Em geral, os veículos de comunicação gostam de novas tecnologias. Aquelas que, exatamente por serem novas, despertam certo fascínio nos leitores e expectadores. Nada melhor do que mostrar o novo celular, o novíssimo game, a mais recente TV e o mais moderno computador. Ou até mesmo um novo engenho com uso meio indefinido. Vale qualquer coisa, desde que seja novidade. É garantia certa de audiência em leitura, atenção ou número de clicks no site da Internet. Por isso, quando recebo um pedido para conversar com os meios de comunicação, sei que a maioria das perguntas vai na direção do que vem por aí no futuro.
No entanto, recentemente conversei com uma jornalista que queria saber justo o contrário: em vez de falar de futuro, ela buscava entender o passado e por que certas novas tecnologia simplesmente não “emplacam”. Queria também saber por que certas tecnologias, intuitivamente entendidas como a solução perfeita para um determinado problema, simplesmente não decolam. Como abordagem jornalística, achei a solicitação, no mínimo, inovadora. Como sempre, fui me preparar para dar respostas bem fundamentadas. Aprendi um monte. Agora, divido aqui com vocês parte desses achados. Alguns são bem óbvios, outros nem tanto. Só que, neste caso, mesmo o óbvio adquire uma importância maior porque é identificado por métodos de pesquisa e não por puro “achismo”.
Desde muito tempo, quando comecei a lidar com tecnologia de ponta, aquela que está sempre na vanguarda, percebi que nem sempre o que faz sucesso no laboratório tem sucesso garantido com o público. A comprovação dessa observação um tanto empírica está nos armazéns dos laboratórios de pesquisa. Por lá é possível encontrar um monte de coisas que são essencialmente geniais, mas que acabaram cobertas de pó. Nunca chegaram ao mercado. Jamais foram usadas. Esse é um primeiro estágio de insucesso em novas tecnologias. Mas, nesse caso, os consumidores nem notam que um certo engenho existe, simplesmente porque, ainda que genial, nunca saiu dos limites dos departamentos de Pesquisa & Desenvolvimento. E aí, nem é muito difícil identificar as causas desse suposto insucesso: na maioria das vezes, a rota comercial para levar um novo produto ao mercado é inviável; ou o preço do produto seria muito alto; ou a manutenção exigida para um bom funcionamento seria muito cara. Esse cenário é conhecido nas empresas como o tal do “business case que não fecha”. Ou então, como ocorre algumas vezes, o produto é tão complicado de usar que, de fato, não será usado. Um engenho genial que… nasceu morto.
Às vezes, a coisa rola de um jeito um pouco diferente: a nova tecnologia nasce no laboratório, a área comercial faz um “business case” redondinho e o produto aparece nas prateleiras das lojas, mas não vende. E não vende porque chegou muito cedo ao mercado. Acontece quando os cientistas pensaram rápido demais e criaram algo que resolve um problema sim, mas o mercado ainda não sentiu o incômodo do problema. Por isso, ainda não percebe a necessidade de uma solução. Eu mesmo já vivi uma situação parecida, quando participei de um desenvolvimento de uma tecnologia que tinha tudo para ser um sucesso, como de fato foi. Só que esse sucesso só aconteceu uns oito anos depois do que havíamos previsto. E quando isso ocorreu eu já estava em outra praia. Chegar muito cedo ao mercado é um preço caro que a Pesquisa & Desenvolvimento em indústria sempre paga por estar na vanguarda.
Mas a situação mais intrigante de todas é aquela em que a ciência e a pesquisa criam uma inovação, a novidade é incorporada a um produto, o produto vai ao mercado, o consumidor compra, mas… não usa.
Parte desse cenário pode ser explicada pelo fascínio da novidade. No mundo da tecnologia, tudo que é novo tem certo fascínio para o consumidor, que se põe com aquela cara meio abobalhada de apaixonado em frente à vitrine da loja, encantado com a novidade. E da paixão à compra é só uma questão de dinheiro. Aperta a despesa daqui, puxa uns trocados dali, estica o débito no cartão de crédito e pronto! Lá está o consumidor com uma nova engenhoca que ele acha d-e-m-a-i-s! É a ultima novidade! É a entrega de si ao fascínio do canto de sereia da tecnologia. Passa um tempo e o nosso amigo (a) nota que a coisa está lá, mas é pouco usada. Querem um exemplo? A discagem de celulares por comando de voz! É bem provável que todos os celulares de quem lê este artigo tenham incorporado a tecnologia que permite discagem por comando de voz. Tipo você dizer “mamãe” e o celular ligar para a sua mama. Recentemente, tive a oportunidade de fazer uma enquete rápida com uma tribo muito acostumada ao uso de tecnologias, principalmente as novas. O resultado foi bem previsível: todos os membros dessa tribo tinham celulares com tecnologia de discagem por comando de voz e… muito pouca gente usava!
E já que usamos tanto o verbo “usar”, é hora de dizer que, nesse mesmo verbo, está boa parte do sucesso – ou fracasso – das novas tecnologias. A conclusão é simples: terá sucesso a nova tecnologia que tiver usabilidade! Usabilidade é a medida da possibilidade de algo ser usado. Algo será usado apenas se for usável. E a gente só vai usar o que nos for útil.
É dessa constatação bem prática que tirei a regra básica para orientar o meu trabalho como cientista no campo da tecnologia: ela só se justifica se estiver a serviço das pessoas. E só vai estar a serviço das pessoas se for útil, portanto usável e assim, ser usada. Do contrário, não voa!
