“Eu tenho feito muita pesquisa mostrando que a Amazônia está muito próxima de um ponto de “não retorno”, que chamo de ‘savanização’ – vira um cerrado”
Assista à entrevista:
“Se não zerarmos o desmatamento e reflorestarmos a floresta, nós estamos, no máximo, a vinte anos da “savanização”. Fica irreversível.”
Já estamos vendo isso. A estação seca está ficando mais longa no sul da Amazônia, ela já é três semanas mais longa do que nos anos 80, e nos lugares mais desmatados até quatro semanas mais longa. Se chegar a cinco meses de estação seca, é o clima da savana e a floresta não resiste, ela vira savana. Morrem todas as árvores do clima úmido, típicas da Amazônia”
“Nós já desmatamos 1 milhão de metros quadrados na Amazônia, cerca de 800 mil quilômetros, mais de três vezes o Estado de São Paulo, e a Amazônia tem uma produtividade agrícola que é de 1/4 a 1/5 da produtividade agrícola do Estado de São Paulo”
“Se ele quiser [o Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles] um dia honrar os filhos, que os filhos não tenham vergonha do pai, que ele peça para sair. Este ministro não entende nada de meio ambiente, ele é um ruralista, o pior ministro do Meio Ambiente da história”
“Um paulistano emite menos do que a média brasileira porque 70% das emissões brasileiras são desmatamento e agricultura. Então a emissão direta do paulistano é bem menor, de 2 a 3 toneladas por ano. Mas se a gente computar as emissões indiretas, sobe bastante.
Por exemplo, você compra carne; se essa carne veio da Amazônia, quanto que ela foi responsável pelo
desmatamento? Foi muito.
Se todo o paulistano exigisse a rastreabilidade da carne, diminuiria em 50% o desmatamento da Amazônia, porque os desmatadores ilegais perderiam mercados”
O cientista Carlos Nobre é graduado em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e doutorado em Meteorologia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT); em sua carreira se destacam seus estudos sobre o aquecimento global, e a defesa do meio ambiente. Nobre também foi um dos autores do Quarto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que, em 2007, foi agraciado com o Prêmio Nobel da Paz, juntamente com o ex-vice- presidente dos EUA Al Gore.
Nesta conversa com Inconsciente Coletivo, um status quo sobre os índices atuais da devastação, um olhar histórico, a ação perniciosa do governo federal, e o que está por vir em termos de tragédia se continuarmos nessa rota. Em outra perspectiva, um vislumbre sobre a retomada verde e do Acordo de Paris com a alvissareira chegada de Joe Biden.
“Infelizmente, a partir dos anos 90, quando se criou os mecanismos legais para se reduzir o desmatamento, começou a se formar também a indústria do crime, o crime organizado da grilagem de terra, o crime organizado do tombo da madeira, o crime organizado do garimpo ilegal. Esse crime organizado, em trinta anos, virou uma potência; é um “PCC Amazônico”, e eles são muito poderosos”
“Os estudos mostram que acima de 90% do desmatamento é ilegal. São crimes ambientais e lógico, muitos destes desmatamentos, décadas depois através do Marco Legal, foram legalizados”
“A Amazônia armazena 120 bilhões de toneladas de carbono, então se a Amazônia desaparecer [for
desmatada] vamos lançar uma quantidade de carbono tão grande na atmosfera que equivale a uns 10 anos de emissões globais.
O clima começa a mudar na Amazônia e vira um cerrado, perde biodiversidade e perde muito carbono. Isso é um efeito global. (…) Você também perderia a maior biodiversidade do planeta, a extinção de dezenas, de milhares de espécies, aumentaria muito o risco de pandemias, porque na Amazônia é o lugar que mais existem microrganismos, bactérias, vírus etc.”
“A floresta tem valor econômico, de fato. Os exemplos que nós temos de sistemas agroflorestais com açaí, castanha, cacau e vários outros produtos mostram que eles são muito mais rentáveis do que substituir a floresta com agropecuária. Sistemas agroflorestais produzindo açaí têm uma rentabilidade entre 5 a 10 vezes mais que a agropecuária amazônica”
“Se você está em um país tropical como o Brasil, essas ondas de calor já trazem em grande parte do país um impacto na saúde, mas principalmente um impacto na produção agrícola. Essas regiões tropicais do Brasil já são muito quentes, então quando você tem ondas de calor, a produção despenca, ocorre uma enorme perda de produção de soja e de leite. Então, se a gente aumenta muito o aquecimento global, ele torna a região Central, Nordeste e até partes do Sudeste praticamente inviáveis para a agricultura”
“Ondas de calor quebrando recordes no pantanal, agora em outubro o recorde de temperatura em parte do Cerrado, no Norte do Paraná, Oeste do Estado de São Paulo, Rio de Janeiro, partes da Bahia.
Se a gente pegar o Nordeste de 2012 a 2018, foi a mais longa seca, 7 anos consecutivos de chuvas abaixo da média. No Sudeste de 2014 a 2015 e também no centro-oeste estamos tendo quatro mega secas, 2005, 2010, 2015, 2016. E agora em 2020, em 15 anos tivemos quatro”
“Passando de 2 graus, você derrete todo o gelo da Groenlândia. Isso causa sete metros de aumento do nível do mar, mudando completamente as zonas costeiras do mundo inteiro.
Significa uma faixa de 150 a 250 milhões de pessoas tendo que migrar destas zonas, não tem jeito de fazer proteção. (…) Não tem como proteger países como a Holanda. (…) Aqui no Brasil, com um 1 metro e meio de aumento do nível do mar, tem umas 500 mil pessoas que vivem no Rio de Janeiro que não poderão mais viver”
“Enfraquecer orçamentariamente o INPE como o governo está fazendo é dar um tiro no pé da ciência brasileira, um tiro no pé da capacidade brasileira de sempre estar modernizando esses métodos e sistemas, pois o primeiro sistema de monitoramento de florestas tropicais no mundo foi desenvolvido no INPE, em 1988.
“Eu e a minha esposa, daqui a dois anos vamos trocar de carro e comprar um 100% elétrico. Lógico, eu sou de classe média, tenho recurso para comprar um carro elétrico, já está caindo o preço, daqui a uns 2 anos ele estará acessível no Brasil, e se você ficar uns 10 anos com o carro elétrico, ele se auto paga, não precisa gastar dinheiro com combustível fóssil. Se eu fosse paulistano, brigaria muito pela eletrificação da frota [de ônibus] para a diminuição das emissões e restauração verde urbana, voltar a ter quintal, jardim, acabar com essa coisa de cimentar tudo”
“O fato de os EUA não cumprirem essas metas não é só prejudicial porque os EUA são hoje o segundo país que mais emite no mundo – historicamente foi o que mais emitiu -, mas porque também fragiliza muito o esforço global de muitos outros países pelo Acordo de Paris.
De fato, com a vitória de Joe Biden, uma das coisas mais importantes em termos de impacto internacional é a volta dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, principalmente no pós-pandemia, no momento da retomada verde”
“O presidente Trump defende politicamente a prioridade dos combustíveis fósseis, e não é nem mais uma questão econômica, porque as energias renováveis são mais baratas. Ele defende isso porque é um dos líderes populistas anticiência do mundo”
Por Morris Kachani
Fonte O Estado de S.Paulo