Por José Eduardo W. de A. Cavalcanti – O reuso direto de água para fins potáveis não é estratégia no presente para a escassez

Uma das manifestações mais espetaculares da natureza é o ciclo das águas, também conhecido como ciclo hidrológico, que é traduzido pela ocorrência de uma troca contínua de água na hidrosfera por meio das mudanças dos estados físicos por força da energia solar, dos movimentos de rotação da terra e da gravidade. Os mecanismos de movimentação da água ao longo de seu ciclo envolvem evaporação, transpiração, precipitação, bem como escoamento superficial e subsuperficial.

Desta forma, a água é usada e reusada naturalmente de modo perpétuo pelos seres vivos de maneira a manter a harmonia do meio ambiente. Trata-se na prática de um reuso planejado, (pela natureza).

Entretanto, muito frequentemente a água não se encontra disponível em quantidade e qualidade durante todo o tempo nos locais onde ela é necessária para as atividades antrópicas, razão pela qual há necessidade da intervenção humana para satisfazer a demanda como por exemplo a transposição de água entre bacias hidrográficas e a prática corriqueira de reuso indireto não planejado e raramente algumas vezes planejado.

O reuso indireto não planejado é, portanto, uma prática recorrente nas captações superficiais em rios ou lagos que, atuando como atenuador ambiental, recebem a montante lançamentos diretos ou indiretos de contribuições de esgotos tratados e não tratados oriundos das atividades humanas, industriais e agrícolas em quantidades e qualidades variáveis.

Decorre então que nestes cursos de água pouco poluídos, graças à diluição, a potabilização das águas para consumo humano, em conformidade com os padrões legais de qualidade adotados no Brasil, te se tornado viável mediante a adoção apenas de tratamentos de água clássicos em que os poluentes são separados da água, submetidas ou não à pré-cloração, por meio de tratamentos físico-químicos por coagulação/ filtração seguidas por decantação e filtração em filtros de areia e/ou carvão ativado além de fluoretação e desinfecção com cloro.

Desta forma, os processos físico-químicos adotados nas ETEs brasileiras removem prioritariamente sólidos em suspensão, apenas pequena parte dos sólidos dissolvidos por efeito de filtração e adsorção e microorganismos por efeito de cloração. No caso da a inclusão de pré- cloração utilizada para facilitar a coagulação há uma oxidação e insolubilização de determinados compostos orgânicos e metais.

 

Entretanto, estas águas objeto do reuso indireto contem também substâncias (poluentes) que não são removidas por tratamentos clássicos usualmente adotados no Brasil e que podem passar incólumes nas Estações de Tratamento de água e também na de esgotos.

Tais substâncias são constituídas por compostos orgânicos dissolvidos (compostos aromáticos, agrotóxicos, hidrocarbonetos clorados, surfactantes e contaminantes emergentes), poluentes físico-químicos dispersos na forma de sólidos dissolvidos, coloidais ou em suspensão, gases dissolvidos ionizáveis e poluentes biológicos (bactérias, vírus, protozoários e helmintos).

Muitas destas substâncias ainda não são reguladas, de forma que na prática o tratamento de água atualmente empregado quase sempre atende aos padrões de potabilidade consubstanciados na Portaria nº 2.914, de dezembro de 2011 do ministério da Saúde quanto à qualidade da água tratada.

Todavia, se o manancial adotado for o esgoto sanitário bruto ou tratado de forma a configurar o reuso potável direto o tratamento deverá ser muito mais abrangente tecnicamente do que o praticado no reuso indireto, tendo em vista que os poluentes retro descritos estão presentes em concentrações muito maiores além de agregar a maioria dos emergentes.

Deste modo, no caso de reuso direto, o tratamento de água atualmente adotado servirá apenas como pré-tratamento, se tanto, pois uma complexidade de processos unitários de purificação da água muito mais sofisticados precisarão ser adotados para a potabilização da água. Poderão envolver processos de oxidação avançada como ozonização, peroxidação, UV, filtração avançada por membranas (MF, UF e OR), recarbonatação da água, além de processos biológicos avançados.

O desenvolvimento tecnológico em tratamento de água está bastante avançado a ponto de ser possível de se chegar à obtenção de água de qualidade superior a da água potável, como a água deionizada (água ultra pura) usada na fabricação de circuitos impressos.

A questão primordial, entretanto, seriam os custos decorrentes envolvidos (CAPEX e OPEX) necessários para se arcar com grandes volumes de água potável para satisfazer o consumo humano fato que inviabiliza no presente o reuso direto como estratégia para fazer frente a escassez.

Melhor seria aplicar os recursos econômicos, estes sim escassos, na melhoria tecnológica do tratamento de água das ETAs (e também das ETEs) na remoção de poluentes emergentes oriundos dos esgotos sanitários e os provenientes das indústrias farmacêuticas e de cosméticos lançados aos cursos de água.

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*José Eduardo W. de A. Cavalcanti

É engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia

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*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.