O costume de circular a maior parte do tempo pelo mundo acadêmico, por dever de ofício, pode levar um professor a não entender o raciocínio de senso comum ou algumas interpretações coletivas induzidas pelos meios de comunicação.
Há cerca de oito anos eu estava em uma pequena viagem de trabalho na Alemanha e, por uma lista de correio eletrônico coletiva, trocava conversas com conhecidos que, nos idos dos anos 1960 haviam sido meus colegas de ginásio (hoje Fundamental II).
Alguém na lista me perguntou se eu estava conseguindo falar Alemão e eu respondi que, para mim era um idioma muito difícil e que eu me atrapalhava com as declinações e com o gênero neutro.
Logo uma alma pretensiosa, com pouco conhecimento de computação, mas maravilhada com a Internet postou trechos de várias disciplinas: Física, Matemática, Química e outras, insinuando que eu era um pobre desinformado que não conhecia o novo deus, que tudo sabe.
Como sei um pouco de Física, fui ver o que havia do assunto naquela postagem. Um amontoado de tabelas que só teriam utilidade para quem conhecesse a matéria e precisasse de algum número específico como velocidade da luz ou constante dielétrica.
É a impressão que alguns têm. Para que estudar se há uma entidade que sabe tudo e nos disponibiliza esse saber em um toque de tela ou teclado? Insisto que estudar ficou, agora, mais difícil. Não se trata mais de memorizar fatos, números ou equações conhecidas.
A questão agora é como interpretar esse amontoado de bits. Como, a partir deles, formular novos problemas e esboçar suas soluções. Tentando aclarar meus pensamentos, tratei de ler um pouco sobre o assunto e encontrei algumas ideias sobre o Humanismo, corrente filosófica que me agrada por colocar os seres humanos no topo da escala de importância.
Isso não diminui as possíveis convicções religiosas de quem quer que seja, recomendando, apenas que, ao tratar de um problema de âmbito científico não se deve desprezar a racionalidade. Além disso, não se considera o sobrenatural e nem a autoridade, à priori.
E esse é o ponto central de que quero falar. A Internet ou qualquer site de busca, enciclopédia ou conteúdo não é por si só, fonte de conhecimento ou de verdade inquestionável. Lá está armazenada certa quantidade de informação, entidade física mensurável que possui, até, uma medida equivalente em energia.
Nos bits dos sistemas de computação, assim como nas folhas impressas da famosa “Enciclopédia Britânica”, encontra-se informação, selecionada e avaliada por alguém que, para o bem ou para o mal, tem seu domínio.
Há, ainda, a convicção de que a Internet é um agente da democratização, em todos os níveis. Cada um pode postar aquilo que bem entender, proporcionando o saber originário das múltiplas culturas e da diversidade.
Entretanto, como não há seleção, textos e vídeos de real valor estarão misturados com ideias originárias dos mais diversos fanatismos e perversões.
Não sou tecnófobo, se é que o termo existe. Acho a Internet e seus futuros avanços, ainda impensáveis, ferramenta que pode dar a Humanidade destinos que as pessoas de bem sonham: fraternidade, união entre povos, paz, democratização da água, da comida e da energia, só para citar alguns.
Como, então, minimizar os efeitos nocivos citados anteriormente? Não sou partidário da censura, tampouco, pois ela colocará o filtro do sensor sobre a informação, privilegiando seu conhecimento e eventual interesse.
Quem deve fazer a seleção do conteúdo? O usuário, consciente e conhecedor, isto é, praticante da cidadania que sabe que conhecimento é algo mais do que simples informação, acrescendo a ela a racionalidade e a ética.
Adquirir informação é cada vez mais fácil. Adquirir conhecimento, nem tanto, passa por bons professores, boas leituras, boa música proporcionados por agentes educacionais bem pagos e motivados para a difusão do saber crítico e consistente.
Autor: José Roberto Castilho Piqueira, Vice-Diretor da Poli-USP