No último dia 5 de fevereiro, a Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes – SMT e a São Paulo Transporte S/A – SPTrans, depois de um esforço enorme para superar todos os entraves, conseguiram realizar a sessão pública destinada a receber as propostas das empresas interessadas na “delegação, por concessão, da prestação e exploração do serviço de transporte coletivo público de passageiros, na cidade de São Paulo”.
Passadas as fases de preparação do processo licitatório e suplantadas as questões e exigências levantadas pelo Tribunal de Contas do Município, o edital de licitação foi, no final de novembro do ano passado, finalmente publicado e colocado à disposição das empresas interessadas em participar do certame.
Ao mesmo tempo em que os técnicos finalizavam os estudos e preparavam os documentos do edital, autoridades municipais, responsáveis pela área dos transportes, à época, visitavam várias capitais e cidades de grande porte, realizando palestras e oferecendo, a quem pudesse interessar, a oportunidade de participação no processo licitatório. Como essa licitação vem sendo exaustivamente discutida, ao longo dos últimos cinco anos, é muito difícil imaginar que ela não tivesse se tornado de amplo conhecimento de quase todas as empresas operadoras de transporte por ônibus, no Brasil e no exterior.
O processo para a contratação das empresas que deverão explorar os serviços de transportes por ônibus foi dividido em três grandes licitações, separadas e concomitantes, sendo uma para o Grupo Estrutural, com nove lotes, outra para o Grupo Local de Articulação Regional, com dez lotes, e, mais uma, para o Grupo Local de Distribuição, com treze lotes de serviços. Após a fase de transição, que deverá durar 48 meses, a cidade deverá contar com uma frota operacional de 13 mil ônibus, operando em cerca de 1.200 linhas.
Na data de entrega da documentação, 33 empresas operadoras ofereceram propostas para os 32 lotes que compõem os três Grupos, ou seja, em apenas um lote houve a apresentação de duas propostas.
Para quem não conhece o sistema de transporte por ônibus de São Paulo, a primeira impressão que ficou foi que, de fato, não houve renovação das empresas operadoras e tampouco concorrência, fazendo com que a Municipalidade não pudesse contar com uma verdadeira competição entre as empresas interessadas. Ledo engano!
Os nove lotes do Grupo Estrutural e os dez lotes do Grupo de Articulação Regional, com uma frota patrimonial de 4.171 e de 3.727 ônibus, respectivamente, deverão ser disputados por empresas que operam veículos de grande capacidade. Por sua vez, empresas que foram constituídas nos últimos cinco anos, todas provenientes das antigas cooperativas de transportes que operavam sob o regime de permissão, concorrem pela operação dos treze lotes do Grupo de Distribuição, com uma frota de 6.134 ônibus de menor porte. Cabe destacar que o número de veículos do Grupo de Distribuição representa 44% da frota total a ser alocada na prestação dos serviços e a Transwolff Transporte e Turismo Ltda. e o Consórcio Transnoroeste, com frotas de 1.349 e 1.309 ônibus, respectivamente, serão a segunda e terceira maiores empresas do sistema.
Ao se analisar as condições específicas e as exigências constantes do edital de licitação é possível verificar, de imediato, que operar serviços de transporte por ônibus em São Paulo não é tarefa para iniciantes e nem, muito menos, para amadores. Se, de um lado, a valor presente, o montante total dos contratos, de cerca de R$ 71 bilhões, parece interessante e tentador, é preciso considerar os investimentos previstos, da ordem de R$ 11 bilhões, bem como despesas gerais e custos operacionais, estimados em R$ 56,5 bilhões, a serem dispendidos ao longo do período da concessão.
Pode-se afirmar, sem medo de errar, que existem bem poucas empresas, nacionais ou internacionais, que aceitariam o desafio de transportar, diariamente, quase seis milhões de pessoas, que realizam cerca de nove milhões de viagens, em condições totalmente adversas. Infelizmente, em São Paulo, os ônibus ainda têm pouquíssima prioridade de circulação e disputam o espaço viário com automóveis, motocicletas, bicicletas e caminhões de entrega. Além disso, as empresas são sistematicamente multadas, quando não conseguem cumprir as partidas e realizar as viagens programadas, conforme especificado pelo Poder Concedente, mesmo se os ônibus ficarem retidos nos congestionamentos. É preciso registrar que as empresas operam linhas e frotas em estrito cumprimento às Ordens de Serviço de Operação – OSO’s, estabelecidas pela SPTrans, com um nível muito baixo de flexibilidade ou possibilidade de ajustes operacionais.
No que se refere ao custo de operação do sistema, calculado com base numa planilha técnica, que leva em conta critérios e conceitos de economia e de engenharia, vale lembrar que ele também é absolutamente parametrizado, ou seja, a SPTrans especifica o tipo de veículo e a quantidade de ônibus que deve operar em cada linha. A partir daí, os custos de pessoal, depreciação, combustíveis, lubrificantes, pneus e peças de reposição se tornam simples função da frota utilizada. Em resumo, praticamente, não há margem para racionalizações, reduções de custos e de despesas e grandes economias.
Antes de questionar os resultados do processo licitatório e de adjetivar as atuais empresas operadoras que, às duras penas, tentam realizar o transporte por ônibus com um mínimo de qualidade, há que se discutir as condições da infraestrutura disponível para a execução dos serviços. É preciso investir, urgentemente, na construção de novos corredores e faixas exclusivas, na ampliação e reforma dos terminais de transferência, na melhoria das condições de embarque e desembarque, na preferência para os ônibus nos cruzamentos, entre outros.
Sem investimento pesado na infraestrutura, no sistema de controle e monitoramento da frota e no sistema de comunicação com os passageiros, não há como produzir transporte em quantidade e qualidade suficientes e adequadas às necessidades da população, seja com novas ou com velhas empresas.
Diante de tanta complexidade, fica claro que comentários desabonadores, conceitos ultrapassados, frases feitas, números equivocados e opiniões absolutamente fora do contexto, só mostram falta de conhecimento da realidade ou tentativa gratuita de macular a imagem das empresas e do próprio serviço de transporte por ônibus da 5ª maior cidade do mundo.
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Francisco Christovam* é presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de Passageiros de São Paulo – SPUrbanuss. É, também, membro do Conselho Diretor de várias Entidades de Classe e membro do Conselho Deliberativo do Instituto de Engenharia.
*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo