LOS ANGELES – Os dados não correspondiam a nada do que Margaret Kivelson e sua equipe de físicos poderiam imaginar. Era dezembro de 1996, e a espaçonave Galileo acabara de sobrevoar Europa, uma lua gelada de Júpiter. As leituras que haviam voltado para a Terra sugeriam que um campo magnético emanava da lua. Europa não deveria ter um campo magnético, e no entanto, lá estava ele – e nem sequer apontava para a direção certa.
“É algo inesperado e maravilhoso!”, disse Margaret.
Seria a mais significativa de uma série de surpreendentes descobertas nas luas do planeta. Para a equipe de Margaret Kievelson, a missão não poderia ser mais entusiasmante. Jamais se podia supor que o magnetômetro da especialista mudasse o curso da exploração espacial.
E no entanto foi o que aconteceu. Margaret Kievelson logo provaria que sua equipe havia descoberto o primeiro oceano de água salgada embaixo da superfície de um mundo distante.
Há 40 anos, a professora emérita de física espacial da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, participa ativamente de quase todas as principais viagens da Nasa além do cinturão de asteroides.
Sua equipe transformou a utilização dos magnetômetros nas missões espaciais, tornando-os uma ferramenta essencial para novas descobertas.
Nos últimos tempos, a Margaret vem trabalhando como coinvestigadora no instrumento de ondas plasma da missão Europa Clipper, na próxima grande viagem da Nasa ao sistema solar exterior. Com lançamento previsto para 2022, a espaçonave estudará a habitabilidade da lua oceânica de Júpiter.
Mas a história começou com os encontros inusitados da Galileo com as luas de Júpiter. Foi possível constatar que a imperscrutável Europa tinha uma maneira própria de se comportar.
“Nós tínhamos uma porção de ideias erradas”, afirmou Margaret. Anos depois do primeiro sobrevoo, eles encontraram sua resposta.
Margaret Kivelson nasceu em Nova York em 1928. Seu pai era médico, a mãe, professora. Ela estudou em Harvard “em uma época em que a física era considerada um dos campos mais interessantes. Foi pouco depois da Segunda Guerra Mundial”, disse. “Os físicos salvaram o mundo com a bomba atômica e o radar. E de repente, as pessoas se davam conta de que a física não era apenas uma disciplina maravilhosamente fundamental, mas era também útil”.
Em 1967, ela ingressou na U.C.L.A. e logo se tornou muito conhecida na física espacial por seu trabalho teórico sobre algumas das ideias mais fundamentais desse campo.
A sonda Gaileo entrou em órbita ao redor de Júpiter em 1995 transportando um magnetômetro proposto por Margaret Kivelson. A primeira descoberta importante da equipe foi um campo magnético interno em Ganimedes, a maior lua de Júpiter. Então vieram os encontros entre Europa e Galileo.
Os geólogos suspeitavam que a lua gelada tivera antigamente um oceano embaixo da superfície, mas não sabiam se ele ainda existia ou congelara, solidificando-se. E o mistério continuaria, não fosse pelos dados recebidos pelo magnetômetro da sonda Galileo.
Margaret e a equipe postulavam que, como Europa se movimenta no campo magnético de Júpiter, uma corrente percorre um condutor em baixo da superfície da lua, criando um campo magnético invertido em miniatura, opondo-se ao campo de Júpiter. Entretanto, a hipótese não era conclusiva. Era possível que Europa tivesse seu próprio campo magnético.
Como o equador magnético de Júpiter tem uma inclinação de 10 graus, às vezes Europa está acima dele, outras vezes abaixo. A equipe precisava, então, de medições quando Europa se encontrava do outro lado da inclinação.
Se o campo magnético da lua mudasse de direção, isso significaria que o campo havia sido induzido por Júpiter – e, portanto, possuía um condutor interno. A única coisa que poderia fazer isso seria um oceano de água salgada em baixo da superfície.
Margaret Kivelson defendeu no projeto Galileo que seria preciso que a sonda realizasse um sobrevoo com uma orientação específica – um pedido considerável por se tratar de uma espaçonave com recursos limitados que voava com o tempo praticamente esgotado. Ela foi atendida, e o sobrevoo de janeiro de 2000 descobriu precisamente o que os modelos feitos por sua equipe haviam previsto: uma evidência definitiva de um oceano global.
“Esta é uma das descobertas mais fundamentas da ciência planetária”, afirmou Louise Prockter, diretora do Instituto Lunar e Planetário de Houston, Texas. “Isso gerou uma verdadeira revolução”.
Segundo Robert Pappalardo, cientista de projetos da missão Europa Clipper da Nasa, a descoberta teve ramificações para todo o sistema solar.
“Realmente fez com que se cogitasse na plausibilidade da existência de oceanos em mundos gelados”, disse. “Então da incerteza passamos rapidamente para a quase certeza e depois indagamos, ‘o que mais agora?’. Foi uma transição muito rápida, considerando que o termo ‘mundo oceânico’ não existia na época. Agora, ele constitui uma classe de objetos, graças ao trabalho fundamental de Margy”.
Por The New York Times
Fonte O Estado de S. Paulo