Em 20 de julho de 1969, em frente a uma pequena TV em preto e branco de um resort das montanhas de Pocono (Pensilvânia, Estados Unidos), um grupo de mulheres afro-americanas, colegas da fraternidade Alpha Kappa Alpha, contemplava Neil Armstrong, seguido por Edwin Aldrin, pisar na Lua pela primeira vez. Depois de quatro dias a bordo da nave da missão Apolo 11, os astronautas haviam se separado do módulo de comando Columbia, onde o colega Michael Collins permaneceu em órbita ao redor do satélite, e chegado à superfície.
Uma dessas mulheres era a matemática e cientista espacial Katherine Johnson, que faz 100 anos neste domingo, 26 de agosto. Seu trabalho foi essencial para aquele feito, que levaria os Estados Unidos à vitória na corrida espacial contra a então União Soviética (URSS). Como integrante do Centro de Pesquisas Langley (Hampton, Virgínia, EUA) da NASA, nos anos anteriores trabalhou mais de 14 horas diárias no programa de retorno da missão, conhecida como Lunar Orbit Rendezvous. Johnson foi responsável por calcular o momento em que o módulo lunar Eagle, do qual desceriam os astronautas, deveria abandonar o satélite para que sua trajetória coincidisse com a órbita descrita pelo Columbia e pudesse, assim, acoplar-se a ele para retornar à Terra. “Havia feito os cálculos e sabia que estavam corretos, mas era como dirigir esta manhã, poderia acontecer qualquer coisa”, comentou anos depois em uma entrevista.
Johnson havia sido, desde 1953, uma das matemáticas “da Área Oeste”, mulheres afro-americanas que a NASA começou a contratar na década de 1940 – sendo ainda o NACA (Comitê de Assessoria Nacional para a Aeronáutica dos EUA) – para executar as tarefas de cálculo exigidas pelos engenheiros do Departamento de Navegação e Orientação de Langley. Seu trabalho, repetitivo e sem criatividade, que anos mais tarde seria realizado por computadores, ficou conhecido graças ao livro Estrelas Além do Tempo, de Margot Lee Shetterly (levado ao cinema em 2016 por Theodore Melfi como Elementos Secretos).
A capacidade de Johnson para a matemática, especialmente para a geometria, assim como seu acerto na hora de fazer as perguntas adequadas e sua liderança, logo a levaram a se tornar uma peça importante dentro da NASA. Sua carreira profissional decolou junto com Alan Shepard, o primeiro norte-americano a viajar ao espaço, na missão Redstone 3, e o segundo homem a empreender esse feito, depois do soviético Yuri Gagarin, ambos em 1961. Johnson se ofereceu para calcular o ângulo de decolagem do voo suborbital (que não alcança a velocidade necessária para completar a órbita da Terra) de Shepard, que deveria amerissar numa área pré-definida, perto dos navios da Marinha dos EUA. O cálculo se assemelhava ao do movimento parabólico de um projétil, mas as equações eram mais complexas devido a outras variáveis como a rotação terrestre, as mudanças de massa e a gravidade, que varia segundo a altura.
Depois desta, em 1962 preparava a missão Atlas 6 para colocar um humano em órbita ao redor da Terra. O astronauta John Glenn, único tripulante, desconfiando dos novos computadores, exigiu que Johnson refizesse os cálculos da trajetória partindo das mesmas equações. Seus resultados foram idênticos. A matemática já tinha feito cálculos similares, confirmados mais tarde por computador, para um artigo publicado em 1960. Naquele texto, o primeiro assinado por uma mulher na NASA, estudava, junto com o engenheiro Ted Skopinski, o ângulo de decolagem de um satélite orbital que precise passar por uma posição dada. Do mesmo modo, entre 1963 e 1969, redigiu um relatório com seu colega Al Hamer em que detalhavam órbitas lunares, consequências de uma possível falha elétrica a bordo da nave e alternativas de ação que garantissem uma correta aterrissagem baseadas na navegação astronômica. Esses manuais estiveram presentes quando a missão Apolo 13 sofreu uma explosão em seu interior e os sistemas travaram, mas não puderam ser utilizados porque não era possível distinguir a partir da nave o rastro de escombros resplandecentes da cápsula.
Johnson participou de numerosos projetos durante os 33 anos em que esteve na NASA. Essa dedicação e suas contribuições em momentos decisivos a fizeram merecedora, em 2015, da Medalha Presidencial da Liberdade dos EUA, concedida pelo então presidente Barack Obama. Até hoje, é a única mulher da NASA a ter recebido a honraria. Além disso, em 2016 as novas instalações informáticas do Centro de Pesquisas Langley foram batizadas com seu nome. Neste domingo, Johnson celebrará seu centenário, por acaso no Dia da Igualdade da Mulher nos EUA.
Fonte El País