Claro que pessoas são diferentes e, portanto, suas necessidades também são diferentes. Cada um, do mais importante executivo ao mais humilde empregado, tem a sua própria necessidade de usar tecnologia. Colocar a novidade tecnológica a serviço das pessoas é o grande diferencial entre sucesso e fracasso dessa jornada.
Pensando nisso tudo para atender a jornalista citada lá no começo desta nossa conversa, me lembrei de uma situação onde o tal do comando de voz, que ninguém usa, era indispensável e acabou criando uma enorme razão de usabilidade. Lá vai a história, com algumas ilustrações:
O cara era um técnico superespecializado, que trabalhava com manutenção de válvulas complexas. Só que as válvulas estavam quase sempre no topo de torres muito altas. Tipo estas aqui:
Para fazer o seu trabalho, volta e meia o meu amigo superespecializado precisava consultar manuais com detalhes técnicos da válvula na qual ele estava trabalhando. Diagramas mecânicos, circuitos, mapas de construção etc. Sabendo disso, o meu amigo poderia selecionar a ferramenta adequada para trabalhar e fazer tudo melhor e mais rápido. Um detalhe: ele levava um monte de ferramentas penduradas em um cinturão. Estava tudo ali.
Lá em cima da torre venta demais, por isso não dá para levar os manuais, plantas e outras referências técnicas, que normalmente estão impressas em papel. Imagine a situação: manusear um manual no meio da maior ventania? Esqueça!
Do jeito que as coisas eram feitas, o pobre do meu amigo subia na torre e, quando precisava consultar uma informação de manual, tinha que descer, olhar a papelada aqui em baixo e depois subir de novo. Cruel!
Diante dessa situação, uma coisa ficou clara: ali estava uma pessoa com uma necessidade profissional bem específica. A questão era saber se a tecnologia poderia ser útil para essa pessoa.
Com esse quadro na cabeça, fui à luta para encontrar a tecnologia que fosse usável, pudesse ser usada e, portanto, fosse útil nesta situação.
Era óbvio que eu deveria deixar as mãos do meu amigo totalmente livres para ele lidar com as ferramentas. Aí me lembrei da tecnologia que permite o acionamento de um engenho por comando de voz.
O passo seguinte foi encontrar os pedaços necessários para montar um quebra-cabeça. O primeiro deles foi um computador bem pequeno, conhecido como “computador de vestir”. Em Inglês, “wearable computer”. Olha ele aí ao lado.
Viu que este “computador de vestir” tem uma antena? Pois é, esta antena faz com que este pedaço de tecnologia pendurado na cintura do carinha aí à esquerda funcione como um celular. Um computador que liga para outro computador, parecido com o que você faz hoje com o seu Skype.
Um detalhe interessante: quem desenvolveu e mais usa este tal de “computador de vestir” foi o setor militar. Aqui do lado, um soldado usa o seu “computador de vestir”.
Notou que o soldado tem um quadradinho estranho bem em frente do seu olho direito? Sabe o que é isso? Um monitorzinho! Esta caixinha preta tem uma telinha e funciona como um monitor.
Nesta hora, achei que tinha montado o quebra-cabeças por completo! E o esquema todo era assim: os documentos com os detalhes das válvulas serão todos digitalizados. Dependendo da quantidade de informação, o documento digitalizado pode estar no “computador de vestir” ou, então, em outro computador maior em algum outro canto, um servidor. O técnico de manutenção vai usar um “computador de vestir”, que tem um monitorzinho maneiro na frente de um olho. Coloco um microfone no quebra-cabeça e, lá do alto da torre, o técnico usa a voz para acionar o sistema e encontrar o diagrama da válvula, que vai aparecer no monitor bem em frente do seu olho.
Tinha conseguido encontrar uma forma de colocar a tecnologia a serviço de uma pessoa, usando a outra tecnologia de comando de voz, que todo celular tem, mas que pouca gente usa. E tinha certeza que nesse caso, ela seria usada! Porque era usável e seria útil!
O diálogo era mais ou menos assim:
– Lá no alto da torre, o técnico falava no microfone “Válvula TRS34D”. A voz acionava o sistema e o computadorzinho procurava os manuais desta válvula no “computador de vestir”. A imagem do manual aparecia no monitorzinho, na frente do olho do técnico.
– Conhecendo o manual, o técnico agora dizia “Página 70” e lá vai o comando de voz encontrar a página 70, que também aparecia no monitor.
– Se de repente, tem algo que não está armazenado no “computador de vestir”, bastava o técnico comandar por voz “Conectar Servidor” e lá vai o acionamento que conecta o engenho menor no servidor, onde estão mais manuais, diagramas e outros detalhes.
Se funcionou? Sim, mas foi necessário um ajuste. Lá no meio da ventania, o ruído do vento criava uma interferência no microfone e o comando de voz não funcionava direito. A solução deste problema de ruído de fundo tem um nome estranho: laringofone. E laringofone é isto aqui, no pescoço da moça:
É um tipo de microfone que fica colado no pescoço (perto da laringe) e que capta a voz diretamente das cordas vocais. Dá pra falar mais baixo e o ruído externo não prejudica o funcionamento.
Pronto! Com algum esforço, foi possível selecionar a tecnologia que de fato funcionou a serviço de uma pessoa.
Ei, espera aí! Esta história toda complicada aconteceu comigo, que trabalho nesta área. Com você vai ser bem mais simples. É só você se lembrar que a tecnologia que você precisa é aquela que vai servi-lo, por ser útil. Assim, ela será usada, se for usável.
Autor: Época