Durante um ano de operação (dez15/dez16), a usina de dessalinização de Carlsbad, na Califórnia (EUA), uma das maiores do mundo, que processa água do oceano Pacífico, produziu e forneceu um total de 15 bilhões de galões de água potável, ou seja, 57 milhões de m³/ano (1,8m³/s=1.800litros/segundo), para a árida região de San Diego, correspondentes a cerca de 10% do consumo local no período, contribuindo assim para diversificar suas fontes de suprimento e assegurar maior segurança de abastecimento. Diz Jay Landers, em artigo publicado na edição de Janeiro de 2017, da revista “Civil Engineering” da ASCE (American Society of Civil Engineers), entidade parceira do Instituto de Engenharia: “Em seu primeiro ano de funcionamento, a Usina de Dessalinização Claude “Bud” Lewis de Carlsbad, Califórnia, incrementou consideravelmente o volume, 54 mgd, (milhões de galões/dia) e a confiabilidade do fornecimento local de água de San Diego. Numa época em que a maior parte da Califórnia enfrenta períodos de seca e a perspectiva de racionamento de água, a região de San Diego goza do conforto de saber que uma parte de seu suprimento de água é – à prova – de secas”.
A usina, com um custo aproximado de US$ 1 bilhão, incluindo uma adutora de 16 km de extensão e diâmetro de 1,37 m, para conexão com a rede existente, foi construída através de uma PPP entre o Departamento de Águas de San Diego (SDCWA) e a empresa Poseidon Water, responsável pelo licenciamento, financiamento, projeto, construção, operação e manutenção da obra. O empreendimento foi lastreado por um contrato tipo “take or pay”, de compra e venda de até 69 milhões de m³/ano de água tratada, por um prazo de 30 anos, findo o qual, o Departamento terá a opção de assumir a propriedade da usina ao custo de US$ 1. A iniciativa de construir a usina ocorreu depois do esgotamento de outras medidas paralelas tomadas para garantir o abastecimento de água à população, entre as quais: reforma dos canais que trazem água do rio Colorado, exploração limitada de lençóis subterrâneos, reciclagem de água de reuso, promoção de medidas de conservação e uso eficiente da água cujo consumo per capita foi reduzido em 40% desde 1991, na região de San Diego.
O custo da água dessalinizada (US$ 1,72/m³=R$ 5,26/m³) é no caso, maior do que o da água adquirida de outras fontes (US$ 0,76/m³=R$ 2,33/m³), mas o impacto na conta média dos consumidores é de apenas US$ 5/mês e segundo o Departamento “é a fonte de suprimento mais confiável de seu portfolio”, e “é à prova de secas, é local e é segura em termos de fornecimento”. A título de informação a água residencial fornecida pela Sabesp no litoral de SP, para consumos acima de 50m³/mês, tem um preço atual para o usuário de R$ 5,60/m³, incluindo impostos e custos de captação, tratamento e distribuição.
A usina de Carlsbad foi construída em apenas 35 meses por uma “joint venture” de empresas de engenharia locais (KSD) contratada pela Poseidon, utilizando processo de dessalinização por Osmose Reversa (OR) da firma IDE Technologies de Israel que também opera e faz a manutenção da mesma. Uma estação de bombeamento subterrânea com capacidade de 2,5m³/s (três bombas de 1,25m³/s sendo uma de reserva) capta a água do mar, faz injeção de polímeros e hipoclorito de sódio para aglomerar as partículas sólidas e a transfere para a usina de dessalinização onde é submetida a uma série de pré-tratamentos. (Provisoriamente, a usina tem utilizado a tomada d’água e o canal de fuga da água de refrigeração de uma central térmica situada nas vizinhanças a serem substituídos, em breve, por projeto próprio que levará em conta diversas restrições ambientais em relação à fauna e flora marinhas).
Inicialmente a água salgada passa por uma das quatro bacias de floculação onde são agregados vários produtos químicos e em seguida é feita uma primeira passagem por um dos 18 filtros convencionais (carvão, areia, cascalho) para remoção do material graúdo em suspensão. Numa segunda etapa, a água passa por filtros de cartuchos removíveis capazes de reter partículas com diâmetros até 20 µm e antes de entrar na unidade de osmose reversa (OR) (2000 vasos de pressão e 16.000 membranas) deve ser pressurizada até 900 psi (pounds/square inch – libras/polegada²) = 62 kg/cm², para poder permeá-las. Isto é feito por intermédio de um “centro de pressão” formado por apenas 4 bombas (das quais uma é de reserva) em lugar de múltiplas bombas menores, o que facilita o controle de fluxo, reduz o consumo de energia e o custo da manutenção.
Uma das características inovadoras do projeto é o seu sistema de recuperação de energia, composto por 140 microturbinas que aproveitam 96% da pressão de 880 psi existente no fluxo de saída das membranas, de parte dos vasos de pressão, para transferi-la à agua de entrada de outras unidades de OR. Com isso é obtida uma economia de energia equivalente a 146 milhões de kWh por ano, pois metade da água de entrada deve ser pressurizada até 900 libras e a outra metade apenas no intervalo de 860lb até 900lb. Uma peculiaridade adicional do projeto foi a exigência do (SDCWA) de limitar o conteúdo de boro na água produzida pela usina, em níveis inferiores ao exigido para a água potável normal, tendo em vista facilitar, no futuro, a potencial reciclagem da água para irrigação agrícola à qual o boro seria prejudicial. Isto foi obtido submetendo uma parte da água permeada na membrana da unidade inicial de OR a um ulterior tratamento em “cascata” nas três unidades de OR subsequentes.
A pureza da água que sai da usina é tal que deve ser estabilizada com o uso de vários aditivos químicos para evitar que possa erodir partes de material do sistema de distribuição da (SDCWA). Para tanto, 25% do caudal de saída é submetido a um processo de “remineralização” através de reatores contendo rocha calcária que lhe conferem alcalinidade e cálcio e onde é injetado dióxido de carbono (CO²) para ajuste do PH da água. No ingresso da rede local, a água recebe a adição de outros produtos químicos como flúor, cloro, amônia, etc. para cumprir com as exigências sanitárias oficiais.
Buscando zerar a “pegada ecológica” da usina, além de consumir dióxido de carbono diretamente no processo de dessalinização e de reduzir em 42.000 t equivalentes por ano as emissões dos gases do efeito estufa, com a otimização do uso da energia, a Concessionaria tem buscado atuar em outras frentes para maximizar os resultados ecológicos, como: instalação no teto da usina de painéis solares para geração de energia com capacidade de 500 kW; contribuição de US$ 1 milhão para plantação de árvores em parques públicos; participação em um projeto de US$ 23 milhões para construção de um refúgio costeiro de 23 ha para proteção da vida selvagem nos baixios da baia de San Diego. Outra preocupação no campo da meio ambiente é com a água de retorno do processo. Cada litro de água tratada na usina gera 1 litro de um rejeito que tem o dobro da salinidade original, podendo causar danos ao ambiente circunstante, se lançado diretamente ao mar. Para evitá-los, de momento, cada unidade de água de rejeito é mesclada na proporção de 1 para 4 com a água de descarga da central térmica para em seguida serem ambas devolvidas ao oceano. Essa mesma proporção, além do uso de proteções adicionais à vida marinha, serão mantidas, segundo a Concessionária, no novo projeto da tomada d’água a ser construída brevemente pela mesma. Como vemos, trata-se de um projeto importante, técnica e economicamente exitoso que poderá servir de paradigma para o futuro de abastecimento de água das populações mundiais, em situações específicas e semelhantes.
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Miracyr Assis Marcato
É administrador e consultor, com graduação em Engenharia Eletro-Mecânica e Pós- Graduação em Administração de Empresas. Experiência em desenvolvimento de negócios, consultoria nas áreas de energia, gás natural e execução de projetos
*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo