É comum encontrar gestores públicos com o mesmo tipo de reclamação: “fizemos um grande investimento no transporte coletivo, mas as condições de mobilidade em nossa cidade não melhoraram”. Focar o tratamento dos problemas dos deslocamentos urbanos no transporte coletivo é correto; concentrar todos os esforços neste único serviço não tem se mostrado a estratégia mais eficiente para resolver a questão.
Qual seria, então, caso exista, a forma mais adequada? Este é um questionamento que vem pautando discussões e estudos sobre mobilidade, mostrando, muito mais que a diversidade de caminhos, a complexidade do assunto.
Penso que comecei a ter uma ideia sobre a condução das soluções de mobilidade quando, brincando com meu neto, tentei resolver o cubo de Rubik (“cubo mágico”), aquele quebra-cabeças tridimensional em forma de cubo, com seis faces e seis cores, cujo objetivo e dispor uma única cor por face. O garoto me mostrou todo contente, a face amarela resolvida. Mas ao virar a peça sua alegria se transformou em decepção. O multicolorido estava nas outras cinco faces. Mais difícil que vencer a frustração foi explicar que a solução do cubo é a solução de todas suas faces, e os movimentos que se faz para resolver uma das faces afetam a solução das demais.
Assim como o cubo mágico, a mobilidade urbana é um problema multidimensional. Não basta equacionar uma dimensão. A solução global requer uma solução específica para cada uma de suas faces (dimensões), que tem impacto na solução das outras dimensões.
Foi a partir desta constatação que procurei identificar e avaliar as dimensões de impacto na mobilidade urbana que, sem a pretensão de exaurir o tema, descrevo a seguir.
Soluções de mobilidade requerem não apenas investimentos e outras ações no sentido de melhorar o transporte coletivo, mas providências que reduzam o uso do transporte individual motorizado – restrições de estacionamento, rodízio, limitações do espaço viário utilizável pelos veículos particulares e a cobrança pelo uso do sistema viário (para circulação e estacionamento) são práticas que devem complementar as ações voltadas para o transporte coletivo.
O importante é lembrar que não basta melhorar o transporte público; há que, simultaneamente, desestimular o transporte individual motorizado.
Decorrência direta está no desenvolvimento de uma estrutura dedicada a apoiar os deslocamentos não motorizados, dimensão complementar à anterior. Calçadas com todos os requisitos de acessibilidade universal, uma ampla rede de ciclovias e ciclo-faixas, integrada aos terminais dos serviços de transporte coletivo e dotada de para-ciclos e bicicletários, compõem a infraestrutura necessária para viabilizar a priorização do transporte não motorizado.
Tendo ainda como foco os deslocamentos, na gestão do trânsito encontra-se outra dimensão com impacto direto e significativo para a solução dos problemas de mobilidade. Esta dimensão envolve um plano de circulação compatível com o traçado viário e o perfil da demanda, sinalizações eficientes, prática de operações de trânsito e uma estrutura de fiscalização que permita a fluidez do tráfego, com segurança.
Outra dimensão imprescindível é o uso do solo. Uma concepção consistente do uso do solo urbano vai aproximar origens e destinos, o que, por sua vez, induz o uso dos modos não motorizados e reduz a pressão por maior capacidade nos sistemas motorizados de transporte coletivo. Adicionalmente, concepções desta natureza aumentam o valor do solo, que pode, parcial ou totalmente, ser capturado como fonte de financiamento. Ressalte-se que as soluções de mobilidade baseadas no redesenho do uso do solo são muito eficientes, mas tem uma maturação mais longa.
Investimentos em transporte coletivo, infraestrutura para deslocamentos não motorizados, ações de desestímulo ao uso do transporte individual motorizado, na gestão do trânsito urbano e na reestruturação do uso do solo demandam recursos. Logo, o financiamento da mobilidade mostra-se mais uma dimensão básica para a solução dos deslocamentos nas cidades. No atual cenário econômico é, sem dúvida, a dimensão mais desafiadora. O uso dos orçamentos públicos está esgotado. Captura do valor adicionado do solo urbano, taxações sobre o transporte motorizado individual ou tributos na linha do TVT francês são alternativas a explorar.
Enfim, temos de pensar a solução dos problemas de mobilidade urbana pela melhoria do transporte coletivo, desestímulo do transporte individual motorizado, estruturação da infraestrutura para o transporte não motorizado, aprimoramento da gestão do trânsito, reorganização do uso do solo e buscando formas de financiamento que assegurem a implantação e operação de serviços e infraestruturas com eficiência e tempestividade.
E assim como no cubo mágico, onde cada face tem uma peça central fixa, em torno da qual todas as demais giram, as várias dimensões também têm um ponto central, referência para a formulação e estruturação das soluções: o cliente.
Cique no arquivo e veja o currículo completo.
arqnot10027.pdf