Nove em cada dez universitários brasileiros que receberam uma bolsa de intercâmbio do programa Ciência sem Fronteiras (CSF) até dezembro de 2013 estão vinculados a instituições e órgãos públicos. Levantamento feito pelo G1 com base nos dados oficiais divulgados no site do CSF mostram que, de 38.121 bolsas detalhadas por instituição de origem, 3.849, ou 10,1%, foram concedidas a estudantes de universidades, faculdades, centros universitários e instituto de pesquisa privados. Os bolsistas de instituições estaduais e federais, além de funcionários vinculados a museus, prefeituras e ministérios somam 34.270, ou 89,9% do total.
Os números se invertem no resultado do Censo da Educação Superior. Segundo as estatísticas de 2012 divulgadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), 73% das matrículas no ensino superior estavam na rede privada (com 5.140.312 alunos), e 27% nas instituições públicas (1.897.376 matrículas).
Procurada pelo G1, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) afirmou que a concentração de bolsas nas instituições públicas, principalmente as federais, se deve ao fato de o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ser parte dos critérios exigidos pelo programa. “As instituições privadas e seus alunos podem participar normalmente do programa desde que atendam aos requisitos estabelecidos”, diz a Capes.
Quase todas as universidades e institutos federais usam a nota do Enem como critério para o acesso ao ensino superior. O CSF já usava o Enem como critério de desempate entre candidatos, mas, desde 2013, ele se tornou obrigatório para participar do programa. A nota mínima exigida dos candidatos é 600 pontos. Com a popularização do programa de intercâmbio bancado pelo governo federal, aumentou também o número de estudantes que já haviam sido aceitos em uma universidade, mas se inscreviam no Enem apenas para concorrer a uma dessas bolsas.
Ainda cruzando os dados das bolsas concedidas pelo CSF e as matrículas do Censo da Educação Superior, o levantamento mostra que as instituições do Distrito Federal, onde foram registradas 191.077 matrículas, receberam 1.629 bolsas do programa, o que equivale a uma bolsa para cada 117 matrículas, a razão mais alta do país. Em Minas Gerais, essa razão é de uma bolsa por 118 universitários. O Rio Grande do Norte, o Rio Grande do Sul e Pernambuco completam o topo da lista com uma bolsa por 120, 126 e 129 estudantes, respectivamente.
No outro lado do espectro, o estado que menos tem bolsas em comparação com o número de matrículas é Roraima: a razão é de uma bolsa para cada 6.695 universitários. O Acre tem uma bolsa do Ciência sem Fronteiras por 4.252 estudantes, o Amapá tem uma a cada 3.194 matrículas, e Rondônia teve uma bolsa concedida por 2.169 alunos.
Rondônia também foi o único estado onde estudantes de instituições particulares receberam mais bolsas do que os das universidades públicas: foram 15 contra 12, ou 55,56%. Na soma de matrículas, a Região Norte representa 7,77% do total de univesitários do país. Mas a porcentagem dela no total de bolsistas selecionados foi de 3,71%. Minas Gerais, que tem 10,34% dos estudantes de ensino superior do país e 17 instituições federais, a maioria usando o Enem como processo seletivo, recebeu 16,20% das bolsas. São Paulo, onde estudam 25,06% dos alunos no Brasil e nenhuma universidade estadual usa o Enem, foi contemplado com 20,46% das bolsas, apesar de as duas instituições com mais bolsistas terem sido justamente a USP e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que não aderiram ao exame do MEC.
Universidades com mais bolsistas
De acordo com a Capes, 880 instituições brasileiras já aderiram ao programa, mas só 236 aparecem no painel de controle do site. As bolsas do CSF também ficaram concentradas em poucas instituições: 8% de todas as bolsas foram entregues a estudantes da Universidade de São Paulo (USP), que não usa o Enem como parte de seu processo seletivo. A instituição paulista teve 3.043 estudantes selecionados para o programa em 2013, um número maior que 22 estados e o Distrito Federal separadamente. As universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio de Janeiro (UFRJ) vêm em segundo e terceiro lugar, com 1.967 e 1.652 bolsistas, respectivamente.
Além dessas três, oito universidades conseguiram enviar pelo menos mil bolsistas ao exterior financiados pelo governo federal: Universidade de Brasília (UnB) –1.494; Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) –1.419; Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) –1.388; Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) –1.367; Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) –1.154; Universidade Federal do Ceará (UFC) –1.127
Universidade Federal do Paraná (UFPR): 1.041
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar): 1.017
Juntas, essas onze instituições somaram 16.669 bolsas do Ciência sem Fronteiras em 2013, ou 43,7% do total.
Para o cientista social Simon Schwartzman, a concentração das bolsas do programa nas melhores universidades não é uma surpresa, e também não configura um problema. Segundo ele, se os critérios são acadêmicos e o objetivo é escolher os estudantes mais preparados, então os alunos das instituições de ensino superior consideradas melhores tendem a conquistar mais vagas no programa, assim como conquistaram no vestibular.
“Não adianta, por exemplo, pegar um aluno que não sabe falar inglês, e ele passar um ano lá fora fazendo turismo. Tem que ter condições de aproveitar, ter um bom currículo na instituição lá fora, ter domínio da língua, e se possível faz um curso de boa qualidade [no país de destino”, afirmou ele. Para Schwartzman, a principal preocupação é o retorno do investimento de enviar estudantes de graduação para passar apenas um ano fora do país. “Ele chega, passa um tempo aprendendo o idioma. Até entender onde chegou, está na hora de voltar para casa.”
Dados incompletos
A última atualização do site do Ciência sem Fronteiras, feita em janeiro e referente à quantidade de bolsas acumuladas desde o início do programa, mostra que 44.094 bolsas já foram implementadas. Isso equivale a 43% do total de bolsas anunciadas para o CSF no lançamento do programa, em 2011. Porém, nem todas as bolsas foram inseridas na planilha que mostra a instituição de origem do bolsista. Dividido por estado e pelo Distrito Federal, o documento revela apenas as 15 instituições que mais tiveram bolsistas entrando no programa em 2013. Além disso, 3.118 bolsas foram listadas no arquivo de instituições como “em atualização”. Essa categoria aparece em 23 estados e no DF.
A Capes explicou que as bolsas “em atualização” ainda estão sendo “padronizadas” entre as duas agências do governo que cuidam do programa (a própria Capes e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq). “As agências estão em processo de compatibilização de seus sistemas com o objetivo de padronizar o formato das informações a serem divulgadas”, disse a coordenação, em nota.
Das 44.094 bolsas indicadas no painel de controle do programa, 38.121 tiveram a instituição de origem detalhada, 3.118 estão listadas como “em atualização”, e 2.855 bolsas não foram encontradas no sistema. De acordo com a Capes, isso acontece porque “o painel está estruturado de modo a disponibilizar as informações mais relevantes do programa Ciência sem Fronteiras para mostrar um quadro geral do programa. Não é objetivo do Portal detalhar informações específicas.”
Autor: G1