Matemática resolve incertezas do tempo

Digamos que você esteja tentando identificar quando um evento específico ocorreu no passado, mas sua melhor estimativa o coloque em uma janela temporal de 10.000 anos. Isto é muito comum no trabalho dos arqueólogos, astrofísicos, geólogos, historiadores, entre vários outros campos do saber.

Agora imagine conseguir diminuir essa janela para apenas 30 anos sem precisar de nenhuma outra evidência factual.

É justamente este o poder de uma nova ferramenta matemática concebida e já testada com êxito por uma equipe internacional de cientistas, liderada por Russell Fung e Abbas Ourmazd, da Universidade de Wisconsin em Milwaukee, nos EUA.

A ferramenta reduz as incertezas de sincronia temporal entre eventos, melhorando a precisão por um fator de até 300. E a unidade de tempo considerada não importa: podem ser séculos e milênios, ou segundos e femtossegundos – 1 femtossegundo equivale 10-15 segundos.

Assim, a ferramenta deverá ter inúmeras aplicações, da datação de eventos de mudanças climáticas no passado até determinar quando as ligações moleculares se formam ou se quebram durante as reações químicas, que duram apenas alguns quadrilionésimos de segundo.

Agitação temporal

Os pesquisadores conceberam o algoritmo ao trabalhar com dados de um projeto que rastreia o movimento de moléculas usando um laser de elétrons livres de raios X. Chamado XFEL, esse equipamento é o mais brilhante laser de raios X do mundo e serve como uma câmera para filmar a matéria em nanoescala e em escalas temporais de frações infinitesimais de tempo, mostrando eventos muito rápidos em câmera lenta.

Fazer esses filmes exige não apenas capturar centenas de milhares de fotos, mas também saber o momento exato em que cada foto foi tirada. Apesar da velocidade incomparável do XFEL, grande parte da ação vista no filme fica borrada, justamente porque a sequência dos eventos fica embaralhada.

“Nos lasers de elétrons livres de raios X, por exemplo, a incerteza – a assim chamada agitação temporal – entre a chegada de um pulso óptico detector ('bombeamento') e um pulso de raios X de sondagem pode exceder o comprimento do pulso de raios X por até duas ordens de magnitude [100 vezes], arruinando a capacidade de resolução temporal dessa classe de instrumentos que, de outra forma, seria extremamente precisa,” explica Ourmazd.

O algoritmo resolve esse problema. Em um experimento real, foi possível reconstruir um filme mostrando claramente – sem borrados – moléculas se separando conforme as ligações que prendiam seus átomos eram destruídas.

Mate-mágica

O algoritmo identifica correlações internas para dar sentido à imensidão de fotos individuais capturadas.

“Usando um conjunto de dados pleno de ruído, de um experimento de espectroscopia sonda-prova sobre a explosão de Coulomb de moléculas de nitrogênio, a nossa análise revela pacotes de onda vibracionais formados por componentes com períodos tão curtos quanto 15 femtossegundos, assim como mudanças mais rápidas, que ainda têm de ser plenamente exploradas. Nossa abordagem pode potencialmente ser aplicada em qualquer lugar onde informações dinâmicas ou históricas estejam sendo contaminadas por incertezas de cronometragem,” finalizou Ourmazd.

A equipe vislumbra que sua ferramenta matemática tenha aplicações em outros campos da ciência que envolvem históricos dinâmicos com datação imprecisa, como geologia, metrologia, química, biologia e astronomia.

Bibliografia:

Dynamics from noisy data with extreme timing uncertainty
Russell Fung, A. M. Hanna, O. Vendrell, S. Ramakrishna, T. Seideman, R. Santra, Abbas Ourmazd
Nature
Vol.: 532, 471-475
DOI: 10.1038/nature17627

Autor: Inovação Tecnológica