Do céu, a quantidade de água tem sido abaixo do esperado nos últimos meses. Dados recentes mostram que maio fechou com déficit de chuvas na região metropolitana de São Paulo em relação à média histórica. Um cenário que poderia ser preocupante para a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), terceira maior empresa de saneamento do mundo e responsável por 30% dos investimentos do setor no País. Poderia. Mas a relativa tranquilidade vem justamente da água que vem circulando pelo cano a partir da expansão da rede. Ainda que parecido em termos de falta de chuva, o cenário de agora é bem diferente do enfrentado em 2015. “O momento é outro. Mesmo com a situação climática parecida com a daquele período, estamos mais tranquilos porque a Sabesp e o governo do estado fizeram a lição de casa neste período”, disse Benedito Braga, presidente da Sabesp, especialista do setor e ex-dirigente da Agência Nacional das Águas (ANA) e da International Water Resources Association (IWRA).
Entenda-se como “lição de casa” a série de obras feitas pela companhia e interligações entre os mananciais. Hoje, os sistemas Guarapiranga e Alto Tietê conseguem socorrer o Cantareira, por exemplo. Antes da crise hídrica, o Cantareira era responsável pelo abastecimento de água para 9 milhões de pessoas. Com a redistribuição, conseguiu reduzir para 7,5 milhões. Soma-se a isso uma mudança efetiva de hábitos de consumo da população, que se viu, há seis anos, obrigada a economizar água. “Nós estamos avançando na questão hídrica. Temos de observar até novembro. Se as chuvas atingirem os índices previstos naquele mês, estará tudo tranquilo. Só a partir daí, caso não chova, é que será necessário agir.”
Com a parte técnica relativamente sob controle, a companhia conseguiu mirar o foco para o caixa e ampliação de investimentos no serviço de água e esgoto. O plano audacioso envolve aportes de R$ 21 bilhões entre 2021 e 2025 na ampliação da rede. Somente neste ano, serão R$ 4,2 bilhões. Nos três primeiros meses o desembolso alcançou R$ 1,16 bilhão, dos quais R$ 607 milhões em água e R$ 561 milhões em esgoto.
Para chegar ao volume de investimentos planejado, também foi necessário deixar o caixa em ordem. No primeiro trimestre, a Sabesp conseguiu reduzir em 3% as despesas operacionais. Em 2020, o enxugamento atingiu um número da ordem de R$ 450 milhões. Outro ponto importante foi a transformação da dívida de financiamentos internacionais em moeda estrangeira (dólar e iene) para real. Somente com esta transação, a Sabesp conseguiu reduzir a dívida externa, em relação ao total da companhia, de 55% em 2020 para 21% em 2021.
O resultado desse esforço está no balanço do primeiro trimestre. A companhia de saneamento conseguiu reverter prejuízo de R$ 657,9 milhões, registrados no mesmo período de 2020, para o significativo lucro de R$ 496,9 milhões. “A Covid-19 e a instabilidade financeira fizeram com que a gente se concentrasse na redução de despesas e na melhora da eficiência dos serviços”, afirmou Braga. No período, a empresa registrou receita operacional líquida de R$ 4,67 bilhões, alta de 15,7% sobre os R$ 4,04 faturados nos três primeiros meses de 2020.
O isolamento social imposto pela pandemia em boa parte de 2020 afetou, naturalmente, o caminho do consumo de água. Os setores produtivos registraram queda no volume de água e esgoto faturado pela empresa neste ano. A categoria comercial registrou queda de 9,2%, seguida pela industrial, que reduziu 7,7%. Em compensação, aumentou o índice nas residências, com alta de 4,5%. Ainda assim, segundo Braga, a taxa de inadimplência se manteve dentro dos parâmetros históricos, na casa de 6%, o que contribuiu para que a crise impactasse menos nas contas da companhia.
