Dossiê BNDES: as 86 obras no exterior financiadas pelo banco (IEJN)

Desde 1998, banco de fomento liberou US$ 10,5 bilhões em empréstimos a construtoras brasileiras no exterior; perda potencial é de US$ 1,5 bilhão, com Venezuela, Cuba e Moçambique

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Destaque na suposta “caixa-preta” do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), os empréstimos para a exportação de serviços de engenharia, ou seja, para financiar obras de empreiteiras brasileiras no exterior, são uma das principais fontes de dor de cabeça para a instituição de fomento. Até o segundo trimestre deste ano, o total atrasado no pagamentos das dívidas de Venezuela, Cuba e Moçambique era de US$ 554 milhões (R$ 2,305 bilhões, pelo câmbio de terça-feira, 1 de outubro).

De 1998 para cá, o BNDES contratou US$ 15,276 bilhões nesse tipo de operação, conforme levantamento feito pelo Estado no site do banco. Após analisar 662 operações de crédito em planilhas e contratos de financiamento (oito delas foram canceladas integralmente, sem liberar um centavo sequer), o levantamento chegou a 86 obras financiadas em 15 países, como detalhado a seguir. No total, o banco de fomento liberou US$ 10,499 bilhões para essas operações – os cancelamentos de operações, a partir de maio de 2016, contribuíram para os valores desembolsados ficarem abaixo dos contratados.

Os valores contratados, com os quais o levantamento trabalha, podem ser um pouco diferentes do que os desembolsados porque esses empréstimos são de longo prazo, ou seja, o crédito aprovado, no início do projeto, é liberado aos poucos, ano a ano, à medida que a obra vai andando. No caso de empréstimos suspensos ou cancelados, o valor contratado pode ficar muito acima do efetivamente desembolsado.

O BNDES projeta uma perda potencial com os financiamentos a obras no exterior de US$ 1,5 bilhão (R$ 6,3 bilhões), como anunciado no último dia 15. A estimativa foi baseada na soma das dívidas em atraso com o que falta receber dos três países inadimplentes. Mais da metade desse valor (R$ 3,7 bilhões) são empréstimos para obras tocadas pela Odebrecht, com a qual o BNDES projeta uma perda total de R$ 14,6 bilhões, como mostrou o Estado na última segunda, 30.

O debate e as críticas sobre os empréstimos para obras no exterior remontam pelo menos a 2013, obrigando o banco de fomento a ampliar os dados disponíveis desde então. Seis anos depois, quando o atual presidente do BNDES, Gustavo Montezano, assumiu o cargo com a tarefa de “abrir a caixa-preta” encomendada pelo presidente Jair Bolsonaro, já não havia muito a revelar. Dois meses após Montezano iniciar seu trabalho, o BNDES anunciou a estimativa de perda potencial.

Em entrevista ao Estado, Montezano criticou a governança da política de financiamento às exportações, defendeu mudanças nas regras, segundo ele já em estudo na Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, mas ressaltou a importância do apoio governamental à atividade. “A exportação de serviços é um negócio importante. Não podemos parar de fazer por causa disso. Errou, errou, como País, conserta e faz direito”, disse o presidente do BNDES.

O levantamento do Estado demonstra, como já era sabido, que os empréstimos às obras no exterior foram concentrados. Angola, que recebeu US$ 3,273 bilhões de US$ 3,946 bilhões contratados, Argentina, Venezuela e República Dominicana se destacam entre os países importadores. Das 86 obras mapeadas, 31 estão em Angola, ou 36% do total. Em seguida vem a República Dominicana, com 16, ou 18,6% do total. Empreiteira com mais contratos no exterior, a Odebrecht recebeu US$ 7,984 bilhões, 76% do total efetivamente desembolsado para os empréstimos. “A Odebrecht foi o carro-chefe nesse produto. O Brasil fazia pouco isso e ela se lançou”, disse Montezano.

O BNDES contratou US$ 15,276 bilhões para 662 operações analisadas no levantamento feito pelo Estado. Os valores contratados podem ser diferentes do que os desembolsados porque o crédito é liberado aos poucos.

Angola

Embora os inadimplentes Cuba e Venezuela sejam, frequentemente, os mais citados nas críticas à “caixa-preta” dos empréstimos do BNDES para obras no exterior, Angola foi o país que mais recebeu recursos desses financiamentos.

