Poucos países possuem capacidade científica para fazer modelos do clima – a modelagem climática consiste em traçar cenários do clima futuro em vista das alterações dos fatores que o influenciam, sejam eles naturais ou induzidos pelo homem.
A maioria desses países – como os Estados Unidos, por exemplo – está no Hemisfério Norte. A Austrália era o único país no Hemisfério Sul que possuía essa capacidade, mas acabou aderindo ao modelo da Grã-Bretanha.
Agora, o Brasil acaba de preencher essa lacuna e se credenciou ao seleto grupo de países capazes de desenvolver um modelo, validar e simular as mudanças climáticas globais.
Pesquisadores de diversas instituições, integrantes do Programa FAPESP de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG), da Rede Brasileira de Pesquisa em Mudanças Climáticas Globais (Rede Clima) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia sobre Mudanças Climáticas (INCT-MC), concluíram a versão preliminar do Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre (BESM, na sigla em inglês).
“A opção do Brasil de enfrentar o desafio de desenvolver seu próprio modelo de sistema climático global, em vez de importar um modelo pronto e aplicá-lo, foi feita com o objetivo estratégico de construir uma rede de pesquisadores capazes de atuar em todas as dimensões da construção de um modelo desta natureza, como no desenvolvimento, validação e simulação”, disse Carlos Nobre, um dos idealizadores do BESM.
Questões climáticas brasileiras
De acordo com Nobre, uma das principais contribuições do novo Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre para os esforços internacionais de avanço das ciências climáticas, ambientais e atmosféricas será olhar para algumas questões particulares do Hemisfério Sul e representar alguns processos ambientais importantes para o Brasil e outros países da América do Sul que são considerados secundários nos modelos climáticos internacionais.
Entre essas questões, estão as queimadas, capazes de intensificar o efeito estufa e mudar as características de chuvas e nuvens de uma determinada região, por exemplo, e o desmatamento da Amazônia.
“Como é a própria comunidade científica brasileira na área de modelagem climática que desenvolve esse novo modelo do sistema terrestre, é mais lógico e até mais fácil, de certa forma, ela introduzir a modelagem desses fenômenos que são mais típicos da América do Sul”, avaliou Nobre.
A ideia do BESM, segundo Nobre, é ser uma plataforma aberta, em que várias hipóteses de processos que acontecem na América do Sul, no Oceano Atlântico e na Antártica, por exemplo, possam ser testadas pelos pesquisadores de áreas relacionadas às ciências climáticas e ambientais.
“O objetivo foi construir um modelo climático com competência brasileira que seja incorporado como uma contribuição do país para a construção de um sistema global de modelagem do sistema terrestre, como se pretende criar nos próximos anos”, disse Nobre.
“No futuro haverá um sistema global de modelagem do sistema terrestre por meio do qual será possível montar um modelo climático por módulos que interessem a um pesquisador para testar suas hipóteses”, estimou.
Previsões climáticas
O Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre também deverá ser utilizado para a definição de políticas públicas no Brasil de adequação do país aos impactos das mudanças climáticas globais.
De acordo com o Relatório Especial sobre Gestão dos Riscos de Eventos Climáticos e Desastres (SREX, na sigla em inglês) – divulgado recentemente pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) -, nas últimas décadas aumentou a frequência dos eventos climáticos extremos no mundo em função das mudanças climáticas.
No final de março de 2004, por exemplo, a região Sul do Brasil foi atingida pelo furacão Catarina – o primeiro de classe 1 (com ventos de 119 a 153 quilômetros por hora e elevação do nível do mar de 1,2 a 1,6 metro) registrado no país.
“O novo modelo também tem a finalidade de melhorar as condições de previsão de clima sazonal no Brasil”, disse Paulo Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos coordenadores do projeto.
Previsão de chuvas
Segundo o pesquisador, o desenvolvimento do novo modelo possibilitou melhorar a previsão de precipitação (chuva) no Atlântico Sul e na América do Sul.
“É muito difícil melhorar a previsibilidade de precipitação no Atlântico Sul. Mas, como o novo modelo, houve um aumento generalizado da melhoria da previsão tanto de temperatura da superfície das águas do Atlântico Sul como da América do Sul”, afirmou.
Outro resultado da implementação do modelo foi a constatação de que o desmatamento da Amazônia aumenta a possibilidade de ocorrência de El Niño (fenômeno caracterizado por um aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico Tropical, capaz de afetar o clima regional e global).
“Este foi um resultado antecipado que o modelo já pode verificar mesmo sendo uma versão preliminar, de baixa resolução”, disse Paulo Nobre. Segundo o pesquisador, o modelo também é capaz de prever a capacidade de formação de chuva da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) – uma região com uma extensa faixa e bandas de nuvens formadas desde a Amazônia, Brasil Central e Sudeste até o Oceano Atlântico – que os modelos existentes até então eram incapazes de prever.
O Brasil ainda passou a ter a capacidade de executar a previsão da extensão de gelo marinho do planeta.
“Pela primeira vez no país existe capacidade de prevermos o avanço e a retração do gelo marinho não só no Hemisfério Sul, onde existe uma grande dificuldade de realizar previsões de extensão de gelo, com em outras parte do planeta”, disse Paulo Nobre.
“O modelo tem previsto, por exemplo, os últimos recordes de diminuição da extensão do gelo do Ártico, o que nos dá sinais de que estamos no caminho certo”, avaliou.
Supercomputador do clima
O novo modelo foi construído a partir da experiência em modelagem climática implementada no Brasil a partir da década de 1990 com a criação no Inpe do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC).
A fim de desenvolver o projeto, os pesquisadores utilizaram um modelo climático acoplado (unido) de oceano e atmosfera desenvolvido pelo CPTEC há mais de uma década e introduziram nos últimos anos outros componentes, como vegetação dinâmica, hidrologia continental, ciclo de carbono dos oceanos e gelo marinho.
Para integrar esses diferentes componentes do modelo, os pesquisadores utilizam o supercomputador Tupã, instalado no final de 2010 no CPTEC, em Cachoeira Paulista (SP).
As simulações brasileiras foram submetidas ao Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados, Fase 5 (CMIP5, na sigla em inglês), que deverá ser utilizado pelo IPCC para balizar seu quinto Relatório de Avaliação (AR 5, na sigla em inglês), previsto para ser publicado no final de 2014.
“O modelo deve inaugurar a participação brasileira nos cenários globais de mudanças climáticas do CMIP5 e do AR 5”, disse Paulo Nobre.
Autor: Agência Fapesp