Poderia ter sido uma cidade do Flash Gordon, com torres de 300 metros de altura (ou cem andares) e ruas aéreas ligando os blocos. Ou uma volta à cidade mais cordial, com pequenos núcleos de 30 mil habitantes. Ou ainda a cidade moderna de Le Corbusier transplantada para os trópicos. Brasília poderia ter sido tudo isso e um pouco mais, como mostram uma exposição e um livro.
Ambos tratam dos sete projetos finalistas no concurso de 1957 que elegeu o plano urbano de Brasília. Só o plano foi objeto do concurso, já que o então presidente Juscelino Kubitschek já havia escolhido Oscar Niemeyer para criar os prédios.
Curiosamente, não há qualquer revisionismo sobre o plano no momento em que a cidade faz 50 anos. Desde que o arquiteto britânico sir William Holford, que presidiu a comissão julgadora, disse que Lucio Costa (1902-1998) fizera “a maior contribuição urbanística do século 20”, o plano sofreu ataques de conservadores e pós-modernos, mas não há dúvidas de que é uma das raras invenções urbanas brasileiras.
Até derrotados se orgulham de ter perdido para Costa. Um dos sobreviventes do concurso, o engenheiro Boruch Milman disse à Folha que foi “uma maravilha ser o segundo colocado num concurso vencido por Lucio Costa”.
Não era só o plano de Costa que trazia inovações, segundo o arquiteto Milton Braga, autor do livro “O Concurso de Brasília”, que tem lançamento previsto para a segunda quinzena de maio. Para ele, há inovações no projeto de Rino Levi e no dos irmãos Maurício Roberto e Marcelo Roberto, que ficaram empatados em 3º lugar.
Segundo Braga, Levi antecipa o movimento das megaestruturas dos anos 1960 ao prever as torres de 300 metros que funcionam como máquinas. Já os irmãos Roberto fazem uma crítica ao urbanismo modernista ao proporem uma volta à cidade tradicional.
“O concurso de Brasília foi o ápice do urbanismo brasileiro”, afirma Braga. A opinião é compartilhada pelo arquiteto Jeferson Tavares, cuja pesquisa serviu de base para a exposição que começa hoje no Museu da Casa Brasileira. “É o ápice e o começo do declínio”, emenda.
Brasília magnetizou uma geração de arquitetos, ajudou a projetar o Brasil como um país moderno e foi tão importante quanto a bossa nova e o cinema novo, mas deixou herança esquálida para o urbanismo. Ou, como diz o arquiteto e crítico Guilherme Wisnik, autor da introdução ao livro de Braga, o urbanismo gerou uma “herança degradada” em condomínios suburbanos como Alphaville.
O projeto do italiano Rino Levi, que ficou em terceiro, previa bairros verticais com torres de cem andares ou 300m
A culpa pela ausência de heranças, se há um culpado, é dos tempos de inflação e juros elevados, diz Braga. Foi ela que ajudou a matar a cultura do projeto urbano e arquitetônico no país. “O dinheiro não podia esperar o tempo do projeto.”
Ele é otimista sobre os frutos que Brasília pode gerar. Acha que o plano de Costa tem qualidades que serão reaproveitadas no futuro. A maior delas, diz, foi a capacidade de criar infraestrutura (avenidas, superquadras, praças) sem engessar o futuro do espaço. “Por isso você consegue criar novas áreas.” Para ele, a capital tem o que falta nas degradadas cidades brasileiras: identidade e coesão criadas a partir da infraestrutura
Autor: Folha de S.Paulo