A cidade de São Paulo tem uma população de 12,5 milhões de habitantes, cuja movimentação diária ocorre no transporte motorizado (metrô, trem, ônibus, automóvel e motocicleta) ou no transporte não motorizado (a pé ou de bicicleta). De acordo com a última pesquisa O/D (origem/destino), considerando o modo principal de deslocamento, diariamente, são realizadas 11,5 milhões de viagens no transporte coletivo, cerca de 8,2 milhões de viagens são feitas por veículos particulares e outras 8,0 milhões de viagens são realizadas a pé ou de bicicleta.
Na capital, excluindo o período de pandemia, o sistema de ônibus é responsável pela movimentação diária de cerca de 3,3 milhões de pessoas, que realizam 9,0 milhões de embarques. O sistema metro-ferroviário, por sua vez, realiza 8,0 milhões de embarques por dia, considerando também os embarques fora do município. Vale citar ainda que, na hora do pico da manhã, de um dia útil, são realizados mais de 800 mil embarques, somente no sistema de ônibus.
Esses números dão bem a dimensão da importância do transporte coletivo para o deslocamento dessa massa de paulistanos que, todos os dias, necessita dos ônibus, do metrô e dos trens, para realizar suas viagens e chegar em casa, no trabalho, na escola, no hospital, nos locais de compra ou de lazer, entre outros destinos.
Com esse volume de viagens diárias é fácil imaginar que qualquer situação imprevista, que prejudique o funcionamento normal dos serviços prestados pelo metrô, trens ou ônibus, pode causar um tremendo transtorno à vida dos passageiros e uma enorme confusão nos deslocamentos diários que ocorrem na cidade.
Nos idos de 1983, numa manhã de um dia normal de trabalho, houve um incêndio numa das estações da hoje denominada Linha 7 – Rubi (Luz/Francisco Morato/Jundiaí), interrompendo completamente o tráfego de trens e comprometendo o transporte de passageiros em toda a região de Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato e Campo Limpo Paulista. Durante a ocorrência, o Centro de Controle Operacional – CCO da extinta Companhia Municipal de Transportes Coletivos – CMTC foi acionado e a empresa enviou uma frota de ônibus para retirar os passageiros da estação incendiada e fazer a ligação entre as estações adjacentes e o local do sinistro.
Por se tratar de uma primeira atuação conjunta entre duas empresas públicas de transporte, movidas pelo objetivo comum de resolver um problema grave e deslocar os passageiros até um local próximo, de onde pudessem retornar para suas casas ou tomar uma outra condução para chegar ao destino final de sua viagem, os procedimentos adotados foram bastante empíricos e baseados, unicamente, na larga experiência dos técnicos que atuam nos centros de controle das empresas operadoras de transporte.
Mesmo sem saber a quantidade necessária de ônibus e as melhores vias de acesso à estação em chamas, um número razoável de veículos foi enviado ao local do incêndio, a partir das garagens mais próximas ou retirados da operação normal das linhas, da região norte e noroeste da cidade. Em um tempo relativamente curto, os passageiros foram removidos das estações próximas da ocorrência e a operação dos trens, naquela linha, voltou ao normal.
Esse acidente foi o principal fato motivador e o ponto de partida para que os técnicos da CMTC tomassem a iniciativa de propor a preparação de um plano de contingência, a ser elaborado, conjuntamente, pelos técnicos da Companhia do Metropolitano de São Paulo – METRÔ, da Ferrovias Paulista S/A – FEPASA, da Companhia Brasileira de Trens Urbanos – CBTU, da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET/SP e da própria CMTC. O objetivo básico desse plano era organizar os diversos tipos de atuação possíveis, em função das características das ocorrências que pudessem afetar a operação do sistema metro-ferroviário e até dos próprios ônibus que operavam no município. Nascia, assim, o Plano de Apoio entre Empresas de Transporte em Situação de Emergência – PAESE.
