocidade, a intensidade, a constância e a temperatura – foram colocados em torres meteorológicas instaladas no topo do prédio de 18 andares da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, no bairro da Sé, zona central de São Paulo. As medições ocorreram de 2014 a 2018. Diariamente, a cada cinco minutos, por um período de quatro anos, essas variáveis, que ajudam a estimar a capacidade de geração de energia do aerogerador, foram captadas e analisadas.

Compilados os dados eólicos, a velocidade média do vento encontrada durante o período analisado foi de 3,92 m/s (metros por segundos). Nos meses de setembro, outubro e novembro, a velocidade dos ventos atingiu os melhores índices, em torno de 5,0 m/s, entre os horários de 13 e 20 horas; já os meses de maio, junho e julho ficaram com os piores índices.

Com os dados em mãos, o pesquisador cruzou as variáveis encontradas com a curva de potência (gráfico que indica qual será a potência elétrica disponível no aerogerador para diferentes velocidades de vento) fornecida pelo fabricante de quatro modelos de aerogeradores de pequeno porte – Skystream 3.7, Proven 2.5, Raum 3.5 e Hoyi 300. Desses modelos, a turbina que melhor teve eficiência energética foi a Proven 2.5, com a geração de energia estimada em 4.330 kilowatts (kWh)/ano. Assumindo que o consumo residencial médio no Brasil seja em torno de 152 kWh/mês, seria possível abastecer com folga duas residências com a energia gerada pela Proven.

O prazo para o retorno do investimento, caso o aerogerador Proven 2.5 fosse instalado no local, seria relativamente alto, demoraria em torno de 16 anos para que o equipamento (40 mil reais) e a instalação (3 mil reais) fossem totalmente pagos. Segundo o pesquisador, uma das causas para a falta de viabilidade econômica do projeto instalado foi o fato de os aerogeradores serem importados e terem custo alto. Os aerogeradores nacionais não foram utilizados na pesquisa por falta de informações de curvas de potência fornecidas pelas indústrias. Segundo Hussni, essa seria uma oportunidade para o desenvolvimento de pequenos aerogeradores nacionais otimizados para ventos de baixas velocidades e instalação em topos de edifícios.

O Brasil no cenário mundial

O Brasil ocupa uma posição privilegiada no cenário mundial em capacidade de geração de energia eólica. De acordo com o Global Wind Energy Council (GWEC), o País está na oitava posição no ranking dos dez países com maior capacidade instalada total de energia eólica. Mesmo com todo esse potencial, Leonardo Hussni lembra que pesquisas acadêmicas relacionadas à integração de turbinas de pequeno porte em unidades consumidoras são incipientes no Brasil. As modificações realizadas na legislação de promulgação pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) sobre “Geração Distribuída” fizeram com que mais pesquisas sobre o assunto passassem a ser desenvolvidas.

Pelas resoluções normativas da Aneel, o consumidor brasileiro teve permissão para gerar sua própria energia elétrica a partir de fontes renováveis, e fornecer o excedente da energia produzida à rede de distribuição de sua localidade, que retornaria ao consumidor na forma de crédito nas faturas seguintes.

Com o incentivo governamental, aumentou a capacidade de geração distribuída no Brasil nas várias modalidades (solar, eólica e hídrica). Segundo o pesquisador, em 2021, por exemplo, o País alcançou a marca de 5,2 gigawatts; “para efeitos comparativos, isso significa 37% da potência instalada da usina hidrelétrica de Itaipu”, diz. Ao todo, foram 432 mil projetos homologados, favorecendo 550 mil unidades consumidoras. Desses projetos de geração distribuída, as minieólicas representam apenas 0,3% deste total, enquanto que 97% são micros e miniusinas solares fotovoltaicas. Esta evidente diferença na geração eólica pode ser justificada pela falta de dados confiáveis sobre as condições do vento nos grandes centros urbanos”, lamenta Hussni.

As informações coletadas pela pesquisa resultaram na dissertação de mestrado Avaliação do potencial eólico em ambiente urbano para aplicação de micro e minigeração distribuída: estudo de caso em edifício no centro da cidade de São Paulo, orientada pelo professor Demetrio Cornilios Zachariadis, do Programa de Pós-Graduação em Energia do IEE, com participação do professor Amauri Pereira Oliveira e da pesquisadora Georgia Codato.

Como desdobramento da pesquisa, Hussni pretende continuar as investigações do potencial eólico em meio urbano, ampliando as medições para edifícios próximos ao utilizado na pesquisa de mestrado e desenvolvendo técnicas de extrapolação dos resultados para regiões adjacentes.

Fonte: Jornal da USP