Entre 1998 e 2016, o BNDES concedeu US$ 3,946 bilhões em empréstimos para Angola contratar construtoras brasileiras, com destaque para a Odebrecht. Até junho de 2019, foram desembolsados US$ 3,273 bilhões nessas operações. Angola ainda deve US$ 639 milhões e não tem nenhuma parcela da dívida em atraso, segundo dados do site do banco de fomento.

Estudioso das relações entre Brasil e Angola, o pesquisador Mathias de Alencastro, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), cita a ascensão econômica do país da costa oeste da África após o fim da guerra civil, em 2002, e a presença histórica da Odebrecht por lá como principais responsáveis por tamanha concentração.

O “Livro Verde”, que procura passar a limpo as operações do BNDES e foi lançado em 2017, informa que, desde 2007, foram aprovadas 91 operações de financiamento a exportações realizadas por 11 empresas brasileiras para fornecimento de bens e serviços a Angola. No site do banco, o Estado mapeou 31 projetos de investimento em infraestrutura no país – em mais de um caso, uma obra recebeu mais de um empréstimo.

O fim da guerra civil travada desde 1975, ano da independência de Portugal, pelo governista Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) e pelo oposicionista União Nacional pela Independência Total de Angola (Unita) coincidiu com o período de crescimento da economia global que produziu o “boom” no preço das commodities. Ao mesmo tempo em que precisava reconstruir a infraestrutura após 30 anos de conflito, Angola, com a petroleira estatal Sonangol, se tornou um dos principais produtores de petróleo na África subsaariana, ao lado da Nigéria.

Para Alencastro, isso tornou a ex-colônia portuguesa estratégica no Atlântico Sul para o Brasil, independentemente de conotações político-partidárias. Embora o MPLA fosse alinhado com o bloco socialista, no contexto da Guerra Fria que marcou a guerra civil angolana, o governo militar do general Ernesto Geisel foi o primeiro a reconhecer Angola como país independente, ainda em 1975. Isso impulsionou a presença das empreiteiras brasileiras no país africano, principalmente a partir dos anos 1980.

Segundo o pesquisador do Cebrap, a presença da Odebrecht em Angola ficou enraizada. A empreiteira chegou a ser a maior empregadora privada no país, com 30 mil funcionários, e participou ativamente no projeto político do governo angolano, à época presidido por José Eduardo dos Santos, disse Alencastro.

Construção da Usina Hidrelétrica de Laúca. Foto: Reprodução

Dos US$ 4 bilhões em empréstimos contratados para Angola, US$ 3,1 bilhões foram para obras tocadas pela Odebrecht, a partir de meados da década de 2000. Os projetos incluem investimentos em rodovias, saneamento, abastecimento de água, geração e distribuição de energia elétrica e habitação.

O maior deles, a construção da Hidrelétrica de Laúca, a cargo da Odebrecht, recebeu financiamento de US$ 646 milhões, em duas operações. Um dos empréstimos, de US$ 500 milhões, está na lista de 25 suspensos em maio de 2016, por suspeitas de corrupção.

Também foram paralisados os créditos para a construção da Hidrelétrica de Cambambe, outra a cargo da Odebrecht, que recebeu empréstimos de US$ 464,4 milhões no total, e a construção da Autoestrada Periférica de Luanda, capital angolana, cujas obras foram divididas pela Odebrecht e pela Queiroz Galvão, com financiamento de US$ 372,6 milhões.

Argentina

A vizinha Argentina é o segundo país que mais recebeu recursos de empréstimos do BNDES para financiar obras no exterior. De 1998 a junho passado, foram liberados US$ 2 bilhões para essas operações. A Argentina ainda deve US$ 203 milhões ao BNDES – não há registros de atrasos nos pagamentos da dívida.

Estado mapeou oito obras tocadas por empreiteiras brasileiras com financiamento do BNDES. No total, foram contratados US$ 2 bilhões. O principal projeto é ampliação da rede de gasodutos operados pelas empresas Transportadora de Gás Del Norte (TGN) e Transportadora de Gás Del Sur (TGS), que recebeu empréstimos entre 2007 e 2013, no valor total de US$ 1 bilhão. As obras foram tocadas pela Odebrecht.

Obra de ampliação do Gasoduto General San Martin. Foto: Reprodução

SEM CONTRATO DISPONÍVEL

A empreiteira baiana também foi responsável pelas obras do segundo maior projeto financiado pelo BNDES, a construção da planta de tratamento e do sistema de distribuição de água de Paraná de las Palmas, que recebeu US$ 293,9 milhões do banco de fomento, entre 2011 e 2015. Essa operação, porém, está entre os 25 financiamentos suspensos em maio de 2016 por suspeitas de corrupção. O crédito de US$ 165 milhões para a construção do Aqueduto do Chaco, outra obra a cargo da Odebrecht, também está na lista.

Venezuela

Terceiro maior destino dos empréstimos do BNDES para obras no exterior, a Venezuela recebeu US$ 1,507 bilhão, de 2001 até o segundo trimestre de 2019, de um total de US$ 2,970 bilhões em financiamentos contratados. Em grave crise econômica e política, o país de Nicolás Maduro é também o caso mais grave de inadimplência entre os países que têm dívida externa com o BNDES. Até o segundo trimestre deste ano, os pagamentos em atraso somavam US$ 374 milhões. Por causa do calote, o BNDES reservou R$ 2,236 bilhões no balanço de 2018 para absorver os atrasos.

Alvo frequente das críticas do presidente Jair Bolsonaro, por causa da proximidade dos governos de Maduro e de seu antecessor, Hugo Chávez, com os governos do PT, os empréstimos estão concentrados em poucos projetos de alto valor. O Estado mapeou sete obras no site do BNDES.

Os maiores empréstimos foram para a construção da Usina Siderúrgica Nacional, tocada pela Andrade Gutierrez, com empréstimo de US$ 865 milhões, e da Linha 2 do Metrô de Los Teques, a cargo da Odebrecht, com US$ 862 milhões.

Construção da Usina Siderúrgica Nacional. Foto: Reprodução

A obra do metrô recebeu inicialmente US$ 527,8 milhões, em 2009, mas teve um crédito complementar de US$ 334,2 milhões, contratado em junho de 2015. A operação complementar não está nas planilhas disponíveis no site do BNDES. Só é possível chegar a ela pela lista de contratos disponível no site. O contrato foi firmado pelas autoridades venezuelanas no fim de 2014, transição do primeiro para o segundo governo Dilma Rousseff, quando houve troca na equipe econômica, mas só seria assinado pelo BNDES seis meses depois.

O mesmo ocorreu com um crédito suplementar de US$ 200 milhões para a construção da Linha 5 do Metrô de Caracas e com o financiamento de US$ 368,9 milhões para obras de saneamento da Bacia do Rio Tuy, num projeto que envolvia infraestrutura, como a construção de pontes. Esses dois contratos também foram firmados pelas autoridades venezuelanas no fim de 2014, mas só seriam assinados pelo BNDES em junho de 2015.

A assessoria de imprensa do BNDES explicou que essas operações não estão nas planilhas disponíveis no site do banco porque foram integralmente canceladas, sem que houvesse desembolsos de recursos.

Questionado se não foi temerário conceder esses empréstimos quando já se sabia das investigações da Operação Lava Jato envolvendo as construtoras, Luciano Coutinho, presidente do BNDES à época, disse, por escrito: “Tão logo teve conhecimento de práticas de corrupção em obras no exterior, o BNDES suspendeu, ainda na minha gestão, no início de 2016, as operações de financiamento com empresas implicadas, aguardando o desenrolar das investigações e, posteriormente, a conclusão de acordos de leniência”.

Cuba

O financiamento de US$ 682 milhões para a modernização do Porto de Mariel, em Cuba, em cinco operações entre 2009 e 2013, é um dos símbolos da “caixa-preta” do BNDES. A decretação de sigilo sobre documentos relacionados aos empréstimos para Cuba, em 2012, contribuiu para o banco ganhar a pecha de pouco transparente. Tido como decisão ideológica, resultante da proximidade do PT com o regime comunista dos irmãos Castro, o financiamento para o projeto tocado pela Odebrecht caiu como uma luva no discurso de crítica às operações do BNDES pelo presidente Jair Bolsonaro.

Decidido pelo então ministro do Desenvolvimento do primeiro governo Dilma Rousseff, Fernando Pimentel, o sigilo foi revelado em abril de 2013. Embora tenha recaído também sobre as operações com Angola, sob argumento de que as informações eram “estratégicas” e incluíam “sigilo comercial”, a ideia de falta de transparência colou sobre Cuba.

Entre as informações protegidas pelo sigilo estavam as “excepcionalidades” concedidas no empréstimo para as obras em Mariel. Já se sabia que as condições eram favoráveis, com juros de 4,44% a 6,91% ao ano (varia conforme a operação) e prazo de 25 anos (em todos os empréstimos).

