Atleta não se compra em shopping”, dizia a postagem que convocava um “protesto contra a privatização do complexo esportivo do Ibirapuera”. Os organizadores chamavam, com uma hashtag, a abraçar o ginásio do Ibirapuera (zona sul de São Paulo), lugar simbólico para a história do esporte nacional.
A manifestação, que ocorreu neste domingo (6), às 9h, foi convocada após o Condephaat decidir não abrir processo de tombamento do Complexo Desportivo Constâncio Vaz Guimarães, na última segunda-feira (30).
Se o conselho estadual desse início a estudos para a preservação do conjunto, os planos do governo João Doria (PSDB) para a concessão do espaço à iniciativa privada se veriam dificultados.
O governo planeja que o concessionário, a ser escolhido idealmente em fevereiro de 2021, instale uma arena multiúso no local onde hoje está a pista de atletismo, uma das raras de padrão oficial e uso público na cidade. Onde fica o conjunto de piscinas, surgiriam prédios comerciais, com hotel e flat, e o ginásio seria convertido em shopping.
Além do valor arquitetônico —o ginásio e o estádio de atletismo levam a assinatura de Ícaro de Castro Mello, um dos principais nomes da arquitetura esportiva no país, e Nestor Lindeberg seguiu suas linhas ao projetar o complexo aquático— tem-se levantado o valor do conjunto na história do esporte nacional.
Embora o uso esportivo seja mantido nos planos da concessão, a reação da sociedade civil não foi acolhedora à ideia de que o local abrigue empreendimentos que sejam rentáveis ao consórcio escolhido, que exploraria o conjunto por 35 anos, ficando responsável por sua manutenção.
O Ministério Público de São Paulo (MPSP) informou na semana passada que a Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo da capital analisa possíveis restrições legais ao processo de concessão.
Questionamentos foram enviados ao governo do estado a respeito do projeto, de estudos técnicos, da licitação e de consultas públicas.
Após análise dos documentos, o MPSP deve se pronunciar sobre eventuais impedimentos à implantação de um empreendimento privado naquela área pública —o equipamento é estadual, e o terreno, da prefeitura.
Antes da reunião do conselho, uma movimentação já se iniciara em prol da preservação dos equipamentos esportivos atualmente em funcionamento no complexo.
Um abaixo-assinado, que contava com mais de 5.000 nomes antes da reunião do Condephaat, já tinha mais de 62 mil assinaturas no encerramento deste texto. O documento somou-se ao entendimento, favorável ao tombamento, de um dossiê da Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico.
Técnicos da unidade, cujos pareceres subsidiam as decisões do Condephaat, vistoriaram o espaço em 2019, atestando “boas condições estruturais em geral”.
O relator do processo e outros 15 votantes do conselho, porém, discordaram da avaliação. Somente 8 conselheiros votaram pelo tombamento. O resultado reflete o temor expressado por especialistas quando, em abril de 2019, Doria alterou por decreto a composição do Condephaat.
Além de aumentar a participação dos membros do governo, o decreto determinava que representantes de universidades e da sociedade civil seriam escolhidos pelo governador a partir de listas tríplices indicadas pelas entidades.
Dos 16 votos contrários, 12 vieram de representantes do governo. Os outros 4 foram da Associação Paulista de Municípios e do Instituto de Engenharia de São Paulo, que não tinham assento no conselho até 2019, e de 2 profissionais de “notório saber” designados pelo governador.
Em nota enviada à reportagem, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa, afirma que “a mudança do Condephaat foi analisada e autorizada pela Justiça, que comprovou a idoneidade e legitimidade de todo processo”.
Ainda segundo a pasta, as alterações tiveram o “objetivo de ampliar a representatividade e a diversidade do órgão, com efetiva paridade entre representantes do governo e da sociedade civil” e que havia “falta de quórum das universidades”.
“Todas as modificações, incluindo a participação de profissionais de notório saber nas áreas de história da arte e arquitetura, urbanismo e patrimônio imaterial, foram cuidadosamente estudadas e analisadas para garantir maior eficiência e eficácia ao conselho, aumentando o rigor técnico em benefício da sociedade paulista”, diz a nota.
Também antes da rejeição pelo Condephaat, postagens em redes sociais e projeções em empenas lembraram talentos esportivos que treinaram ou atuaram no complexo.
Alguns desses nomes estiveram reunidos no protesto deste domingo, como Maurren Maggi e Aurélio Miguel, medalhistas olímpicos em salto e distância e judô, e Vera Mossa, que participou de três Olimpíadas consecutivas pela seleção de vôlei.
A presença de pessoas com bandeiras do PDT e do PT provocou indisposição entre manifestantes, que defendiam o aspecto apartidário do encontro. Houve uma pequena altercação, quando um manifestante tentou arrancar de outro uma das bandeiras, mas, após alguma discussão e empurra-empurra, o ato voltou ao caráter pacífico.