Governo discute logística reversa e cria comitês de normatização

Ainda recente no país, o setor de logística reversa começa a ganhar força no cenário nacional. A política, amplamente adotad​a por economias do hemisfério norte, trata da devolução de mercadorias usadas diretamente para o fabricante, possibilitando a reutilização de partes do produto e minimizando os impactos na natureza. E o setor de transportes está diretamente envolvido com a novidade, tanto por ser aquele que na prática realiza a logística quanto pela questão das peças automotivas que também serão alvo do processo de reciclagem.

O início do processo veio com edição do Plano Nacional de Resíduos Sólidos pelo governo federal em agosto de 2010, que tramitou durante 12 anos no Congresso Nacional. Agora, o desafio é chegar a um consenso entre governo, iniciativa privada e consumidores sobre as questões práticas da logística.

Em entrevista exclusiva à Confederação Nacional do Transporte, a técnica do Ministério do Meio Ambiente, Cláudia Albuquerque explicou como será a implementação da cadeia de logística reversa pelo governo brasileiro e como a sociedade será afetada pela novidade. Acompanhe.

Recentemente, o Ministério do Meio Ambiente criou dois comitês para tratar da questão dos resíduos sólidos e da logística reversa. Como funcionam esses comitês e o que se pode esperar deles?
Os comitês que foram criados pelo decreto 7404 de 23/12/10 são o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística reversa e o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos. O primeiro, que trata exclusivamente da logística reversa, foi dividido em cinco grupos: óleos e respectivas embalagens, resíduos elétricos eletrônicos, lâmpada, embalagens em geral e descarte de medicamentos. O segundo, o comitê interministerial, vai cuidar de outras questões que não são de logística reversa, como o Plano Nacional de Resíduos Sólidos, mas que têm interface com o comitê de logística reversa, como o desenvolvimento de uma nova tecnologia de reciclagem, por exemplo, que passaria pelos dois comitês.

O setor privado e a sociedade têm representação nestes comitês? De que forma?
Esses comitês vão publicar editais de chamamento convocando as partes envolvidas para firmar acordos setoriais. Isso inclui fabricantes, comerciantes, transportadores e também os consumidores. Esse acordo setorial vai contemplar metas de recolhimento para várias regiões do Brasil, que podem ser diferenciadas de acordo com cada realidade. Além disso, dentro desse acordo vai ter uma definição de como o consumidor vai ser informado sobre o descarte do seu produto. É uma responsabilidade do fabricante e do comerciante informar ao consumidor como ele deve acondicionar esse produto para que ele possa ser recolhido, dizendo aonde ele vai entregar e como ele vai entregar quando não quiser mais esse produto. Porque para que um produto seja reciclado ele precisa estar em condições de reciclabilidade, não pode estar todo quebrado.

Quais são as formas de fazer esse descarte?
Tem várias opções. Levar na loja em que o produto foi adquirido é uma delas. A outra é levar em determinados postos de entregas que reunirão os resíduos para posterior coleta. Há também a alternativa de o consumidor pagar uma taxa e a empresa recolher e, nesse caso, o pagamento pode ser feito já no ato da compra, antecipadamente, ou no momento do descarte.

Há preferência por algum desses modelos?Algum deles já existe em outros países?
Os países da União Européia, como Alemanha, França, Itália, Portugal, já têm essa cultura até pelo processo de construção do que eles chamam de diretrizes européias, que obrigou esses países a cumprirem certas exigências no que diz respeito a resíduos sólidos, perigosos, entre outros. O Japão é outro exemplo de país que já tem certa maturidade. Acredito que todas as possibilidades têm que ser colocadas até porque o que funciona num país não funciona no outro, já que passa por uma questão cultural. Mas acho complicado a gente importar um modelo de um país que já tem uma política bem antiga, uma cultura, uma consciência, já estão treinados, acostumados a fazer. Existe todo um trabalho de conscientização que vai ter que ser feito, não só pelos fabricantes, mas pelos governos, de conscientizar as pessoas sobre o que representa aquele retorno da mercadoria.

O transporte de carga em geral hoje é majoritariamente rodoviário. A tendência é que o transporte da logística reversa também seja? Existe alguma ação prevista desses comitês para estimular a intermodalidade?
A logística reversa não precisa ser, necessariamente, no modal rodoviário. Você pode ter áreas no Brasil em que ela ocorra em transporte aquático. Mas esse nível de discussão ainda não chegou. Vai chegar a partir do momento em que se verificar que em um determinado local a logística não está funcionando direito ou que é economicamente mais viável de outra forma. São discussões que vão ocorrer, mas mais lá na frente.

Além disso, normalmente, o próprio caminhão que leva a mercadoria na loja não é o mesmo que faz a logística reversa, por um problema de contaminação. Você não mistura um produto novo com um usado. Ela pode usar os mesmos canais, mas não é feito ao mesmo tempo. Até porque a entrega de um produto não ocorre necessariamente no momento do recolhimento. Você recolhe em pequenas quantidades e junta em armazéns ou pontos de distribuição. Esse recolhimento tem um timing próprio que não necessariamente acompanha o mesmo ritmo da logística de entrega.

O que a gente pode esperar de resultados desses comitês?
Hoje em dia a questão da logística reversa ainda é vista como aumento de custos para o setor privado, porque, claro, num primeiro momento isso representa um gasto que antes não se tinha. Mas tem benefícios grandes porque você recupera os seus custos com a logística na reciclagem, na revenda dos produtos. Além disso, esse material transita separado para não ser bitributado, que vai ser outra questão a ser discutida nesses acordos setoriais.

Pessoalmente, acho que vai gerar toda uma dinamização: vão surgir empresas de logística para suprir essa necessidade e incremento na área de reciclagem. Assim, os comitês têm uma pauta grande neste ano, que cobre todos os temas. As ações serão mais intensas nos próximos dois ou três anos e depois vão entrar numa ação de revisão, ajustando às novas necessidades.

Autor: Agência CNT