Ao divulgar uma nota com “informações sobre operações de financiamento à exportação de serviços” no dia 15 de setembro, o BNDES chamou a atenção para condições excepcionais nesse financiamento. Assim como nos demais empréstimos para obras no exterior, que são garantidos pelo Seguro de Crédito à Exportação (SCE), com recursos do Fundo de Garantia à Exportação (FGE), as condições de crédito foram definidas pelo governo federal, no âmbito da Câmara de Comércio Exterior (Camex).

Da mesma forma, as “excepcionalidades” foram aprovadas na 72ª Reunião do Conselho de Ministros da Camex, em maio de 2010, como mostra a ata do encontro, disponibilizada pelo órgão federal em seu site na sexta-feira, 13/9. As exceções foram aprovadas na segunda operação de crédito para as obras em Mariel, de US$ 108,7 milhões, contratada em novembro de 2010. O prazo “regulamentar” de empréstimos do tipo era de 12 anos, mas Cuba recebeu 25 – o benefício foi estendido às cinco operações para a obra. Outras “excepcionalidades” foram o fato de a garantia cobrir 100% dos riscos (a cobertura regulamentar é de 95%) e a contragarantia incluir depósitos numa conta nacional de Cuba e não numa conta no exterior, como o usual.

Ampliação do Porto de Mariel e infraestrutura de acesso. Foto: Reprodução

Em 2018, Cuba começou a atrasar o pagamento da dívida – US$ 62 milhões em parcelas atrasadas, até o segundo trimestre de 2019 –, colocando mais lenha na fogueira.

O saldo devedor da ilha caribenha, incluindo atrasados, é de US$ 561 milhões. Além do Porto de Mariel, há um empréstimo de US$ 150 milhões, para a modernização de aeroportos, projeto também a cargo da Odebrecht. Esse financiamento não consta nas planilhas disponíveis no site do BNDES, mas o contrato do empréstimo está lá. A operação está na lista de 25 financiamentos suspensos pelo BNDES em maio de 2016. A assessoria de imprensa do BNDES explicou que essa operação não está nas planilhas disponíveis no site do banco porque foi integralmente cancelada, sem que houvesse desembolsos de recursos.

O terceiro projeto, a construção de uma fábrica de soluções para hemodiálise, pela construtora TPRO Engenharia – hoje extinta –, recebeu empréstimo de US$ 14,876 milhões.

Os atrasos no pagamento dos empréstimos de Cuba se seguiram a dificuldades que abateram a economia local. Segundo agências internacionais de notícias, a crise da Venezuela, que subsidiava o fornecimento de petróleo à ilha caribenha, a reversão de parte da distensão diplomática com os Estados Unidos, após a posse de Donald Trump, e os danos causados pela passagem do furacão Irma, em 2017, atingiram em cheio a economia cubana.

Moçambique

Ex-colônia portuguesa na costa leste da África, Moçambique contratou apenas dois empréstimos com o BNDES para obras de infraestrutura, mas tem destaque na “caixa-preta” dos financiamentos a serviços de construtoras brasileiras no exterior por causa da inadimplência. O país africano tem US$ 118 milhões atrasados com o BNDES, com uma dívida total de US$ 184 milhões. Além da crise econômica, o país foi atingido em 2018 pelo ciclone Idai, que deixou cerca de 500 mortos por lá.

A maior obra financiada em Moçambique, a construção da Barragem de Moamba-Major, no Rio Incomati, ficou a cargo da Andrade Gutierrez e teve empréstimo de US$ 320 milhões. A obra acabou entrando no radar das investigações da Lava Jato – o empréstimo faz parte dos 25 financiamentos suspensos em maio de 2016.

Na Lava Jato, o caso ganhou contornos de conspiração internacional. Como mostrou o Estado em 2016, no fim de 2011, o engenheiro Marcelo Elísio de Andrade, alto executivo da Andrade Gutierrez, foi estrangulado pelo próprio segurança, em sua casa, em Maputo, capital moçambicana

Cinco dias depois, a Polícia Federal (PF) apreendeu no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos (SP), 30 mil euros enviados do país africano via malote da empresa. O dinheiro pertencia à vítima, foi retirado de sua residência e despachado por um ex-funcionário do grupo.

