Mark Brandon, da Open University, é um oceanógrafo polar interessado na interação do oceano com a criosfera, e publicou mais de 30 artigos nesta área.
Você nunca esquece a primeira vez que vê um iceberg. O horizonte de um navio em alto mar é bidimensional; ver um pedaço de gelo tridimensional aparecendo no oceano é bem impressionante. E icebergs em geral são pequenos: a maioria dos que se desprendem da Antártida, onde são perigosos para navios, já são bem velhos e estão no fim da vida. Eles são pequenos fragmentos do que um dia foram no continente.
Todo mundo sabe que a Antártida é um continente coberto por gelo, mas este gelo não é estático. Para um cientista, trata-se de um ambiente dinâmico — só depende do período de tempo que você está analisando.
A neve cai no continente e, com o tempo, cria camadas de gelo que formam geleiras nas costas oceânicas. Quando chegam aos mares, as geleiras racham, liberando icebergs ou formando largas regiões de gelo flutuante, conhecidas por plataformas de gelo. Em alguns casos especiais, geleiras chegam a se estender dezenas de quilômetro mar adentro — gigantes penínsulas de gelo, com centenas de metros de largura, apontando para o mar.
Da mesma forma que uma parede, as geleiras oferecem proteção, e ao invés do oceano ser coberto de gelo, ele pode ficar aberto durante o ano para formar o que se chama de polínia. O oceano ainda congela, mas o gelo é constantemente empurrado pelo vento para longe. O mar aberto durante o inverno ajuda na sobrevivência de pinguins e focas, além de estimular a produção de fitoplâncton.
Encontrando os mega icebergs
Uma pesquisa recente de uma equipe francesa na Antártida, publicada na Nature Communications, explora os 250 anos de história da polínia na Geleira Mertz. Essa geleira forma um dedo de gelo que sai do continente e da polínia, e pode atingir até 6.000 quilômetros quadrados.
Mas, de vez em quando, monstruosidades se descolam da Antártida e seguem sozinhas, por dezenas de quilômetros, podendo atingir cerca de 100 metros de altura acima do mar e centenas abaixo. Estes são conhecidos como icebergs tabulares — e apesar de ser raro um humano ver algo deste tamanho, isso faz parte do ciclo normal da era glacial da Antártida.
A península da geleira (azul) no verão e no inverno. A polínia está marcada em amarelo. Campagne et al.
Os pesquisadores tiraram uma amostra de sedimentos do oceano desta região (ilustrado com uma estrela vermelha nas imagens acima) e voltaram no tempo usando indicadores paleoclimáticos, como o titânio — que ajuda a apontar quanto sedimento vem do continente.
Os indicadores paleoclimáticos nos contam quais espécies de plânctons dominaram a região em um determinado período: se o sedimento é dominado por espécies que vivem em mares abertos, então é possível determinar que a polínia existiu e assim concluir que a península da Geleira Mertz se estendia a uma longa distância ao norte. Se o sedimento for dominado por espécies que viviam em água salgada, então a polínia e a península não existiam. É uma forma bem elegante de investigar os caminhos das geleiras.
O que eles descobriram é que a cada 70 anos, a polínia da Mertz some por décadas. Dado que a geleira está avançando cerca de 1 km por ano, isso significa que um supericeberg com dezenas de quilômetros de comprimento se forma com regularidade nesta região.
Hoje em dia podemos ver isso acontecer quase que em tempo real, graças ao acesso que temos a imagens de satélite. Em fevereiro de 2010, um iceberg contendo 900 bilhões de toneladas de água doce se rompeu:
B09B colide com a península da Geleira Mertz, fazendo com que ela se quebre e forme um novo iceberg. NASA/Goddard/Jeff Schmaltz
O que acontece depois?
Você talvez ache que o iceberg derive para o norte, para longe da Antártida, mas icebergs grandes como este não seguem um caminho fácil. Eles batem e se chocam em qualquer região relativamente mais rasa do oceano e desaparecem com qualquer coisa em seu caminho. A pesca de arrasto já danifica o solo do oceano; imagine o dano que 900 bilhões de toneladas de gelo podem causar.
Icebergs grandes possuem códigos de identificação; este se tornou o C28, já que ele era o 28° iceberg mais larga deste setor da Antártida. Foram dois meses até o C28 atingir o fundo do oceano antes e se dividir em duas peças (C28A e C28B, já que você perguntou), ambos ainda gigantes. Eles continuaram a produzir outros icebergs, despedaçando-se em pedaços menores no decorrer dos anos.
Quando ainda próximos da costa, estes icebergs gigantes são má notícia para os pinguins, porque eles precisam viajar para muito mais longe — em volta do iceberg — para encontrar mar aberto e comida. Os filhotes que nascem nos arredores destes icebergs chegam a morrer de fome, e algumas colônias se tornam inviáveis.
Conformem seguem caminho, estes icebergs criam o próprio habitat, diminuindo a temperatura dos mares e tornando a água menos salgada, além de alimentar os oceanos com ferro, o que significa mais algas e plânctons na base da cadeia alimentar em locais remotos como as Ilhas Geórgia do Sul, onde icebergs encalham e morrem.
Nos últimos 50 anos, o robusto ciclo de crescimento e decadência na geleira Mertz foi quebrado. Os pesquisadores acreditam que é devido às mudanças de larga escala na forma que o vento circula na Antártida — chamada de Modo Anular do Sul (SAM). Outros estudos mostram que a maneira como o SAM mudou nas últimas décadas indica que a ação humana foi um dos grandes fatores. Parece que até na Antártida é possível identificar o impacto humano em processos climáticos que operam há milhares de anos.
Autor: GizModo