A deficiência das baterias
O lançamento do primeiro carro híbrido, o Toyota Prius, em 2001, já é um fato histórico. A história agora se renova com a estreia no mercado dos primeiros carros elétricos esportivos Tesla.
Mas esses sucessos não podem encobrir um “detalhe” nada desprezível: a tecnologia das baterias que estes carros utilizam ainda necessita de melhorias significativas para atender às exigências que os veículos encaram no dia a dia.
O fato é que as baterias de íons de lítio (Li-Ion) dos melhores laptops permitem que eles funcionem por uma hora e meia antes de exigirem uma recarga, que dura duas horas ou mais. E um computador portátil, mesmo podendo ser carregado, funciona parado, é um equipamento estacionário – portanto, com fácil acesso a uma tomada. Já um carro é projetado para cumprir suas funções em total mobilidade.
Indo direto ao ponto: as baterias de hoje são inadequadas para aplicações automotivas.
Baterias tão caras quanto o carro
Ainda há muito trabalho a fazer para que as baterias de lítio tornem-se capazes de alimentar carros urbanos a preços razoáveis. Como o porta-voz da Daimler AG, Matthias Brock, faz questão de salientar, “a questão dos custos é primordial e a bateria é uma parte importante do preço de um carro [elétrico]. Para sermos competitivos, precisamos reduzir o preço das baterias, mas isso ainda vai levar alguns anos.”
De acordo com Paul Nieuwenhuis, especialista em indústria automotiva na Universidade de Cardiff, no Reino Unido, a bateria de um carro híbrido padrão custa cerca de 17.000 euros (cerca de US$25 mil ou R$43 mil), o mesmo montante necessário para construir todo o restante do carro.
“Pode-se supor que, por volta de 2020 e com produção em massa, o custo das baterias terá caído pela metade. Essa produção em massa vai começar com os híbridos plug-in – carros híbridos recarregáveis através de uma tomada elétrica comum -, mas veículos elétricos a bateria “puros” também vão se beneficiar,” diz ele.
Baterias confiáveis
Antes disso, esses veículos devem ganhar velocidade, potência e autonomia. Neste momento, poucos veículos elétricos são capazes de viajar mais do que 60 km com uma única carga. Além disso, muitos desses modelos usam baterias de hidreto metálico de lítio (NiMH).
“Estas são as baterias convencionais para os carros elétricos e são perfeitamente funcionais”, insiste Saiful Islam, da Universidade de Bath, também no Reino Unido. O que é verdade, já que é nelas que se baseiam o Mercedes-Benz Smart Car ou o próprio Toyota Prius.
Neste momento, as baterias NiMH são mais confiáveis e mais baratas do que as baterias de íons de lítio.
No entanto, como explica Saiful Islam, “as baterias de íons de lítio oferecem outros benefícios, particularmente em termos de densidade de energia, que é muito maior para a mesma massa.” Esta capacidade pode ter um impacto significativo sobre o peso das baterias e sobre a capacidade de armazenamento de cada uma das pequenas células que as compõem.
De acordo com Peter Bruce, um especialista em armazenamento de energia na universidade escocesa de St. Andrews, uma bateria Li-ion produz de três a quatro volts por célula, contra um pouco mais de dois volts por célula nos outros tipos. Isto permite reduzir o número de células na bateria e aumentar a densidade de energia. Mas adaptar esse potencial para o uso em massa exige também a melhoria do desempenho de vários outros componentes das baterias.
Contudo, as atuais baterias de íons de lítio têm um grande problema: a falta de confiabilidade. Alguns fabricantes viram seus produtos explodirem em notebooks e telefones celulares. Esse cenário deve ser evitado a todo custo no caso de um veículo em movimento. “Novos materiais são a chave para o progresso nesta área,” prevê Saiful Islam.
Separadores de cerâmica
A empresa química alemã Evonik Degussa GmbH está tentando resolver este problema através do projeto Li-Tec, o resultado de uma parceria comercial com a Daimler AG.