O executivo, morto aos 57 anos, era o responsável pela Zagope Construções e Engenharia, braço da Andrade Gutierrez na África. A vítima estava em Moçambique desde 2010 e o principal projeto tocado pelo executivo era justamente a construção da Barragem de Moamba-Major.

Aeroporto de Nacala. Foto: Reprodução

O outro projeto financiado pelo BNDES, tocado pela Odebrecht, foi a construção do Aeroporto de Nacala, no norte do país. Foi nessa operação em que houve atrasos por parte de Moçambique. A cidade é também ponto de escoamento, via porto, da mina de carvão de Moatize, da mineradora Vale. A companhia brasileira opera o Corredor de Nacala, via férrea que liga a mina ao porto. Apesar da operação da Vale, o aeroporto virou um elefante branco, como mostrou o Estado no fim de 2017.

República Dominicana

A República Dominicana é o quarto maior destino dos financiamentos do BNDES às obras no exterior. O Estado mapeou 16 obras tocadas por construtoras brasileiras no site do banco, com US$ 2,6 bilhões contratados em empréstimos. De 1998 até o primeiro trimestre deste ano, foi desembolsado US$ 1,215 bilhão. A dívida remanescente da ilha caribenha com o banco brasileiro é de US$ 326 milhões.

Os valores só não são maiores porque o BNDES suspendeu sete financiamentos a obras de construtoras brasileiras por lá – ao lado da Venezuela, o país caribenho foi o que mais teve operações na lista de 25 financiamentos paralisados em maio de 2016.

Entre as operações suspensas está o maior empréstimo para o País, de US$ 656 milhões, para a construção de uma usina termelétrica pela Odebrecht. O financiamento foi contratado em março de 2015, um ano após a Operação Lava Jato ter sido deflagrada. Questionado se o BNDES não correu risco ao aprovar o financiamento nessa ocasião, Luciano Coutinho, então presidente do banco, disse que, “tão logo teve conhecimento de práticas de corrupção em obras no exterior”, as operações com “empresas implicadas” foram suspensas.

Outro financiamento paralisado foi o destinado para as obras de duas represas: Montegrande e Sábana Yegua. Os projetos eram tocados pela Andrade Gutierrez. O financiamento, de US$ 249,6 milhões, foi concedido em 2013, com juros de 3,805% ao ano e prazo de 150 meses – os detalhes foram revelados pelo Estado em maio de 2015.

Essa e mais outras três operações não constam nas planilhas disponíveis no site do BNDES, mas os contratos dos financiamentos estão lá. A assessoria de imprensa do BNDES explicou que essas operações não estão nas planilhas disponíveis no site do banco porque foram integralmente canceladas, sem que houvesse desembolsos de recursos.

Reconstrução da Estrada Cibao Sur. Foto: Reprodução

Equador

O Equador é o quinto país que mais recebeu financiamentos do BNDES para obras de empreiteiras brasileiras no exterior, com US$ 685 milhões desembolsados de 1998 até o segundo trimestre deste ano – valor ligeiramente superior ao de Cuba. O país sul-americano ainda deve US$ 119 milhões ao BNDES. Não há registros de atrasos nos pagamentos no site do banco.

A maioria dos empréstimos foi concedida no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000. O Estado mapeou sete obras financiadas pelo BNDES. Se somados todos os empréstimos, o total contratado chega a US$ 712,7 milhões desde 1998. Nenhum projeto no Equador foi suspenso por suspeitas de corrupção.

Projeto de irrigação no Rio Daule. Foto: Reprodução

Peru

Embora apenas duas obras no Peru tenham sido financiadas pelo BNDES, os valores desembolsados somam US$ 348 milhões desde 1998. Isso porque um dos projetos é a construção da Central Hidrelétrica de Chaglla e de sua linha de transmissão, que recebeu empréstimo de US$ 340,4 milhões. As obras foram feitas pela Odebrecht.

O Peru já pagou US$ 445 milhões de volta ao BNDES, mas o site do banco não informa o saldo devedor. A explicação é que são financiamentos a entes privados, e não a governos. No caso de empresas, o dado sobre saldo devedor está protegido por sigilo bancário. A Central Hidrelétrica de Chaglla era um projeto da própria Odebrecht.

Central Hidrelétrica de Chaglla e a linha de transmissão. Foto: Reprodução

Em meio a seu processo de reestruturação financeira, a construtora vendeu o empreendimento, em 2017, para a China Three Gorges Corporation (CTG), dona da Usina Hidrelétrica de Três Gargantas, a maior do mundo. Em entrevista ao Estado em janeiro passado, Luciano Guidolin, presidente da Odebrecht S.A., disse que a hidrelétrica, avaliada por ele em US$ 1,4 bilhão, só pôde ter a venda concluída no fim de 2018, após a empresa firmar acordo de leniência com as autoridades peruanas.

Desdobramentos das investigações iniciadas pela Lava Jato foram devastadores no Peru. Os quatro últimos presidentes do país vizinho foram investigados – em abril de 2019, um deles, Alan García, cometeu suicídio. As investigações só foram possíveis graças aos acordos de leniência firmados entre o Ministério Público peruano e a Odebrecht e à cooperação com a força-tarefa da Lava Jato no Brasil.

Obras de reabilitação e ampliação da Rodovia centro-americana, trecho Ocidental

Gana

Gana, país da costa oeste da África, teve dois empréstimos do BNDES para financiar obras, recebendo US$ 154 milhões desde 1998. O maior projeto são as obras dos trechos 5 e 6 da construção do trecho oriental da Estrada Nacional N2, tocadas pela Andrade Guiterrez. O empréstimo foi de US$ 202 milhões, firmado em julho de 2013, mas o valor não foi totalmente desembolsado – o financiamento foi um dos 25 suspensos em maio de 2016 por suspeitas de corrupção.

Construção de um hangar, um edifício de apoio e um alojamento para pilotos na Base Aérea de Acra. Foto: Reprodução

México

O único empréstimo do BNDES para obras no México foi concedido à subsidiária da petroquímica Braskem, para a construção de um complexo petroquímico por lá. A obra foi tocada pela Odebrecht, que é dona da Braskem, ao lado da Petrobrás. O empréstimo, firmado em 2012, foi de US$ 90 milhões, totalmente liberados. Por questão de sigilo bancário e comercial, o BNDES não informa em seu site quanto a Braskem deve por esse financiamento.

Complexo petroquímico da Braskem Idesa para produção de polietileno. Foto: Reprodução

Paraguai

O único empréstimo do BNDES para o Paraguai, de US$ 77 milhões, já integralmente pago, foi concedido no início dos anos 2000. Os recursos financiaram obras de reabilitação da rodovia Ruta 10, a cargo da construtora ARG.

Reabilitação da rodovia Ruta 10. Foto: Reprodução

Honduras

Honduras foi o destino de apenas um empréstimo do BNDES para uma obra, tocada pela Queiroz Galvão. O financiamento, de US$ 145 milhões, foi concedido em junho de 2013, mas apenas US$ 59 milhões foram liberados – a operação está entre as 25 suspensas pelo BNDES em maio de 2016, sob suspeitas de corrupção.

Obras dos lotes 2 e 3 da construção do Corredor Logístico de Honduras

Costa Rica

O único empréstimo do BNDES para obras na Costa Rica financiou a construção da Usina Hidrelétrica de Balsa Inferior, a cargo da empreiteira OAS. O empréstimo, de US$ 44,2 milhões, foi firmado em março de 2013. Todo o valor já foi desembolsado. A Costa Rica ainda deve US$ 26 milhões e não tem nenhuma parcela em atraso com o BNDES, conforme os dados disponíveis no site do banco de fomento.

Construção da Usina Hidrelétrica de Balsa Inferior. Foto: Reprodução

Uruguai

São três empréstimos do BNDES para obras de construtoras brasileiras no Uruguai. O país vizinho recebeu US$ 31 milhões em financiamentos desde 1998. O maior projeto é do fim dos anos 1990, e teve três operações de crédito, firmadas entre 1999 e 2001, no valor total de US$ 21,3 milhões – o projeto Águas de Maldonado, cujas obras foram tocadas pela Odebrecht.

Os outros dois empréstimos, em valores menores, foram concedidos a empresas privadas uruguaias. Um financiou obras de renovação na rede de gás da capital Montevidéu. O outro, a construção de uma linha de transmissão.

Os dados sobre as operações com o Uruguai têm uma particularidade: diferentemente dos demais países, os contratos dos financiamentos não estão disponíveis no site do banco. Segundo a assessoria de imprensa do BNDES, isso ocorreu porque a modalidade dos empréstimos feitos para serviços prestados no Uruguai “seguem o padrão usual de mercado no qual há apenas o desconto de títulos de crédito”.

Projeto Águas de Maldonado
SEM CONTRATO DISPONÍVEL
Texto: Vinicius Neder e Mariana Durão