Trem bala brasileiro

governo federal, por meio da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), já iniciou o processo de licitação para a concessão do serviço de transporte ferroviário de passageiros, por meio de um sistema de trens de alta velocidade (TAV), entre as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. A ANTT aguarda aprovação do Tribunal de Contas da União (TCU), que analisa o projeto, para só depois poder lançar o edital e promover o leilão. Porém, a minuta do projeto
já foi apresentada por meio de audiências públicas e todo o conteúdo das contribuições da sociedade será consolidado em um relatório para análise. Em meio às opiniões, há diversas críticas e observações de engenheiros que viram essa minuta.

Uma das críticas se refere à planilha de preços dos futuros túneis. “O governo diz que se baseou em túneis do metrô; porém, os custos não batem. Minha maior crítica é que a planilha de preço não é consistente. Como um túnel de sete metros de diâmetro pode ser mais caro que um de 10 m de diâmetro? Tem que ser mais barato. Como o edital não mostra a memória do cálculo, não dá para saber como chegaram a esses valores”, avisa o presidente do Comitê Brasileiro de Túneis, Tarcísio Celestino.

Segundo ele, tais construções urbanas custam mais caro do que aquelas construídas sob uma fazenda, por exemplo. Isso porque há diversos instrumentos a serem manejados nas cidades, é preciso acompanhar a estrutura de prédios, cabos, metrôs, entre outros. “Realmente são custos maiores, mas na planilha, os túneis em área rural custam 43% a mais que os de áreas urbanas”, avalia.

Para Tarcísio, outro ponto é que o empreendimento precisa de um projeto básico. “Em uma das audiências públicas realizadas na Bolsa de Valores, disse que o ritual do projeto de engenharia exige um projeto básico antes da licitação. Um erro gigante desse cálculo dos túneis precisa ser visto antes, e não deixar a cargo do licitante empreendedor. O benefício da diferença de preço vai acabar ficando para o empreendedor, e não para o cidadão”, avalia.

Durante essa audiência pública, em resposta à indagação de Tarcísio, a ANTT disse ter feito consulta ao TCU, que afirmou tratar-se de uma concessão, e não de uma obra pública. “Isso é um eufemismo, porque quem paga é o cidadão. Pela regra do edital, 30% serão pagos pela União, e o restante pela tarifa do usuário. É uma resposta burocraticamente errada”, afirma.

De acordo com Tarcísio, outras questões são importantes. Durante a explanação do projeto do TAV no Instituto de engenharia, ocorrida em 2009, havia definição de trajeto e local das estações, entre outros. “Agora não se sabe, por exemplo, se o trem passará por São José dos Campos (SJC). O trecho Campinas- São Paulo-São José dos Campos é fundamental e se sustenta economicamente”, diz.

Agora caberá ao licitante vencedor decidir. “Isso nunca poderia acontecer, se é uma necessidade do país. Até porque o empreendedor ficará à mercê de ofertas das cidades concorrentes, que oferecerão terrenos com isenção de impostos para terem uma estação em suas cidades. Esse edital acaba por declarar uma guerra fiscal. Se São José dos Campos
oferecer mais benefícios que Jacareí, caberá ao licitante resolver. Nós vamos pagar três vezes: a parte da União, a parte das tarifas e a dessa guerra fiscal”, conta.

Outro problema resultante da falta de definição das estações é a licença ambiental do projeto. “Se as estações podem ser diferentes, será necessário voltar tudo atrás porque o licenciamento ambiental não vai bater”, diz.

Demanda e transferência de tecnologia
O projeto do TAV brasileiro está calcado na demanda de passageiros e nenhum dos estudos a que tive acesso confirma dados tão otimistas quanto os que têm sido dados”, explica o vice-presidente de atividades técnicas do Instituto de Engenharia, Marcelo Rosenberg. O estudo do governo mostra que 70% da demanda de transporte concentram-se em Campinas, São Paulo e São José dos Campos. Na visão de Rosenberg, mesmo que os números sejam reais, só 30% irão para o Rio de Janeiro.

Segundo o executivo, esse problema costuma resultar em superestimativa de receita e quebra de caixa. Ele conta que a situação já ocorreu na China e na República da China (Taiwan). O projeto de Taiwan quebrou e foi absorvido pelo governo. A empresa privada responsável pelo empreendimento não teve fôlego, uma vez que a receita real era menor que a estimada. No primeiro ano de funcionamento houve prejuízos operacionais de US$ 700 milhões. “O nosso edital de licitação é parecido com o de Taiwan, no qual os resultados foram trágicos”, alega. Outro exemplo é o trem de Portugal, que ainda não entrou em operação, e o trem da Mancha, entre Paris e Londres, cujos prejuízos nunca serão amortizados.