Outro indicador importante para o resultado financeiro foi a assinatura, entre 2019 e 2020, das concessões nas cidades de Guarulhos, Mauá e Santo André, que acrescentaram 2,5 milhões de clientes à companhia, o que garante uma receita anualizada de R$ 972 milhões. No ano passado, a Sabesp faturou R$ 17,7 bilhões. “Essas cidades tinham serviços municipais de água e esgoto, o que gerava muita falta d’água e perdas. Melhoramos isso”, disse o presidente da Sabesp. “Guarulhos tinha rodízio frequente para cerca de 1 milhão de pessoas. Em um ano, isso acabou. Essas concessões foram um sucesso na nossa gestão”, afirmou. Com operações em 375 cidades de São Paulo (58% do estado), a Sabesp está na disputa pelos serviço de distribuição em Orlândia, município de 45 mil habitantes na região metropolitana de Ribeirão Preto.
O índice de perdas também vem avançando. Em 2009, 49% da água canalizada era desperdiçada. Hoje, a marca é de 27%. Levando-se em conta somente perdas físicas, o índice atual é de 17%. O restante é de perda aparente, fraudes, hidrômetros desregulados. Marca positiva, mas ainda distante de indicadores de cidades como Berlim e Tóquio, na casa de 5%. “Isso ocorre porque elas foram destruídas na Segunda Guerra. Com isso, elas foram reconstruídas com novas tubulações, que têm cerca de 50 anos”, afirmou Braga. “Isso significa dizer que melhorar esse índice tem o custo de uma guerra.”
Outra resposta sobre as perdas diz respeito a prioridades. Braga afirma que, ao contrário de cidades europeias, é necessário, no Brasil, priorizar o aumento do acesso ao esgoto. “Essa questão precisa ser melhor discutida. Se fosse universalizado, pode pegar todo o recurso e colocar na redução de perdas. Mas não é o caso.”
Sem risco momentâneo de racionamento de água e com as contas em dia, a Sabesp se prepara para o seu principal salto, que é avançar no processo de venda da companhia para a iniciativa privada. Com 50,3% de participação acionária e controlador da companhia, o governo do estado deve iniciar estudos, para, ainda neste ano, chegar ao formato ideal, que pode transitar pela capitalização ou privatização de fato. O secretário estadual da Fazenda, Henrique Meirelles, chegou a dizer recentemente que a contratação deve sair em breve. “Os estudos sobre qual a melhor opção para a estrutura de capital da Sabesp estão em fase inicial. Muito provavelmente o International Finance Corporation (IFC), agência do Banco Mundial, poderá ser contratado para fazer um estudo técnico completo”, disse, por nota, a secretaria estadual. “Com base neste trabalho técnico, rigoroso e criterioso, o governo de São Paulo tomará uma decisão, que pode ser a privatização da companhia ou a capitalização com manutenção do controle pelo governo do estado”, informou o documento. Benedito Braga não comenta muito sobre o tema, mas diz que irá implementar na companhia o modelo determinado pelo controlador.
Por ora, a atenção da Sabesp está na execução do plano de despoluição dos rios Tietê e Pinheiros, um problema histórico para as administrações estaduais. Somente no Pinheiros, foram aportados, durante 25 anos, R$ 28,5 bilhões em projetos, alguns deles ainda em andamento. Ainda assim, a aposta da administração é de, até o fim de 2022, despoluir o rio para prática de lazer e de navegação. Nada de mergulho, evidentemente.
O Projeto Novo Rio Pinheiros, implementado em 2019, custará R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos. O principal objetivo é conectar 500 mil imóveis no sistema da Sabesp, com isso, diminuir a chegada de esgoto nos afluentes no rio. “O Pinheiros estará limpo até o ano que vem, em condições de utilização. Vamos ter ciclovia e área de lazer no entorno. Esse é o compromisso”, disse o presidente da empresa.
Presidente do Instituto de Engenharia, Paulo Ferreira entende que o caminho adotado pela companhia está na direção certa. “As habitações subnormais sempre foram um desafio para a Sabesp. E essa abordagem nova, de retirar o esgoto dos córregos, é correta”, afirmou. “Acredito ser possível conseguir atingir o objetivo no prazo previsto.”
Avaliada em R$ 28,1 bilhões, a Sabesp enfrentou uma grande movimentação nas ações desde o início da pandemia. Em 23 de março de 2020, no início do isolamento social, o papel chegou a valer R$ 29,42. Começou 2021 a R$ 42,16 e fechou o pregão na terça-feira, dia 6, valendo R$ 35,63, impactada pela discussão em torno da escassez hídrica.
Para o analista Victor Martins, da Planner Corretora, a Sabesp navegou com competência no auge da crise e o reflexo deve ser percebido no balanço do segundo trimestre. “Acredito que o resultado será ainda melhor do que o registrado no início do ano. As operações financeiras para reduzir a dívida foram feitas com muito sucesso. O cenário é positivo para a Sabesp”, disse. Seja para quem assumir o comando da gigante do saneamento, o caminho é, de fato, de um mar calmo. E limpo.
ENTREVISTA: Benedito Braga
“Água e saneamento têm de estar na agenda política”
Qual a diferença do momento atual para a crise hídrica de 2015?
Estamos em uma posição muito mais tranquila do que em 2015, com 54% do volume dos reservatórios, mas já estamos em julho. É normal esse índice no inverno. Mas há os profetas do apocalipse. Em 2019, se não tivesse essa infraestrutura e redução no consumo, o Cantareira teria entrado no volume morto em 26 de novembro. Em 2020, teria entrado no primeiro volume morto em junho e no segundo em outubro. Nós estamos de fato avançando nessa questão.
O marco do saneamento trouxe mais universalização do setor. O que isso muda para a Sabesp?
Para a Sabesp não muda nada. Nós já tínhamos contrato com programas de metas pré-estabelecidas. Tudo o que o marco quer, a Sabesp já tinha. A única coisa que nos preocupa é a meta de 2033 para alguns dos nossos municípios, que é chegar a 99% de água e 90% de esgoto. Vamos renegociar contratos e cumprir as metas. Mas a maioria está tranquilo.
O Rio Pinheiros vai estar limpo em 2022?
Vai estar limpo, como previsto. Estamos com o compromisso com o governador João Doria de que o rio estará em condições de utilização para lazer e turismo, não para o contato direto com a água. Nenhum rio urbano do mundo tem condição para natação. Vamos ter ciclovia, o Parque Bruno Covas, com 17 km de extensão, área de lazer. Vai ser um aproveitamento para a população. E um rio navegável.
O que significa garantir mais água e esgoto para as pessoas?
Significa dignidade, cidadania, qualidade de vida, saúde. Isso é fundamental. Saneamento básico é tão importante quanto saúde. É uma área que precisa ter a preocupação da classe política. O estado de São Paulo investe 30% do que é aportado no País, em qualidade de vida para as pessoas. Isso é algo essencial para a dignidade humana. Uma senhora de uma das comunidades no entorno do Rio Pinheiros disse que finalmente passou a sentir o cheiro da comida e não do esgoto.
O que significa esse investimento médio de R$ 4 bilhões ao ano, principalmente em coleta e tratamento de esgoto, é trazer qualidade de vida.
A Covid-19 mostrou o quanto a água é necessária, né?
Esse momento trouxe a mensagem que água e saneamento têm de estar na agenda política. Água e saneamento representam saúde. Segurança hídrica é fundamental para a saúde das pessoas. E numa pandemia é quando você vê isso mais nitidamente. A pandemia trouxe para a pessoa comum, principalmente para os tomadores de decisão, que o saneamento é mais do que só um rio bonito. É saúde para as pessoas.
Qual é o caminho da Sabesp daqui para frente?
A Sabesp caminha para oportunidades que se abrem dentro do novo marco legal do saneamento, novos negócios relacionados à maior eficiência, expansão responsável de mercado. Vamos ver que oportunidades aparecem. A missão da companhia é universalizar água e saneamento no estado de São Paulo. Hoje temos 300 dos 375 municípios universalizados. Água, coleta e tratamento de esgoto. Novos negócios para aumento de eficiência em parceria com o setor privado, cuidando de acelerar a universalização. Vamos universalizar todos.