Com base no movimento de passageiros e no conhecimento das vias de acesso à cada estação, os técnicos das empresas operadoras elaboraram um manual de orientação, contendo decisões pensadas com a devida antecedência e a melhor forma de agir para superar cada interrupção da operação do metrô, dos trens ou do sistema de ônibus municipal. Já no ano da implantação do PAESE, a CMTC realizou 12 atendimentos e colocou à disposição mais de 1.100 ônibus para acudir as várias situações emergenciais ocorridas. Em 1984, foram 58 atendimentos e mais de 8.500 ônibus alocados no auxílio das intercorrências operacionais, verificadas no sistema metro-ferroviário e no sistema de ônibus.
Para formalizar o entendimento entre todas as empresas operadoras do transporte coletivo e do trânsito, em São Paulo, e estabelecer as regras para o atendimento de cada situação, foi estruturado um convênio, fixando as responsabilidades e as obrigações de cada ente envolvido. Nesse acordo também foram estabelecidos os custos incorridos pela empresa operadora dos ônibus, para o atendimento das solicitações emanadas das demais empresas operadoras do transporte coletivo, bem como a sua forma de pagamento.
Ao longo de quase 40 anos e com uma média anual de atendimentos superior a uma centena, já se tornou parte do cotidiano do paulistano contar com o acionamento do PAESE, sempre que ocorre uma pane no material rodante ou nas instalações fixas do Metrô e da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM ou mesmo quando acontece a paralisação, parcial ou total, da frota de uma ou outra garagem do sistema de ônibus da cidade.
Além do atendimento das ocorrências que provocam a paralisação parcial ou comprometem a operação normal de um dos sistemas de transporte coletivo da cidade, tanto o Metrô quanto a CPTM também acionam o PAESE quando necessitam realizar algum serviço de manutenção que exija a suspensão da circulação das composições de vagões ou de trens, por um tempo determinado.
A título de exemplo, vale citar que o PAESE foi acionado e operou durante quase três meses – de março a maio de 2020 –, com uma média diária de 50 ônibus articulados, enquanto o Metrô executava os reparos necessários no material rodante e na via permanente da Linha 15 – Prata (Vila Prudente/São Mateus), do Monotrilho.
O referido manual, onde constam as melhores opções para o atendimento das ocorrências, tem sido revisado e aprimorado, sistematicamente. Nas últimas versões, além da São Paulo Transporte S/A – SPTrans, da Companhia do Metropolitano de São Paulo – Metrô, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos – CPTM, da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo – EMTU/SP e da Companhia de Engenharia de Tráfego – CET, também foram incluídas as operadoras privadas ViaQuatro, que opera a linha 4 – Amarela (Luz/Morumbi) e a ViaMobilidade, que opera a linha 5 – Lilás (Capão Redondo/Chácara Klabin), do sistema metroviário e, futuramente, a linha 17 – Ouro (Morumbi/Aeroporto), do Monotrilho.
Em 2019, o PAESE foi acionado em 146 oportunidades e a SPTrans alocou 2.433 ônibus para atender várias ocorrências verificadas no sistema metro-ferroviário ou no sistema de ônibus da cidade. Em 2020, foram 139 atendimentos e mais de 4.095 ônibus disponibilizados para auxiliar nas situações emergenciais ocorridas.
É muito comum ouvir, nos telejornais matutinos, a notícia sobre alguma situação indesejável verificada em um dos sistemas de transporte coletivo da cidade e, ao mesmo tempo, a informação que o PAESE já foi acionado. Provavelmente, o âncora do telejornal, o radialista ou o repórter que divulgam o acidente ocorrido nas linhas do metrô, nos trens ou nos ônibus não tem a menor noção de quanto planejamento, articulação, coordenação e logística são necessários para mitigar as consequências de uma situação que prejudica o funcionamento normal dos transportes coletivos da cidade e, consequentemente, o cotidiano do paulistano.
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(*) Francisco Christovam é assessor especial do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPUrbanuss e, também, membro da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado de São Paulo – FETPESP, da Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP, do Conselho Diretor da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos – NTU, da Confederação Nacional dos Transportes – CNT e do Conselho Consultivo do Instituto de Engenharia.