Quem concorda com essas informações é o expresidente do Instituto de Engenharia, Edemar Amorim. “Taiwan tem extensão quase entre Rio e São Paulo. A receita não dá para pagar a operação. Pode escrever: no Brasil, vai ocorrer o mesmo. Por que o governo não copia o modelo do Japão, que é super eficiente, não tem atraso, entre outros benefícios?”, questiona.

Para Amorim, o governo quer fazer o TAV apressadamente através da concessão. “Por que o governo não cria uma empresa como a Companhia do Metrô, que absorveu tecnologia da Alemanha e hoje está muito bem?”, afirma. Há problemas na modelagem do negócio em si, na opinião de Rosenberg. Ele explica não ter tido acesso ao projeto de transferência de tecnologia. “É necessário estabelecer metodologia e metas para isso. Não basta falar que os interessados vão se mobilizar. Cabe ao governo dar condições de estímulo bem claras. A empresa deixa de fabricar no
país de origem e vem para cá. Isso não faz com que os técnicos brasileiros se capacitem para um projeto maior, por exemplo”, afirma. Ele conta que cerca de 70% do investimento todo será destinado às obras, e o restante aos equipamentos. “No Brasil, temos empresas capacitadas para fazer a obra, mas não para oferecer certos equipamentos e sistemas; por isso, necessitamos de transferência de tecnologia”, explica.

De acordo com Rosenberg, a delegação japonesa apresenta 99,9% na pontualidade dos trens. “Para se ter essa precisão há toda uma indústria que precisa ser preparada para isso”, lembra.

Infraestrutura

Rosenberg afirma que o projeto é extremamente caro, porém o valor parece subestimado. “Serão R$ 35 bilhões para toda a obra, sendo que o mercado internacional acredita que vá custar mais”, alega.

Ele explica que esses trens terão de passar por São Paulo e Rio de Janeiro. Em São Paulo, o governo federal escolheu o Campo de Marte, que sequer é de sua jurisdição e cujo terreno não se conecta com outros meios de transporte. “O TAV só faz sentido se integrado aos outros transportes, como metrô, ônibus, o sistema de massa. E a inserção do trem dentro da cidade não é simples”, garante.

Um avião transporta 150 passageiros em quatro vôos por hora, por cada companhia aérea. O TAV pretende transportar 1.500 pessoas por viagem. “Imagina o tamanho do estacionamento necessário, caso não haja ligação com outros meios de transporte. A ideia é transportar 100 mil pessoas por dia. A magnitude dessas questões é muito impactante. Elas precisam ser estudadas e esclarecidas. Quantos dentro desse sistema poderão ter um ataque cardíaco com garantias de um sistema de saúde? Você vê as pessoas que passaram mal nos navios, é a mesma coisa. Não está sendo dada a
devida atenção a itens tão elementares, ou pelo menos eles não a demonstraram ainda”, afirma Rosenberg.

Segundo o executivo, a ideia do TAV é antiga e nunca foi executada pela percepção das dificuldades econômicas. “Minha preocupação é que tenhamos um grande elefante branco inconcluso e ainda que devamos pagar por isso. A estimativa é de que o Trem-Bala cobrará, de cada cidadão, meio salário mínimo”, calcula.

Modelo externo
Site do TAV brasileiro apresenta estudos sobre a evolução dos trens de alta velocidade no mundo.

As informações do estudo mostram que o primeiro trem começou a operar em 1964 no Japão; depois disso, houve uma expansão da utilização desses sistemas de alta velocidade no mundo. Eles continuam em constante evolução em termos de segurança e velocidade de operação e ampliaram suas redes. Um conjunto de países está aderindo a essa alternativa de transporte de passageiros, conforme revela a tabela a seguir.

Diante da evolução, vimos que a velocidade operacional que inicialmente era de 210 km/h, já alcança 350 km/h. Os fabricantes de material rodante estão lançando a próxima geração de trens, em sua maioria de unidades múltiplas de melhor desempenho energético e potencial de velocidade de 350 a 400 km/h.

Fonte: Relatório Halcrow/Sinergia (Volume 4 – Operação e Tecnologia – Parte 2) e Barrón de Angoiti, Ignácio. High speed rail systems in Europe and across the world. 6th Training on High Speed Systems. Paris, 8 June 2009.

Autor: Revista Construção & Negócios