O Google pode ter atingido um momento histórico na computação, capaz de revolucionar a forma como computadores operam. A empresa teria atingido supremacia quântica. Ou seja, um de seus computadores quânticos foi capaz de realizar uma operação matemática impossível de ser feita com uma máquina tradicional, o que poderia revolucionar áreas como inteligência artificial e o desenvolvimento de medicamentos.
Na computação clássica, usadas por PCs e smartphones atuais, toda e qualquer informação é armazenada ou processada na forma de bits – que podem ser representados por 0 ou 1. Mas, na quântica, os chamados qubits, ou bits quânticos, podem assumir inúmeros estados entre 0 e 1, num fenômeno chamado superposição. Isso aumenta exponencialmente a quantidade de informação que pode ser processada. Enquanto um par de de bits tradicionais expressa um tipo de informação de cada vez, os dois bits quânticos expressam quatro estados ao mesmo tempo – 300 qubits expressam um número de estados maior do que o número de átomos do universo.
A história foi reportada primeiro pelo jornal Financial Times na sexta, 20, que percebeu que a pesquisa do Google apareceu no site da Nasa, mas foi removido na sequência. O Estadão apurou que o documento foi colocado no site por engano, pois o Google planeja que o anúncio oficial aconteça em outubro, na capa de uma conhecida publicação de ciência. A reportagem do Times teria conseguido manter uma cópia do documento, a mesma que o Estadão também teve acesso.
O estudo do Google aconteceu num teste específico e bem técnico. O chip quântico, batizado de Sycamore, teria sido capaz de entender em três minutos e vinte segundos o funcionamento de um gerador de números aleatórios, o que demoraria 10 mil anos para ser feito pelo mais potente computador tradicional do mundo, o Summit, da IBM.
Uma nova luz
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Apesar das promessas, o computador sempre apresentou desafios notáveis aos pesquisadores. Os qubits mantém estados quânticos por apenas uma fração de segundos, e a correção desses erros impediram até aqui a implementação ampla dessas máquinas. Além disso, para manter os qubits estáveis e o sistema funcionar, a temperatura tem de ser mantida muito baixa: -272,99ºC (ou 0,01 miliKelvin), temperatura mais baixa que no espaço. Tudo isso faz com que essas máquinas fiquem confinadas a apenas laboratórios especializados.
Em março de 2018, o Google anunciou a criação de um processador de 72 qubits, mas sua instabilidade fez a empresa recuar para um de 53 qubits, processador que teria resolvido o problema dos números aleatórios.
A IBM, um dos principais rivais do Google na área, questionou os resultados. Dario Gil, chefe de pesquisa da IBM, disse ao Times que a afirmação do Google sobre supremacia quântica está errada, pois um computador criado para resolver um problema específico está longe de ser uma máquina destinada a diferentes propósitos. A IBM espera trazer a computação quântica ao estágio comercial na próxima década. O Google não mantém uma data, e esperava primeiro apresentar os primeiros resultados de supremacia quântica.
Ao Estado, o Google disse que não vai comentar o assunto.
Cientistas já aguardavam anúncio na área
Segundo Barbara Amaral, pesquisadora de informação quântica do Instituto de Física da USP, os cientistas da área já esperavam que esse feito fosse atingido. “Os estudos de empresas e universidades são divulgados para a comunidade científica, e alguns resultados revelados recentemente mostravam que a supremacia quântica estava perto de ser atingida. As empresas estão investindo agressivamente nessa área”, afirma Amaral.
Entretanto, na visão da pesquisadora, o teste ainda precisa ser confirmado por estudiosos da computação. Na visão de Ivan Oliveira, pesquisador do Centro Brasileiro de Pesquisa em Física, não se pode ignorar a reputação dos estudos feitos por grandes empresas como Google e IBM: “Acho que alguma coisa importante foi realizada mas alguém se precipitou em fazer a divulgação”, afirma.
Barbara Amaral explica que atingir a supremacia quântica é uma prova do conceito de computação quântica. Ou seja, de que é possível um outro tipo de máquina superar a inteligência e rapidez de um computador clássico. Ainda assim, o resultado seria apenas o primeiro passo para a computação quântica, longe ainda de aplicações práticas. “O teste do Google envolveu um problema artificial, que a princípio não tem ligação com a prática”, afirma. Segundo ela, para a computação quântica resolver problemas reais, como a leitura rápida de códigos criptografados, seria necessário um número de qubits em uma grandeza muito superior aos 53 qubits usados pelo Google.
O potencial da computação quântica, entretanto, pode ser enorme no futuro. “Essa ciência vai revolucionar a história da humanidade, e a transformação pode ser muito mais profunda do que foi a criação dos celulares”, diz Oliveira.
Por Bruno Romani e Giovanna Wolf
Fonte O Estado de S. Paulo