Em 1975, três anos após o último pouso de uma missão Apollo na Lua, a série Space: 1999 foi ao ar pela primeira vez na televisão britânica. A história começa com uma explosão nuclear que tira o satélite de sua órbita e leva uma colônia lunar de mais de 300 pessoas em uma viagem pelo espaço.
O programa obviamente deixou um jovem Elon Musk impressionado, porque, quando o fundador da empresa SpaceX revelou em agosto de 2017 seus planos de criar uma colônia na Lua, ele a batizou de Moonbase Alpha, o nome da base de Space: 1999. “Era um programa ruim”, Musk tuitou. “Mas eu adorava.”
A SpaceX não está sozinha em sua intenção de levar humanos de volta à Lua. A Administração Espacial Nacional da China, a agência estatal do país, anunciou os próximos estágios de suas bem-sucedidas missões de exploração lunar Chang’e – pouco depois de a Chang’e 4 se tornar a primeira espaçonave a fazer um pouso suave no lado oculto da Lua.
As Chang’e 5 e 6 serão missões de teste de viagens de retorno enquanto a Chang’e 7 fará um levantamento do polo sul da Lua, uma região de especial interesse para a colonização humana, porque ali existe água congelada.
“Esperamos que a Chang’e 8 ajude a testar algumas tecnologias e faça algumas explorações para a construção de uma base lunar a ser compartilhada por vários países”, disse em janeiro o vice-diretor da agência chinesa, Wu Yanhua.
A China não está sozinha nessa ambição. Em todo o mundo, 50 anos após os primeiros desembarques da Lua, os aspectos práticos da construção de uma base lunar estão ganhando corpo. A ironia é que, enquanto apenas os Estados Unidos deixaram pegadas na Lua, os americanos agora estão atrasados.
O país não revelou planos para uma base lunar até agosto de 2018. O foco principal da Nasa até então era Marte. Enquanto isso, a Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) estava um passo à frente.
Os planos da ESA para uma ‘vila na Lua’
A ESA anunciou em 2016 seus planos para uma base lunar. Os planos capitaneados por seu novo diretor-geral, Jan Woerner, preveem criar uma “vila lunar” a ser habitada por uma população diversificada – de cientistas a artistas – e usada por diferentes organizações públicas e privadas, seja para pesquisa, turismo ou prospecção geológica de minerais escassos na Terra.
O assessor científico da ESA, Aidan Cowley, conta ter embarcado na ideia de Woerner porque havia sido um dos primeiros a trabalhar com tecnologias lunares no Centro Europeu de Astronautas da agência, em Colônia, na Alemanha.
Ele diz que, no começo, quando falava de uma base na Lua, “todos me olhavam como se tivesse uma segunda cabeça”. “Então, para mim, foi muito gratificante ver o aumento de interesse e esse foco na Lua. Jan Woerner vislumbrou o futuro.”
Ao contrário da Nasa, que tem uma política de não trabalhar com a China em missões espaciais, a ESA colabora com a agência espacial chinesa. “No ano passado, os astronautas da ESA Matthais Maurer e Samantha Cristoforretti participaram com colegas chineses de treinos de resgate e sobrevivência no mar”, diz Cowley.
A Nasa pretende levar astronautas à superfície lunar até 2030 e planeja uma plataforma orbital lunar chamada Gateway. Empresas privadas também estão indo para lá. A Blue Origin desenvolve em parceria com as companhias OHB e MT Aerospace, por exemplo, uma espaçonave de carga tendo em vista um pouso na Lua.
Mas, qualquer que seja a organização que chegue primeiro, a principal prioridade será a sobrevivência. O maior tempo que os humanos passaram na Lua até agora foi de apenas três dias. Para estadias mais longas, não é o mais acolhedor dos destinos.
Os desafios para a sobrevivência humana na Lua
A Lua tem temperaturas que variam entre 127ºC e -173ºC. Há ainda a radiação cósmica e a baixa gravidade, que é de um sexto da existente da Terra.
Um dia lunar equivale a cerca de 29 dias terrestres, o que significa duas semanas de luz do dia seguidas por duas semanas de escuridão – um problema para equipamentos movidos à energia solar. Qualquer nova tecnologia para um posto avançado lunar deve, portanto, funcionar sob essas condições.
Com esse objetivo em mente, várias organizações – incluindo Blue Origin, Airbus Defence, SpaceX e ESA – ajudaram recentemente a criar uma organização sem fins lucrativos chamada Corrida à Lua.
Trata-se de uma competição global para incentivar empresas a desenvolver tecnologias em áreas como manufatura, produção de energia, recursos (como encher uma garrafa com água lunar) e biologia (para uma estufa na Lua). Será lançada oficialmente em outubro de 2019 no Congresso Internacional de Astronáutica.
“Vamos divulgar as diretrizes e regras no próximo mês”, diz Pierre-Alexis Joumel, engenheiro espacial da Airbus e o cofundador da iniciativa. “A competição durará cinco anos. Queremos levar as melhores ideias para a superfície da Lua.”
