É possível reverter as intervenções que favorecem as enchentes em SP?

Impermeabilização do solo e ocupações irregulares são agravantes.
Para especialistas, solução não é tentar desfazer distorções do passado

Embora diversas intervenções urbanas, como impermeabilização do solo e ocupações irregulares, sejam responsáveis por agravar as enchentes em São Paulo, arquitetos e engenheiros consultados pelo G1 afirmam que tentar desfazer as distorções do passado não é a solução para o problema.

O caminho, segundo dizem os especialistas, é traçar estratégias com base na situação atual e criar alternativas para o escoamento da água.

A discussão sobre reversão das intervenções urbanas faz parte de uma série de reportagens do G1 sobre um dos principais problemas dos paulistanos atualmente: as causas e consequências dos temporais. 

Na segunda (8), especialistas analisaram se a frequência e a quantidade de chuvas estão fora do comum. Na terça (9), foi a vez de discutir as possíveis influências do aquecimento global. Confira ao lado o cronograma das reportagens.

Na avaliação de Mônica Amaral Ferreira Porto, professora de Engenharia Hidráulica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), algumas intervenções são “irreversíveis”.

“O principal problema é que ocupamos, na maior parte de forma desordenada, as várzeas dos rios. Ou seja, as cidades invadem o espaço do rio, que, cedo ou tarde, toma de volta e ainda com maior freqüência e intensidade, porque agora as quantidades de água afluentes são maiores. Se as várzeas não fossem ocupadas haveria dano? Ou problemas de interrupção de tráfego? A dimensão do dano certamente seria muito menor. O fato é que a ocupação já se deu de forma tão importante – vide por exemplo as marginais do Tietê e Pinheiros e as inúmeras avenidas de fundo de vale – que hoje se tornou irreversível. Portanto, não resta outra alternativa a não ser agir sobre as causas e retardar a chegada das águas aos canais”, diz a engenheira.

Para Mônica Porto, reverter a impermeabilização também não é o caminho. “É impossível eliminar a impermeabilização nas cidades, mas podemos reduzir as áreas impermeáveis criando áreas de infiltração, usando pavimentos permeáveis, ou mesmo criando volumes de retenção, que têm a função de atrasar a chegada da água aos canais. (…) A impermeabilização, numa cidade como São Paulo, é tão grande que jamais estas medidas compensatórias chegarão a compensar totalmente o efeito negativo da impermeabilização. Jamais retornaremos ao comportamento igual ao de uma bacia rural, isto é um fato inexorável.”

“É muito difícil mexer em áreas intensamente urbanizadas com atitudes extremas como a desocupação. O que pode e deve ser feito é a ampliação das áreas de retenção”, avalia a engenheira.

O arquiteto e urbanista Jorge Wilheim, um dos fundadores do Movimento Nossa São Paulo e ex-secretário municipal de Planejamento, também afirma que a reversão das intervenções não deve ser foco na discussão do problema.

“Algumas intervenções são históricas e não dá para voltar atrás. Os fundos de vale foram pavimentados, o esquema de avenidas desde a década de 30. Com avenidas tendo como fundo o vale, com córrego canalizado e coberto por pista asfaltada.”

Wilhem disse não saber se a reversão teria um resultado relevante. “Não saberia dizer que cidades reverteram [as intervenções]. Nem sei se isso seria importante, significativo. Mas acho que a discussão não é essa. Há uma série de coisas que podem ser feitas com base na situação atual”.

Para o urbanista, é preciso ainda medidas para preservar as áreas em que o solo está permeável.

A Prefeitura de São Paulo publicou, no fim de 2009, uma portaria que tem a intenção de preservar a permeabilidade do solo em novas edificações. Para obter o licenciamento para a obra, o construtor precisa manter as características de permeabilidade em 20% da área do terreno. Antes, o percentual era de 15%.

Condição natural

Nos Estados Unidos, um projeto tenta reverter os rios do país ao estado original, em uma tentativa de preservar a natureza e causar menos enchente.

No entanto, a reversão é realizada em áreas muito menos urbanizadas do que São Paulo. Segundo a coordenação do projeto, o objetivo é chegar também, futuramente, aos grandes centros.

Para o engenheiro ambiental Antônio Carlos de Oliveira, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o projeto americano é “uma alternativa saudável”, mas impossível para São Paulo. “Não creio nessa possibilidade por várias razões, mas a principal é a crônica falta de planejamento urbano e as suas distorções.”

Segundo Oliveira, a ocupação das áreas de risco é um dos principais problemas. “Ao longo dos anos, o poder público fez vista grossa a essa situação, de tal forma que o crescimento desordenado dessa ocupação em muito contribui para o aumento dos problemas atuais. (…) Uma ação de retomada dessas áreas pode significar um elevado custo social que poucos administradores poderão ou ousarão pagar”, avalia.

Veja também o material técnico da palestra realizada no Instituto de Engenharia “Enchentes na RMSP“. Material é dividido em oito assuntos.

Autor: G1