Assisti Donald Trump na apresentação “Discurso do Estado da União”. Deve ter falado para mais de 100 milhões de americanos.
Eu como a maioria do mundo não tem em Donald Trump seu modelo de estadista ideal, mas confesso que fiquei impressionado com a mise en scene e comecei a entender a escolha do povo americano.
O cenário do evento era impressionante: umas duas mil pessoas.
A entrada em campo já foi um espetáculo a parte: aquele burburinho de milhares de pessoas à espera dá impressão que uma campainha toca, silêncio, e entra em campo um time enorme de cidadãos (maioria) e cidadãs bem nutridos, cara de bem sucedidos, sorridentes, bem vestidos, que tomam seus assentos. Destaque para dois, um de cabelo branco, outro de preto, que se sentam imediatamente atrás do palanque de Trump.
Estes últimos serão os futuros regentes de uma orquestra na qual o solista será Donald Trump.
Após este time se assentar, um pouco de suspense e eis que ”adentra ao ginásio” um “armário” de dois metros de altura por um de largura, seguido por um séquito de seguranças, sorridente, gesticulando para alguns escolhidos e caminhando para o tablado, desculpem, para o centro do palco, me confundi porque lembrou Cassius Clay (Muhammad Ali, hoje, após o 11 de setembro, enfrentaria dificuldades) com aquele exuberante complexo de superioridade em relação aos simples mortais.
Não consigo comparar Trump exatamente com ninguém, mas ele tem um pouco de John Wayne, de Patton, de Mussolini e do próprio Cassius Clay.
Outra característica de Trump: ele indubitavelmente é do tipo “sou, mas quem não é”. Também do tipo “minha opinião é essa, gostem ou não, mas não se esqueçam de que quem tem o poder sou eu”.
Durante a campanha eleitoral foi acusado de assédio sexual. Quando a Clinton o acuou, não a desmentiu, desviou o olhar com uma careta tipo “deu moleza, eu avanço, prefiro um tapa na cara que perder uma oportunidade”. E o povão achou normal. Americano não é puritano como se pensa, apenas não perdoa mentira. Nixon que o diga: pela simples alegação que não sabia o que todos achavam que sabia, teve que renunciar.
Foi acusado de quebrar duas vezes. Respondeu que a lei permitia isso.
No momento é acusado de ser inimigo de imigrante: foi claro no encontro ora narrado: se o imigrante for trabalhador e competente, entra, inclusive mulher e filhos. Mas sogra, cunhado, sobrinho e amigo não.
Quando começa a falar, e o faz com maestria, Reinaldo Polito deve tê-lo visitado, dá a impressão de ter uma memória de nomes insuperável (superior à de Maluf), nas menções “socialmente simpáticas” sabe o apelido de infância do tetravô do concunhado do homenageado.
Tem a competência de dar “uma no cravo, outra na ferradura”: uma notícia ruim (pau na Síria, em Cuba, na Coréia do Norte, no México), sucedida por uma boa (vamos investir 1,5 trilhões de dólares em infra-estruturar, a inflação é quase zero, o desemprego é o menor em 40 anos, o PIB cresceu 3%).
Nos entremeios imagens daquela linda, elegante, classuda e simpática criatura que é sua esposa (além de tudo compreensiva).
Em momentos marquetologicamente calibrados, a cada 10 minutos, uma menção e homenagem a um bombeiro que arriscou a vida num grande incêndio e salvou 40 velhinhas e 25 criancinhas (do qual sabe com detalhes aquele detalhe do tetravô).
Seu domínio com o teleprompter é total, não tem sequer um olhar que denote estar se servindo de tal instrumento, nem a imagem do mesmo aparece. Altura, duração, ritmo, intensidade, dicção e exatidão de cada palavra (timaço de assessores), impecáveis. Como não é olímpico, apenas o timbre um pouco metálico deixa algo a desejar.
Lembram-se daqueles dois importantes cidadãos antes citados, um de cabelo branco, outro de cabelo preto? A cada 5 minutos, após as boas notícias ou a homenagem ao policial que levou 40 tiros, mas mesmo mancando e ensanguentado prendeu 25 facínoras, os dois se levantam e batem palmas, ao que a plateia de 2.000 faz o mesmo: todos se levantam e batem palmas exuberante e demoradamente (em pé) até os dois sentarem.
Dá impressão que aqueles dois são os tios bilhardários, viúvos e sem filhos, de todos os presentes.
É eles se levantarem e a claque (nada menos que senadores, deputados, ministros, juízes, etc.) fazer o mesmo.
Trump com aquele olhar superior, com sorrisos distribuídos economicamente, aquele topete que nem Elvis tinha, dominou a arena. Falou o que o americano médio queria ouvir e o que seus inimigos não queriam.
Dá para começar a entender porque foi eleito.
E o que isso tem a ver com engenharia? Nada, mas como nos metemos em tudo, engenharia financeira, médica, jurídica, por exemplo, porque não palpitarmos sobre engenharia política?
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*Engenheiro Civil POLI/1965; pós-graduação (área de produção) na POLI/1970; ex-assessor do Presidente Ruy Leme no Banco Central/1968; na engenharia atuou na área de planejamento até 1971; dirigiu instituições financeiras até 1989; foi professor de Mercado de Capitais em cursos de especialização do Instituto Mauá de Tecnologia/80; escreveu livros; desde 1990 atua na área de consultoria financeira de empresas de Engenharia. Foi presidente do Conselho Consultivo do Instituto de Engenharia.
*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo