As montadoras de automóveis têm prometido acabar com o motor a combustão interna, e agora é a vez das fabricantes de caminhões. Mas as que fabricam os gigantes de 18 rodas estão tomando um rumo diferente.
A Daimler, a maior construtora de caminhões pesados do mundo, cujos “Freightliners” são uma visão familiar nas rodovias interestaduais dos EUA, anunciou em maio que converterá os veículos para zero-emissões em até 15 anos, o mais tardar, em mais um exemplo de que a mudança para o motor a eletricidade está revolucionando a produção de veículos com significativas implicações para o clima, o crescimento econômico e os empregos.
A passagem dos combustíveis fósseis implicará em um processo diferente e mais demorado para a indústria de transportes pesados do que para a de automóveis de passageiros. Primeiro porque os caminhões de longa distância de zero emissões ainda não estão disponíveis em grandes números.
E uma tecnologia diferente pode ser necessária para alimentar os motores elétricos. As baterias funcionam bem para os veículos de entrega e outros caminhões de curta distância, que já circulam nas estradas em números significativos. Mas, segundo a Daimler, a energia das baterias não é ideal para os veículos de longa distância com 18 rodas, pelo menos com a tecnologia atual. O peso das baterias por si só faria com que tivesse que reduzir em muito o peso da carga, uma consideração importante para as companhias de transportes por caminhões, preocupadas com os custos.
Em seu lugar, a Daimler e algumas concorrentes estão apostando nas células de combustível que geram eletricidade a partir do hidrogênio. As células de combustível não produzem emissões soltas pelo escapamento, e os tanques de combustível de hidrogênio podem ser recarregados tão rapidamente quanto os tanques de diesel – o que constitui uma clara vantagem se comparada às baterias, que costumam levar pelo menos o dobro do tempo para recarregar.
Em abril, a Daimler começou a testar um protótipo de caminhão de grande porte para longas distâncias, o “GenH2”, capaz de percorrer quase mil quilômetros entre as visitas às bombas de hidrogênio. Entretanto, baixar o custo do equipamento exigirá muito trabalho, além do que, ainda não existe uma rede de postos de hidrogênio para abastecer e nem uma oferta adequada de produção de hidrogênio que não cancele os benefícios que a troca traz para o meio ambiente.
Em maio, a Daimler divulgou detalhes de como pretende solucionar estes problemas, com a meta de vender caminhões de longa distância abastecidos com hidrogênio até 2027 e que sejam mais baratos para operar do que os modelos a diesel.
Durante uma apresentação on-line, executivos da Daimler anunciaram uma parceria com a Shell para a construção de “um corredor de hidrogênio” de postos de abastecimento por todo o norte da Europa. Para os caminhões destinados a distâncias menores, a companhia anunciou uma parceria com a chinesa CATL destinada ao desenvolvimento de baterias, e parcerias com a Siemens e outras indústrias do setor para a instalação de postos de abastecimento de alta voltagem na Europa e nos Estados Unidos.
Em março, a Daimler e a Volvo Trucks, que normalmente são rivais ferrenhas, constituíram uma joint venture visando desenvolver sistemas de células de combustível que transformarão o hidrogênio em eletricidade para alimentar os caminhões para as grandes distâncias. A mensagem é que a transição em matéria de energia é muito grande para uma empresa gerenciar por conta própria, até para uma companhia do tamanho da Daimler, com faturamento de 154 bilhões de euros, ou US$ 188 bilhões, no ano passado.
Este ano, a Daimler está trabalhando em uma tecnologia de células de combustível de hidrogênio, mas a tecnologia ainda não é suficientemente barata ou suficientemente forte para o uso comercial.
“As células de combustível que existem hoje, não são suficientes para atender à demanda dos nossos clientes”, disse Lars Stenqvist, diretor executivo de tecnologia da Volvo Trucks (que constitui uma companhia separada da Volvo Cars), em uma entrevista na sede da companhia em Gotemburgo, na Suécia. “Esta foi uma das razões para unirmos forças com a Daimler, no intuito de dividir o ônus do desenvolvimento”.
A Daimler, sediada em Stuttgart, na Alemanha, planeja desmembrar as suas operações de produção de caminhões e de ônibus da divisão que fabrica automóveis da Mercedes-Benz, e formar uma companhia separada e listada separadamente em bolsa. O desmembramento da Daimler Truck, anunciada em fevereiro é um evento da maior importância para a companhia, cujas origens remontam à invenção do automóvel, e outrora era um conglomerado tentacular que construía aviões e trens, além de automóveis.
Um dos motivos do divórcio amigável é dar à unidade de caminhões mais liberdade de ação com a finalidade de reagir à mudança tecnológica enquanto capta dinheiro dos investidores para ajudar a financiar o enorme custo do desenvolvimento de veículos de longas distâncias e zero-emissões.
“Administração e governança independentes permitirão que elas operem a um ritmo ainda mais rápido”, disse o CEO da Daimler, Ola Källenius.
A direção da Daimler admite que alguns setores de sua operação de caminhões estão em situação difícil. Nos Estados Unidos, a Freightliner, adquirida pela Daimler em 1981, é a marca mais vendida de caminhões pesados, com mais de um terço do mercado. Mas na Europa, a Mercedes-Benz perdeu sua parcela de mercado e estão atrás de concorrentes nas pesquisas sobre a satisfação dos clientes.
Karin Radstrom, contratada este ano da concorrente Scania para pôr em ordem os negócios da Daimler Truck na Europa e na América Latina, disse que a companhia investiu excessivamente em engenharia extravagante pela qual clientes não se mostraram dispostos a pagar.
“Até certo ponto, perdemos contato com os nossos clientes”, afirmou Radstrom durante uma apresentação da empresa.
A Daimler afirma que o seu objetivo é produzir caminhões de curta distância movidos a bateria que podem competir em termos de custos com o diesel até 2025 e os de grande distância movidos a células de combustível que alcançam a paridade com o diesel até 2027.
“No momento em que o cliente começar a se beneficiar mais do caminhão de zero emissões do que com o caminhão movido a diesel, não haverá razão para continuar comprando o modelo a diesel”, afirmou Andreas Gorbach, diretor de tecnologia de caminhões e da divisão de ônibus da Daimler. “Este ponto é crucial”. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA