Vazamentos de petróleo afetam a Nigéria há cinco décadas

Fauna e flora da região do Delta do Níger estão seriamente afetadas.
Causa do desastre é creditada, em parte, à regulamentação ineficiente. 

Grandes vazamentos de petróleo não são mais novidade nesta vasta terra tropical. Segundo estimativas, faz 50 anos que o delta do rio Níger, onde a riqueza subterrânea é desproporcional à pobreza da superfície, tolera, todo ano, o equivalente ao vazamento do Valdes Exxon. Quase toda semana ocorre vazamento e alguns pântanos estão sem vida há muito tempo.

Talvez nenhum lugar do planeta tenha sido tão destruído pelo petróleo, alegam os especialistas, deixando os moradores surpresos com a atenção incessante dada ao vazamento no Golfo do México, a meio mundo de distância. Há algumas semanas, segundo eles, uma tubulação da Royal Dutch Shell, que estava estourada em um manguezal, foi finalmente fechada depois de dois meses de vazamento: agora, nenhum ser vivo se mexe mais nesse mundo preto e marrom, que já foi uma vez cheio de camarões e caranguejos.

Não muito longe dali, no afluente Gio Creek, ainda há manchas pretas provenientes de um vazamento que ocorreu em abril, e, logo na divisa do estado, em Akwa Ibom, os pescadores se aborrecem com suas redes manchadas de óleo, duplamente inúteis em um mar estéril, destruídas por um vazamento de uma tubulação costeira da Exxon Mobil, que durou semanas.

O óleo sai de tubulações enferrujadas e velhas, ignoradas, segundo os analistas, por uma regulamentação ineficiente ou conivente, e auxiliadas pela manutenção precária e sabotagem.

Apesar dessa maré negra, os protestos são raros – no mês passado, os soldados que cuidam da instalação da Exxon Mobil agrediram as mulheres que estavam protestando no local –, mas há muito ressentimento. 

Crianças nadam no estuário poluído, pescadores levam seus pequenos barcos cada vez mais longe –“Não conseguimos pescar nada aqui”, lamenta Pius Doron, em cima de seu barco– e mulheres comerciantes arrastam-se pelos riachos repletos de óleo.

“Tem óleo da Shell no meu corpo”, reclamou Hannah Baage, ao sair do Gio Creek segurando um facão para cortar a mandioca que equilibrava na sua cabeça.

Que o desastre no Golfo do México assombrou um país e um presidente que muitos admiram é motivo de surpresa para o povo daqui, que vive entre estuários margeados por palmeiras em condições tão miseráveis como as outras partes da Nigéria, segundo a ONU. Embora a região contribua com quase 80% da receita do governo, eles se beneficiam muito pouco dela. Aqui, a expectativa de vida é a mais baixa da Nigéria.

“O presidente Obama está preocupado com aquele”, disse Claytus Kanyie, uma autoridade local, sobre o vazamento no golfo, em meio aos manguezais sem vida, na lama de óleo fora de Bodo. “Ninguém está preocupado com este. Nossa vida aquática está morrendo.

Costumávamos ter camarão. Eles se foram”

Ao longe, a fumaça subia do que Kanyie e ativistas ambientais dizem ser uma refinaria ilegal dirigida por ladrões de petróleo locais e protegida, segundo eles, pelas forças de segurança nigerianas. O pântano estava deserto e silencioso, nem pássaros cantavam mais. Segundo Kanyie, antes dos vazamentos, as mulheres de Bodo ganhavam a vida pegando moluscos e crustáceos nos manguezais.

Com as novas estimativas de que, diariamente, 2,5 milhões de galões de petróleo podem estar vazando no Golfo do México, o delta do Níger de repente se tornou um alerta para os Estados Unidos.

Não menos que 546 milhões de galões de petróleo vazaram no delta do Níger nas últimas cinco décadas, o equivalente a quase 11 milhões de galões por ano, foi o que concluiu uma equipe de especialistas do governo nigeriano e grupos ambientais locais e internacionais em um relatório de 2006. Como comparação, em 1989, o vazamento do Exxon Valdez despejou cerca de 10.8 milhões de galões de petróleo nas águas do Alasca.

Assim, a população daqui fica incomodada com a atenção dada ao vazamento no golfo.
“Temos pena deles, mas é o que vem acontecendo aqui há 50 anos”, explicou Emman Mbong, uma autoridade em Eket.

Aqui, os vazamentos são mais devastadores porque esta região, úmida e ecologicamente sensível, fonte de 10% do petróleo importado pelos EUA, concentra a maior parte dos manguezais da África e, assim como a costa da Louisiana, alimentou, por gerações, o interior com sua abundância de peixes, mariscos, fauna e flora e colheitas.

Ambientalistas locais vêm denunciando a destruição há anos, mas nada é feito.

“O ambiente está morto”, disse Patrick Naagbanton, do Centro para o Meio Ambiente, Direitos Humanos e Desenvolvimento em Port Harcourt, a principal cidade da região de exploração de petróleo.

Embora muita coisa tenha sido destruída aqui, ainda restam muitas áreas verdes vibrantes. Os ambientalistas alegam que com uma intensa restauração, o Delta do Níger ainda pode voltar a ser como era antes.

Só no ano passado, a Nigéria produziu mais de 2 milhões de barris de petróleo por dia, e, em mais de 50 anos, milhares de quilômetros de oleodutos foram colocados nos pântanos. A Shell, a principal personagem, opera em milhares de quilômetros quadrados no território, segundo a Anistia Internacional. Conhecidas como árvores de Natal, as colunas envelhecidas de válvulas de poços de petróleo aparecem, inacreditavelmente, em clareiras entre as palmeiras. Às vezes sai óleo delas, mesmo os poços estando desativados.

“O óleo jorrava para o ar e ia até o céu”, lembrou Amstel M. Gbarakpor, presidente da juventude em Kegbara Dere, do vazamento que ocorreu em abril, no Gio Creek. “Levaram três semanas para fechar o poço.”

A quantidade de vazamentos causados por ladrões de petróleo ou sabotagem ligada ao movimento militante ativo no delta do Níger, ou causados pela má conservação de antigas tubulações são motivos de grande discórdia entre as comunidades, ambientalistas e empresas petrolíferas.

Caroline Wittgen, porta-voz da Shell em Lagos, disse: “Nós não discutimos vazamentos individuais”, mas argumentou que “a grande maioria” foi causada por sabotagem ou roubo, sendo apenas 2% devido à falha de equipamentos ou erro humano.

“Não acredito que sejamos irresponsáveis, mas, sim, operamos em um ambiente singular, onde segurança e desrespeito à lei são os principais problemas”, argumentou Wittgen.

As petrolíferas também alegam que limpam a maior parte do que é perdido. Nigel A. Cookey-Gam, porta-voz da Exxon Mobil em Lagos, disse que o recente vazamento da empresa despejou apenas cerca de 8.400 galões e que “tudo foi praticamente limpo”.

Mas muitos especialistas e autoridades locais afirmam que as empresas atribuem os fatos à sabotagem para diminuir sua responsabilidade. Em um relatório de 2008, Richard Steiner, consultor sobre vazamentos de petróleo, concluiu que, historicamente, “a taxa de falha de um oleoduto na Nigéria é muito maior do que as encontradas em qualquer lugar do mundo”, e acrescentou que até mesmo a Shell reconheceu que “quase todo ano” um vazamento pode ser relacionado a uma tubulação corroída.

Na praia em Ibeno, os poucos pescadores estavam deprimidos. O petróleo está vazando de uma tubulação da Exxon Mobil há semanas.

“Não encontramos lugar para pescar, tem petróleo no mar”, disse Patrick Okoni.

Autor: G1