“A inteligência artificial revolucionou não só a minha vida como as dos meus alunos.” É essa frase que Luciane Molina, professora universitária e de tecnologia assistiva na Universidade de Taubaté, em São Paulo, usa para definir a relação que tem com as iniciativas que surgiram para melhorar a autonomia das pessoas com deficiência por meio de algoritmos.
No Brasil, de acordo com o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 45,6 milhões de pessoas com deficiência no país (23,9% da população à época).
Luciane é cega e faz uso de diversos aplicativos no smartphone para reconhecer imagens, rótulos de produtos, cédulas de dinheiro e acessar materiais impressos.
Com essas soluções de acessibilidade, ela já pôde descobrir a senha do Wi-Fi sozinha em casa e também quando, por exemplo, seu computador estava passando por uma atualização. Isso porque os atuais softwares de leitura de tela para cegos não têm acesso a telas como a de atualização do Windows.
A professora também apresenta os recursos tecnológicos a seus alunos. “A cada novidade que eu apresento, a vida deles se torna mais fácil”, diz.
Recentemente, uma aluna de Luciane ganhou mais autonomia com um aplicativo leitor de cédulas de real. “Ela tinha muita vontade de ficar sozinha em casa e conseguir pagar a marmita sem a ajuda de outras pessoas”, conta.
Grande parte dessas soluções foi desenvolvida por meio de sistemas que “aprendem” com um alto volume de dados. A partir dessas informações, eles são capazes de identificar padrões e tomar decisões com o mínimo de intervenção humana. É o chamado “aprendizado de máquina”.
Mas a transcrição de fala para texto em tempo real e os recursos de visão computacional são só alguns exemplos de aplicações de inteligência artificial.
“Quanto mais usamos [os recursos de inteligência artificial para pessoas com deficiência], melhores eles ficam”, diz a professora. Entre os aplicativos que ela usa estão o TapTapSee, para ler rótulos de produtos, e o Seeing AI, para organizar documentos e diplomas em pastas e reconhecer os textos das fotos que recebe por email ou redes sociais como o Facebook.
A professora até desenvolveu um suporte de madeira para apoiar os livros e materiais impressos para conseguir fotografar com o ângulo ideal e com uma boa iluminação.
O Seeing AI é uma iniciativa de inteligência artificial da Microsoft para pessoas cegas e com baixa visão. O app usa visão computacional e redes neurais para identificar objetos, cores, textos, cenas e até mesmo características físicas e expressões faciais de uma pessoa. Por enquanto, só está disponível para iOS, o sistema operacional utilizado pelos dispositivos da Apple.
Aporte milionário
O aplicativo é só uma das ações de acessibilidade desenvolvidas pela Microsoft. Em maio de 2018, o CEO da empresa, Satya Nadella, anunciou um investimento de US$ 25 milhões (cerca de R$ 93 milhões), ao longo de cinco anos, em projetos de inteligência artificial para pessoas com deficiência.
Desenvolvedores, ONGs, acadêmicos, pesquisadores e inventores podem submeter projetos de acessibilidade baseados em inteligência artificial para o programa AI For Accessibility até o dia 1º de fevereiro de 2019. Os aprovados receberão um aporte da companhia para levar os projetos e ideias a outro patamar. As solicitações são aceitas de modo contínuo e para se inscrever é necessário preencher um formulário.
O Facebook é outra gigante da tecnologia que investe em projetos de inteligência artificial para pessoas com deficiência. A rede social usa algoritmos para gerar uma descrição de imagem automática para cegos. O recurso não é perfeito e tampouco substitui uma descrição humana, mas colabora para um ambiente mais acessível.
Existem vários métodos de aprendizagem de máquina. O que eles possuem em comum é que todos precisam de pessoas para ensiná-los a aprender uma determinada tarefa, e, assim, fazer o que se deseja. No Facebook, os sistemas de reconhecimento de imagem são supervisionados por pessoas que olham as fotos e informam ao sistema o que há nela.