Os protótipos selecionados para testes viajarão a bordo de uma missão lunar realizada por alguma agência espacial ainda a ser definida.
Como construir uma base no espaço
Apesar de as imagens conceituais das primeiras bases lunares serem bastante chamativas, a realidade será mais básica – e cinza.
Viajar para a Lua é caro. Quanto mais pesada for a carga útil, mais combustível será necessário e maior será o custo. Por isso, faz sentido usar os recursos da própria Lua para construir um local habitável.
É possível, por exemplo, usar canais e túneis de lava, formados no passado vulcânico da Lua, como abrigos com acesso ao gelo sob a superfície. Um plano mais imediato é construir usando o regolito lunar, uma areia basáltica escura semelhante à areia vulcânica da Terra.
Matthias Sperl, professor da Universidade de Colônia, trabalha com a Agência Espacial Alemã (DLR, na sigla em alemão), usando pó vulcânico para fazer tijolos.
O material é solidificado pela exposição à luz solar concentrada ou por meio de lasers. Ele usou impressoras 3D para construir tijolos de formas diferentes para ver qual funciona melhor. “O que podemos criar com as técnicas e métodos atuais são elementos de construção interligados”, disse Sperl.
Esses tijolos permitem “fazer algo como um iglu, então, é algo que resiste à pressão adicional que vem de cima”. Esta pressão seria de uma camada de mais ou menos um metro de regolito solto, para oferecer uma proteção natural contra a radiação.
“Seria necessário levar uma lente de um metro quadrado ou mais para captar a luz solar e fazer os tijolos”, diz Sperl. “Depois, um astronauta ou um robô juntariam as peças para construir um assentamento.”
Mas fazer essa estrutura seria um processo lento. “Criar um tijolo leva cerca de cinco horas, e você precisa de 10 mil tijolos para fazer um iglu. Vai demorar meses”, afirma Sperl.
Esse tempo pode ser reduzido se mais lentes estiverem em operação e a construção for feita por robôs, tornando o plano viável. “O regolito lunar pode ser usado para fazer algo tão forte quanto concreto”, diz Sperl. “As tecnologias atuais conferem apenas um quinto desta força, por isso é necessário mais investimento.”
O próximo estágio já está em desenvolvimento. Começará no final deste ano a construção de uma grande instalação da ESA para ajudar a desenvolver tecnologias e no preparo para habitar a Lua.
A Lua tem mais recursos que podem ser aproveitados
Como evidências da existência de gelo foram detectadas nos polos lunares e finalmente confirmadas pela Nasa em agosto do ano passado, é provável que qualquer base lunar seja construída nestes locais.
Não é coincidência que a missão Chang’e 4 esteja coletando informações na bacia Aitken, no polo sul. O gelo pode ser encontrado na sua superfície, em áreas que ficam permanentemente sob a sombra em crateras, e abaixo da terra.
O oxigênio existente no próprio regolito lunar também poderia ser extraído e usado para se respirar. A fonte mais provável é a ilmenita (FeTiO3) que, quando combinada com o hidrogênio a temperaturas de cerca de 1.000 ºC, produz vapor de água, que pode então ser separado em hidrogênio e oxigênio.
Os astronautas também precisarão levar suprimentos de comida e bebida. A Chang’e 4 causou empolgação ao germinar uma semente na Lua, mas produzir alimentos de forma sustentável no espaço não é uma ideia nova.
Tudo começou em 1982, quando astronautas soviéticos cultivaram Arabidopsis thaliana, um membro da família das mostardas, na estação espacial Salyut 7.
Em 2010, a Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, desenvolveu um protótipo de estufa lunar – um sistema hidropônico que usa um tubo coberto por uma membrana, lâmpadas de vapor de sódio e o dióxido de carbono da respiração e a urina dos astronautas. Cabos de fibra ótica fornecem luz solar.
Novas tecnologias energéticas serão fundamentais para se viver na Lua. As células de combustível na Terra exigem uma reação química entre hidrogênio e oxigênio (geralmente do ar) para produzir eletricidade, com a água como subproduto. Ainda que não haja atmosfera na Lua, estes ingredientes estão lá.
“Você poderia separar os elementos da água que há na Lua e, durante a noite, recombiná-los para produzir eletricidade”, diz Cowley, que está desenvolvendo estas novas tecnologias. “Durante o dia, temos muita energia solar, provavelmente mais do que o necessário para dividir a água em hidrogênio e oxigênio. É uma ferramenta única que podemos usar na Lua para sustentar uma missão de longa duração.”
Há também o potencial de armazenamento de energia térmica usando um processo semelhante ao de bombas de calor. “Na Lua, como não há vento, o calor do Sol permanece no regolito”, diz Cowley. “Poderíamos usar uma lente ou espelho para focar a luz solar no solo e usar este recurso para manter uma base aquecida ou gerar eletricidade.”
Uma vez que estas tecnologias estejam aperfeiçoadas e testadas para garantir que funcionam sob condições lunares, os astronautas poderão construir uma base. E isso acontecerá mais cedo do que você pensa.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Fonte BBC News Brasil