Os engenheiros da Evonik desenvolveram um novo material chamado Separion® para produzir o filme separador, que é um dos principais componentes das baterias. Como o próprio nome sugere, ele separa os dois eletrodos, o anodo (+) e o catodo (-), através dos quais circula o fluxo de íons de lítio, e, portanto, a corrente elétrica. Uma das funções do separador é evitar curtos-circuitos, sendo ao mesmo tempo suficientemente permeável e poroso para permitir a passagem dos íons em movimento.
Os separadores são geralmente compostos de membranas de polímeros semipermeáveis, à base de polietileno ou polipropileno. Mas estes materiais são inflamáveis e só são estáveis até 140 °C. No caso de um excesso de carga, o separador pode superaquecer, derreter e provocar um curto-circuito, eventualmente ocasionando uma explosão.
A inovação da Evonik foi a introdução de separadores formados parcialmente por compostos de cerâmica, que são duros, mas ainda suficientemente flexíveis para permitir a perfuração de pequenos poros através dos quais os elétrons podem fluir.
A ideia não é nova, mas a Evonik resolveu algumas de suas limitações. “As cerâmicas eram muito frágeis e, portanto, era difícil usar um separador exclusivamente composto por este material”, diz Volker Hennige, diretor do projeto Li-Tec. Os engenheiros então inventaram um novo material compósito no qual um polímero não-tecido serve como substrato de apoio e é misturado com pó de cerâmica.
“Em células pequenas, como as de um laptop, você pode usar 100% membranas de polímeros, já que não há nenhum problema sério de segurança. Este problema surge apenas com as células maiores, que são essenciais para fabricar carros elétricos a preços competitivos,” diz Volker Hennige.
Novas tecnologias das baterias de lítio
O atual modelo do novo Roadster, o carro elétrico esportivo da Tesla, um fabricante localizado na Califórnia (EUA) também contém milhares de pequenas células, em vez de um pequeno número de células maiores, principalmente para reduzir o risco de uma explosão nas baterias. Esta preocupação com a segurança reflete-se parcialmente no preço do carro: mais de US$120.000,00.
“Os materiais usados até agora para o catodo impedem a produção de baterias em grande escala,” diz Saiful Islam. Um dos objetivos das pesquisas é projetar catodos capazes de armazenar mais energia por meio do aumento do seu teor de lítio. E isso exigirá a utilização de novos materiais.
Em uma bateria Li-ion, quando os dois eletrodos são conectados ao circuito, libera-se energia química. Os íons de lítio fluem do catodo para o anodo quando a bateria estiver sendo carregada, e do anodo para o catodo durante a descarga.
Quando o anodo é feito de grafite, o catodo é composto principalmente por uma camada de óxido metálico, como o óxido de lítio-cobalto, ou de materiais baseados em poliânions, como o fosfato de ferro-lítio ou espinelas de óxido de magnésio e lítio. Desses materiais, o óxido de lítio-cobalto é o mais comum.
No entanto, como salienta Saiful Islam, “o cobalto traz problemas de preço e toxicidade”.
Para substituir o óxido de cobalto e permitir o desenvolvimento em grande escala de baterias para aplicações automotivas, os cientistas têm concentrado seus esforços nos óxidos à base de ferro, níquel ou manganês, assim como nos catodos de fosfato de ferro-lítio (LiFePO4). Este último apresenta uma maior resistência ao calor e às correntes elétricas de alta intensidade.
Pesquisas ainda mais futuristas estão tentando livrar-se totalmente do catodo de cobalto, em uma bateria de lítio-ar na qual o lítio entra no eletrodo e reage com o oxigênio para formar óxido de lítio.
Os primeiros resultados sugerem que esta abordagem torna possível armazenar mais energia do que com as baterias tradicionais de íons de lítio. Peter Bruce fala em até 5 ou 10 vezes mais – veja detalhes em Bateria a ar pode durar 10 vezes mais que baterias de lítio e Bateria de ar-silício é a mais nova opção para armazenamento de energia.
Investimentos nos carros elétricos
As pesquisas atuais parecem promissoras, ainda que leve mais uma década até que a tecnologia dos veículos elétricos possa competir com as vantagens da tecnologia dos motores de combustão interna. Mas os esforços estão agendados.
