Los Angeles Motordrome: nos tempos em que pistas ovais eram feitas de madeira

Embora as corridas de carro tenham surgido quase que imediatamente após a invenção do automóvel, os autódromos não tiveram um padrão definido antes da década de 1950. O primeiro do mundo, a pista de Brooklands, na Inglaterra, tinha um oval de concreto bruto usado também por aviões. No mais antigo dos americanos, Indianápolis, os carros corriam sobre uma larga faixa de tijolos. Seu principal rival, contudo, era um autódromo construído de modo um tanto peculiar e inimaginável nos dias de hoje: o Los Angeles Motordrome, o primeiro dos autódromos com pista de madeira.

O início
O Los Angeles Coliseum foi obra de dois americanos (Frederick Moskovics e Frank Garbutt) e um inglês (Jack Prince). Moskovics era um engenheiro fanático por corridas, com experiência na Europa. Garbutt descendia de uma rica família de pioneiros da cidade, e gostava de pilotar qualquer coisa que se movesse. E Prince era um ciclista campeão que migrara para os EUA, onde se tornou especialista em velódromos. Um de seus projetos foi uma pista circular de ⅓ de milha (530 metros) para corridas de motos batizada de Los Angeles Coliseum.

O automobilismo havia se tornado uma febre no local desde que um piloto chamado Barney Oldfield completara um circuito oval de terra de 1600 metros chamado Agricultural Park em inéditos 55 segundos a bordo de seu Winton Bullet, com um cigarro entre os dentes.

No outono de 1909, porém, a primazia do nascente automobilismo americana parecia convergir para Indianapolis, onde o Motor Speedway acabara de ser finalizado. Moskovics era uma das poucas pessoas com experiência em projeto, construção e venda de automóveis na época, e estava de olho no que ocorria por lá. Acabou convocando seu amigo Jack Prince, e juntos foram apresentar ao ricaço Garbutt o projeto de Price para um autódromo circular com pista de madeira (especialidade de Prince) com 1600 metros de extensão, capaz de aproveitar a onda de Indianapolis.

Garbutt também estava por dentro das notícias sobre Indianapolis quando foi procurado pro Moskovics e Prince. Atento ao crescente sucesso das corridas de motocicletas no Los Angeles Coliseum, percebeu que talvez fosse uma boa hora para construir uma nova pista de madeira, dessa vez para automóveis.

A construção
O entusiasmado Garbutt logo tratou de usar sua influência para arrecadar fundos para a construção. A área escolhida foi um terreno de 400.000 m² em Playa del Rey, local de desenvolvimento imobiliário já loteado onde anos depois seria construído um resort. Moskovics seria o chefe das operações, enquanto Jack Prince ficava responsável pela construção e acompanhamento da obra.

A pista teria 1609 metros de extensão e seria feita de madeira, usando tábuas de um metro de comprimento, 50 mm de espessura e 200 mm de largura, nos mesmos moldes dos velódromos franceses usados para ciclismo e motociclismo. Nas curvas apoiadas em armações de madeira treliçada, a inclinação máxima chegaria a 45 graus. Estimava-se que um carro seria capaz de ultrapassar os 160 km/h de velocidade média ali, feito inédito até então.

A construção da pista começou em 31 de janeiro de 1910. Foram usados mais de 185 mil metros quadrados de madeira e 30 toneladas de pregos na obra. Estando em um local isolado, mas com grande potencial de desenvolvimento, a companhia Los Angeles Pacific Railway construiu uma linha especial para levar os espectadores às arquibancadas do autódromo, que comportava 12 mil pessoas. Outros empreendedores do ramo imobiliário aproveitaram a empreitada para erguer novos estabelecimentos e ruas para ligar as localidades vizinhas à Playa del Rey.

Durante o processo, uma tempestade derrubou mais de 200 metros da armação de madeira, o que acabou atrasando em 20 dias o prazo de construção cuja duração estava prevista para apenas 25 dias. Custou 75.000 dólares, uma pequena fortuna para a época. E Garbutt e Moskovics ainda conseguiram mais 10.000 dólares para instalar holofotes para a realização de corridas noturnas.

A inauguração 

O circuito de corridas mais espetacular do mundo” 

Em 8 de abril de 1910, os portões do Los Angeles Motordrome foram abertos para seu evento inaugural: sete dias de corridas com os maiores nomes do automobilismo norte-americano. Os dias seriam predominantemente preenchidos por corridas curtas, com distância total variando de uma a dez voltas. Destas, a grande atração seria o duelo entre o célebre recordista Barney Oldfield em seu “Lightning Benz” e o Fiat Cyclone de Ralph DePalma. Apenas no primeiro e no último dia haveria uma corrida de média distância, onde os carros percorreriam 100 milhas. Ambas foram vencidas pelo piloto Ray Harroun (que no ano seguinte venceria a primeira edição das 500 Milhas de Indianapolis). A primeira foi completada em 1:25:28, com média de 111,6 km/h; e a segunda em 1:16:21, com média de 125,5 km/h, a bordo dos calhambeques que você vê abaixo. Milagrosamente, ninguém morreu. 

Os carros
Na época, a ênfase do automobilismo estava nos recordes de velocidade em curtas distâncias – geralmente no “quilômetro lançado” ou na “milha lançada”. Os bólidos ainda eram uma novidade, e os limites destas máquinas muito pouco conhecidos. Os três destaques do início do Motordrome foram o Lightning Benz de Barney Oldfield, o Fiat Cyclone de Ralph de Palma e o Marmon 32 Wasp de Ray Harroum.

O Fiat Cyclone foi o primeiro recordista da pista, com média de 155 km/h e tempo de volta de 37,7 segundos. Sob seu capô havia um quatro-cilindros de 18 litros (!) de deslocamento e potência máxima de 175 cv.

Seu principal oponente era o Lightning Benz, movido por um quatro cilindros com deslocamento de 21,5 litros (!!!) que gerava poderosos 200 cv. Em seu primeiro teste no Los Angeles Motordrome, o piloto Barney Oldfield manteve uma média de 160 km/h e completou a volta em 35 segundos, quebrando o recorde obtido pelo Fiat em seu teste anterior. 

Já o Marmon 32 Wasp vencedor da corrida de 100 milhas tinha um motor de seis cilindros com deslocamento de 7,3 (ufa…) litros que gerava 200 cv e beirava os 200 km/h de velocidade máxima vestindo pneus um pouco mais grossos que o de uma Caloi 10.


Os três modelos tinham construção do tipo carroceria sobre chassi, motor dianteiro, transmissão por corrente em vez de cardã, e os freios somente nas rodas traseiras, enquanto a suspensão usava rudimentares feixes de molas. E não, eles não tinham cinto de segurança. Nem paddle shifts.

O auge e o fim do Los Angeles Motordrome
O sucesso do evento de inauguração atraiu vários outros automobilistas e motociclistas, que competiram regularmente durante toda a operação do autódromo. Logo passaram a ser organizadas as corridas de 24 horas e de 500 milhas.

O traçado do Los Angeles Motordrome também atraiu os motociclistas, que usaram o autódromo para quebrar todos os recordes de velocidade em motos registrados até então. Tal como os carros, as motos também eram uma novidade cujos limites eram desconhecidos. As fábricas aproveitavam a coragem dos recordistas como forma de publicidade, e tornaram o local o grande templo californianos dos amantes da velocidade.


Apesar do rápído e intenso sucesso, o Los Angeles Motordrome teve vida curta. Na tarde do dia 11 de agosto de 1913 um incêndio, supostamente iniciado por moradores de rua que abrigavam-se sob a pista de madeira, destruiu parte do autódromo a ponto de tornar sua reconstrução inviável. Menos mal que seu sucesso incentivou a criação de várias pistas semelhantes por todo o país. No início da década de 20, haviam nada menos que 24 ovais semelhantes em operação nos EUA.

Somente a chegada Grande Depressão após a quebra das bolsas em 1929 incentivou o declínio desse tipo de construção. Além disso, a vida útil das tábuas submetidas ao uso intenso e às variações climáticas não passava de cinco anos. Muitas delas acabavam soltas ou quebradas, deixando enormes e perigosas fendas cuja manutenção tornou-se inviável quando a crise econômica disparou. Em várias ocasiões, os carros rasgavam as retas a 180 km/h enquanto os carpinteiros sob a pista remendavam as tábuas soltas ou quebradas. Também era comum ver crianças assistirem às corrida com as cabeças enfiadas através destes buracos.

Outro fator que contribuiu para o declínio dos autódromos de pista de madeira é que para vencer bastava ter o carro mais potente, uma vez que as curvas inclinadas conduziam os pilotos naturalmente pelo traçado. O circuito da praia de Daytona, por exemplo, tinha piso misto (terra e asfalto) e curvas planas que exigiam mais do que um motor superpotente nas tomadas de tangência. Também na época o asfalto e o concreto começaram a ser usados para construir as pistas, dando o primeiro passo para o que viria a se tornar o padrão dos autódromos modernos.

Apesar disso, o automobilismo americano ainda hoje mantém algumas características nascidas com o Los Angeles Motordrome: o aumento da velocidade média pela inclinação das curvas, as larguras que favorecem muitas ultrapassagens e as arquibancadas ao redor e rente à pista.

Autor: Jalopnik