A física quântica deixa muita gente confusa quando afirma que é impossível existir o nada absoluto: o espaço vazio puro. A constatação de que o vácuo possui uma energia própria, porém, já foi provada experimentalmente, e só não percebemos isso no dia-a-dia porque esse “conteúdo” do nada é muito pequeno. Uma dupla de teóricos brasileiros, porém, acaba de descobrir um modo de fazer com que a energia do vácuo aumente sem controle, num fenômeno de alta violência.
Essa energia não serviria para iluminar cidades ou mover carros, mas pode ajudar a entender alguns dos pontos mais obscuros da física moderna.
A ideia, descrita em um artigo de Daniel Vanzella e William Lima, do Instituto de Física de São Carlos, conquistou espaço na revista “Physical Review Letters”, uma das mais disputadas da área. No trabalho, a dupla descreve como sacou a energia “do nada” usando um ingrediente inusitado: a gravidade, força de atração que os físicos consideram fraca.
Desdenhar o poder da gravitação pode parecer piada, mas os físicos sabem que ela perde de longe para outras forças. O exemplo clássico usado para ilustrar isso é o do ímã que ergue uma moeda: o magnetismo do ímã vence a gravidade de toda a Terra. Por isso é que o trabalho brasileiro chamou tanta atenção ao misturar o vácuo quântico com a gravidade.
“São dois conceitos que, se isolados, normalmente não desempenham papel muito dramático nas experiências do dia-a-dia, mas descobrimos que, em alguns contextos, um pode ajudar o outro a ficar dominante”, explicou Vanzella à Folha.
O que ele e Lima fizeram foi aplicar as equações da energia do vácuo a um espaço onde a gravidade é fortíssima: uma estrela de nêutrons. É um tipo de astro extremamente compacto. Se uma estrela com duas vezes a massa do Sol fosse prensada até ficar com um centésimo de milésimo do tamanho, meros 25 km de diâmetro, ela seria uma estrela de nêutrons.
O que os físicos de São Carlos fizeram foi mostrar que a gravidade perto de um objeto desses iria interagir com o vácuo de forma tão violenta que campos de energia extremamente fracos seriam amplificados exponencialmente. Uma vez com o resultado nas mãos, porém, os físicos se perguntaram que tipo de energia contida no vácuo poderia sofrer essa explosão.
Desse exercício surgiram muitas perguntas e nenhuma resposta, mas um dos questionamentos levou Vanzella e Lima a um caminho promissor.
Os físicos verificaram que o eletromagnetismo, o tipo de energia cuja forma mais conhecida é a luz, não seria afetado pela gravidade de uma estrela de nêutrons da forma brutal como os físicos previam.
Vanzella imaginou se o efeito que ele previu poderia causar essa expansão de energia eletromagnética de outra forma, agindo não no contexto de uma única estrela de nêutrons, mas no contexto cosmológico.
Energia escura
O maior desafio da cosmologia hoje é entender o que é a chamada “energia escura”, força que faz o Universo se expandir aceleradamente. Físicos não sabem dizer por que o Big Bang, a explosão que deu origem ao cosmo, não está desacelerando, o que seria de esperar -já que a gravidade das galáxias as atrai umas às outras. Já se postulou até a existência de tipos de campo de força desconhecidos para tentar explicar a energia escura, sem sucesso.
“Se o efeito que nós verificamos realmente se manifesta no caso eletromagnético em contexto cosmológico, porém, seria uma possível explicação para a energia escura”, diz Vanzella. “Mas isso também já é muito especulativo da nossa parte, porque ainda estamos no meio das nossas contas.”
O físico diz, porém, estar confiante em que, de um jeito ou de outro, a teoria chegará a algum tipo de previsão que pode ser colocada sob teste em observações astrofísicas num futuro próximo.
Autor: Folha On Line