Em março de 2009, a Comissão Europeia destinou um bilhão de euros para o desenvolvimento de carros verdes como parte do Green Cars Initiative, que é parte integrante do seu plano de recuperação econômica pós crise financeira. Uma parcela desses recursos foi destinada para as pesquisas de baterias de alta densidade, motores elétricos, redes de distribuição de eletricidade inteligentes e sistemas de recarga de veículos.
Segundo um estudo realizado pelo banco HSBC, governos de todo o mundo estão fornecendo € 12 bilhões em estímulos para veículos com baixas emissões de carbono. A maior parte desse montante foi destinada à pesquisa e desenvolvimento de baterias mais leves e carros híbridos plug-in, bem como em créditos ou restituições de impostos para consumidores que comprarem veículos novos e de baixa emissão.
Mas é preciso fazer ainda mais. Segundo Lew Fulton, especialista da Agência Internacional de Energia (AIE), se conseguirmos reduzir o custo das baterias para € 380 por kilowatt/hora, um carro híbrido conectado à rede elétrica, com um alcance de 50 km, custaria apenas cerca de € 3.000 a mais do que um modelo híbrido não-conectado – no qual a bateria é recarregada pelo motor a combustão e pela energia regenerativa dos freios.
“Colocar na estrada 2 milhões de carros híbridos conectados ao ano até 2020 exigiria, portanto, um custo adicional de € 8 bilhões por ano. As pesquisas de baterias e veículos elétricos em geral deverão custar outras várias centenas de milhões de euros por ano se pretendermos desenvolver também carros elétricos puros,” disse Lew Fulton.
O desafio da eletricidade para os carros elétricos
Desenvolver sistemas de transmissão e distribuição de eletricidade adaptados à era dos carros elétricos e híbridos é outro desafio.
Será necessário aumentar a capacidade de produção de energia? Poderia o desenvolvimento de uma rede inteligente de distribuição de energia – usando a tecnologia da computação para monitorar o consumo minuto a minuto – ser suficiente para abrir o caminho para uma utilização ampla dos veículos elétricos?
Recarregar carros acionados por energia elétrica irá, certamente, aumentar a demanda de energia. Mas estes carros também poderão ser utilizados para injetar eletricidade de volta na rede. Uma vez que isto já é possível com as baterias de chumbo, seria fácil estabelecer uma interligação entre a rede de eletricidade e a frota de carros elétricos.
Três rotas paralelas
Qualquer que seja a perspectiva que se adote, o desenvolvimento futuro dos veículos elétricos é uma meta muito ambiciosa e vai exigir, em primeiro lugar, enormes investimentos.
Na Europa, uma parte do financiamento para o Green Cars Initiative é também dedicada a criar motores a combustão mais limpos e eficientes, o que é, sem dúvida, um caminho mais fácil de seguir. Mesmo assim, muitos fabricantes de automóveis abraçaram o conceito dos carros elétricos.
Matthias Brock, da Daimler AG prevê a criação de três rotas: “Os carros elétricos poderiam ser usados na cidade, dada a sua autonomia mais limitada. Para distâncias maiores, os motores de combustão interna continuarão sendo a forma mais popular de transporte. Mas também estamos dando atenção às células de combustível por causa de sua neutralidade total de emissões de carbono.”
A General Motors também adotou a ideia de carros elétricos. Apesar da crise, a empresa está planejando lançar na Europa um novo veículo híbrido, chamado Opel Ampera, já em 2011. “A produção do Ampera irá em frente aconteça o que acontecer”, diz Craig Cheetham, porta-voz da montadora americana.
O aumento das vendas e a melhoria da imagem da Toyota desde o lançamento do Prius certamente deu água na boca da GM. Este ingrediente inovador, que está atraindo a atenção em todos os salões de automóveis ao redor do mundo, combinado com o crescimento a longo prazo nos preços do petróleo, sem dúvida, anuncia mudanças à frente.
Autor: Elisabeth Jeffries, escreve para publicações como The Times, Guardian e Economist Group