Há casos que nós tomamos conhecimento e pelo aspecto surpreendente nos faz pensar que não é verdade e fazemos até força para esquecer e a questão da veracidade deixa de ser importante. Comecemos inicialmente falando de um muito conhecido mas hoje saudoso engenheiro , o Eng Archimedes de Barros Pimentel, engenheiro formado na década de 30 pela Escola Politécnica e construtor de inúmeros prédios na cidade de S.Paulo. Ainda hoje esses prédios de escritório estão em funcionamento ostentando na sua entrada uma placa de bronze com o nome do construtor, o Eng Archimedes.
Dono de uma construtora, ainda na década de 40 o colega Archimedes tinha obras em todo o Brasil e para atende-las comprou um avião executivo. Nos anos 40 ter um avião particular era coisa absolutamente inacreditável.
Excelente engenheiro, ele primava pelo bom gosto e pela beleza de seus prédios. Um ano a Prefeitura de S.Paulo fez um concurso para escolher o mais belo prédio construído no ano anterior e ganhou o prédio do Eng Archimedes e que existe até hoje ( Av. Casper Libero) e realmente é belo pela sinuosidade de suas linhas. Quem criou o premio foi o famoso engenheiro Francisco Prestes Maia então prefeito de S.Paulo.
Estamos agora nos anos 30 – 40 . A capital de Goiás é então a cidade de Goiás Velho, cidade antiga com ruas estreitas . O governo do interventor federal Pedro Ludovico querendo modernizar sua administração decide melhorar a capital, mas não modernizando Goiás Velho e sim construir uma nova cidade, totalmente moderna. Assim nasceu Goiânia. Escolhido o local faz-se o planejamento urbanístico e vai começar a construção da cidade. Ai acontece um caso extraordinário e não usual. Reconheceram as entidades criadoras da nova capital que não tinham experiência nesse assunto “ sistema de esgoto “ pois só grandes cidades capitais tinham algo como sistemas de esgotos ( e sempre deficientes ) . Face a isso tiveram a ideia de fazer, como fizemos com várias estradas de ferro. Elas foram construídas por concessão, usando-se firmas brasileiras ( exemplo a Cia Paulista ) e inglesas ( a Santos Jundiai ). Para essas obras as firmas concessionárias entravam com o capital e a tecnologia sem dinheiro do governo e viviam com o recebimento de tarifas dos usuários da obra pronta e em funcionamento.
Assim foi feito em Goiânia. Foi feita uma concorrência para verificar que construtora poderia construir e operar o sistema de esgoto da cidade sem recursos públicos e vivendo exclusivamente da tarifa de esgotos. Ganhou a concorrência a firma “ Melhoramentos de Goiânia “ , uma filial da construtora do Eng Archimedes.
E a rede de esgotos começou a ser construída mas com planejamento ou seja definido o trecho da cidade que ia ser urbanizado já se construía a rede de esgotos e portanto sem ter que quebrar e reparar pavimentos. E construída a rede já se começava a cobrar a tarifa de esgoto, mesmo se o lote não fosse imediatamente edificado. É, a iniciativa particular é implacável. O contrato estabelecido com a urbanizadora estatal teve como advogado da construtora o mais famoso advogado paulista de então , o advogado Abrão Ribeiro. Esse contrato altamente realista protegia a construtora de problemas urbanísticos como obras sem retorno tarifário. Se não for assim o concessionário quebra.
Com recursos próprios e com eventual empréstimo bancário conforme a cidade ia crescendo e ocupando novas áreas lá já estava funcionando e cobrando tarifas a Melhoramentos de Goiânia.
No seu apogeu ( anos 40-50 ) Goiânia tinha ( senhores leitores por favor acreditem ) um sistema de esgotos que:
– atendia a quase 100% das ruas e portanto quase 100% das edificações,
– todo o esgoto, via um emissário, era enviado para estações de tratamento de esgoto em nível secundário com Tanque Imhoff e filtro biológico e o então famoso Sistema OMS.
Como toda a boa engenharia não se brincava com custos. Tampões de ferro fundido de acesso a poços de visita da rede de esgoto eram, na época, muito caros. Eles não foram usados e para a solução foram utilizados tampões de concreto armado com fabricação direto na obra. Lembremos que nos anos 30 – 40 o transito de veículos motorizados era muito pequeno e uso do tampão de concreto armado era aceitável.
A firma Melhoramentos de Goiânia ia muito bem e foi transformada, talvez para obter capital sem custo de empréstimos, em sociedade anônima com cotação na Bolsa de Valores. Era comum que viúvas recentes, sem experiência em negócios, empregassem suas economias em ações dessa companhia. A companhia tinha respeitabilidade.
Mas o tempo passou e se findou o prazo da Melhoramentos de Goiânia ser proprietária ( concessionária ) do sistema de esgotos da cidade. Tudo teria que ser destinado/ entregue à prefeitura de Goiânia . Ai também aconteceu o fenômeno da explosão demográfica e com o aumento gigantesco da urbanização. A chegada da estrada de ferro também fez explodir a cidade. O sistema público não tinha ( e em geral não tem ) , recursos , flexibilidade e implacável visão empresarial para atender a esse crescimento da cidade. A Melhoramentos de Goiânia se retirou de Goiânia e como esse era o seu único grande contrato, fechou as suas portas.
Todos nós admirávamos o Eng. Archimedes que só tinha um defeito. Ele, apesar de empresário de sucesso na construção civil, era algo tímido em termos de publicidade de suas obras. A história do exemplar sistema de esgoto de Goiânia foi me contado por ele no IE e eu prometi que um dia contaria a terceiros pois uma experiência real como essa e com tudo o que ela nos ensina, não poderia ficar desconhecida e implacavelmente esquecida com o tempo.
Espero que o Eng. Archimedes onde estiver e ele deve estar em um bom lugar, fique satisfeito com o que estou contando .
Acredite quem quiser. Tudo isso aconteceu.
Autor: Manoel Henrique Campos Botelho