Há mais de 2,3 mil anos, Aristóteles errou. Agora, no ano passado, um turbilhão de atividades acadêmicas está de repente se aproximando de uma resposta para um problema similar à pergunta de quantas pessoas cabem em um fusca da Volkswagen ou em uma cabine telefônica. Com a diferença de que, nesse caso, os matemáticos não têm pensado no agrupamento de pessoas, mas de sólidos geométricos conhecidos como tetraedros.
“É extraordinária a quantidade de artigos escritos sobre isso no ano passado”, disse Henry Cohn, matemático da Microsoft Research New England. O tetraedro é um objeto simples de quatro lados, cada um, um triângulo. Para o problema do agrupamento, pesquisadores estão observando os chamados tetraedros regulares, cujos lados são idênticos a um triângulo equilátero. Jogadores de Dungeons & Dragons reconhecem esse formato triangular de pirâmide em um dado usado no jogo.
Aristóteles equivocadamente acreditava que tetraedros regulares idênticos agrupados perfeitamente, como cubos idênticos, não deixavam espaços entre eles, preenchendo 100% do espaço disponível. Mas não é o que acontece, e 1,8 mil anos se passaram para que alguém apontasse que ele estava errado. Mesmo depois disso, o agrupamento de tetraedros atraiu pouco interesse. Mais séculos se passaram.
Um enigma similar sobre qual a melhor forma de agrupar esferas idênticas possui uma história mais célebre. Aqui, a resposta era óbvia. Elas devem ser empilhadas como laranjas no supermercado (com uma densidade de agrupamento de 74%), e foi isso que Johannes Kepler conjecturou em 1611. Mas provar o óbvio levou quase quatro séculos, até Thomas C. Hales, um matemático da Universidade de Pittsburgh, conseguir esse feito em 1998 com a ajuda de um computador.
Com os tetraedros, o melhor arranjo de agrupamento não é óbvio, e depois de ter sido constatado que os tetraedros não se agrupavam perfeitamente, ficou a impressão de que eles não se agrupavam bem de maneira alguma. Em 2006, dois pesquisadores da Universidade de Princeton, Salvatore Torquato, um químico, e John H. Conway, um matemático, relataram que a melhor forma de agrupamento encontrada por eles preenchia menos de 72% do espaço – um agrupamento mais espaçado do que o das esferas.
Isso contestava a conjectura matemática de que, entre os chamados objetos convexos (sem cavidades, buracos ou orifícios), as esferas teriam o agrupamento ideal mais espaçado.
O artigo de Princeton levou Paul M. Chaikin, professor de física da Universidade de Nova York, a comprar centenas de dados tetraedros e pedir a um aluno do ensino médio que enchesse aquários de peixes e outros recipientes com eles. “Imediatamente, percebemos que conseguíamos um agrupamento maior do que 72%”, disse Chaikin, que havia trabalhado anteriormente com Torquato no agrupamento de esferas achatadas, ou elipsóides. (Descobriu-se que as esferas achatadas têm um agrupamento mais denso do que as esferas regulares.)
O artigo de Princeton também levou Jeffrey C. Lagarias, professor de matemática da Universidade de Michigan, a pedir que Elizabeth Chen, uma de suas alunas de mestrado, estudasse o agrupamento de tetraedros. Chen se recorda do que Lagarias lhe disse: “Você precisa superá-los. Se você superá-los, será muito bom para você.”
Chen examinou centenas de arranjos ao longo das semanas subsequentes, e, ela disse, “vários deles se destacaram pela alta densidade.” Seu melhor arranjo facilmente superou o de Conway e Torquato, com uma densidade de agrupamento de quase 78%, superior ao das esferas.
“Na verdade, nem meu orientador acreditou em mim¿, Chen se lembra. Depois de produzir modelos físicos dos tetraedros e demonstrar os padrões de agrupamento, ela convenceu Lagarias de que seus agrupamentos eram tão densos quanto ela havia afirmado e finalmente publicou sua descoberta há um ano.
Enquanto isso, Sharon C. Glotzer, professora de engenharia química, também da Universidade de Michigan, estava interessada em descobrir se os tetraedros podiam se agrupar como cristais líquidos. “Nos envolvemos nisso porque estávamos tentando desenvolver novos materiais com propriedades ópticas interessantes para a Força Aérea”, ela disse.
Glotzer e seus colegas criaram um programa de computador que simulava o agrupamento dos tetraedros e seu arranjo sob compressão. Em vez de cristais líquidos, eles descobriram estruturas complexas de quasicristais, com padrões quase, mas não exatamente, repetidos. “Essa foi a coisa mais surpreendente e maluca”, Glotzer disse.
Examinando os quasicristais, eles conseguiram encontrar uma estrutura periódica que representou outro salto na densidade de agrupamento: superior a 85%. No mês passado, quando essa descoberta ficou pronta para publicação na revista Nature, um grupo da Universidade Cornell, usando um método de pesquisa diferente, encontrou outro agrupamento com densidade similar.
Mas enquanto a estrutura de Glotzer era surpreendentemente complexa ¿ um padrão de repetição formado por 82 tetraedros ¿, o cristal da Cornell era surpreendentemente simples, com apenas quatro elementos. Também é surpreendente para os pesquisadores o fato dos tetraedros nas simulações de Glotzer tenderem a estruturas complexas de quasicristais quando o melhor agrupamento é na verdade uma estrutura muito mais simples.
“Isso faz parte da surpresa em relação a isso”, disse Cohn, da Microsoft Research. “Cada um desses agrupamentos parece muito diferente.” Alguns dias antes do Natal, Torquato e Yang Jiao, aluno de mestrado, relataram que haviam ajustado a estrutura da Cornell, aumentando ligeiramente a densidade de agrupamento para 85,55%.
“Ficaria chocado se esse agrupamento atual fosse o mais denso”, Torquato disse em entrevista na semana passada. “Ele é apenas o mais denso por enquanto.”
Torquato não precisa ficar chocado. Na segunda-feira, Chen, aluna de mestrado da Universidade de Michigan, divulgou um novo avanço, que descreve uma família de agrupamentos que incluem as últimas estruturas de Cornell e Princeton. Mas ele também inclui um melhor agrupamento. O cálculo foi verificado por simulações do grupo de Glotzer. O novo recorde mundial de densidade de agrupamento de tetraedros: 85,63%.
Autor: The New York Times