A expressão “túnel sobre o mar” já foi alvo de ironias em Santos. Pois túnel geralmente fica “sob” alguma coisa, ou “dentro” dela. E quando se fala de ligações através do estuário de Santos (eternamente projetadas, mas que nunca saem do papel…), não há muito espaço para invenções: um túnel tem de ser sob o leito do canal e uma ponte necessariamente será elevada bem acima das águas, para que os navios em demanda do porto passem sob ela.
Mas, nos países nórdicos, a questão é diferente. Precisava ser feita uma ligação entre Kastrup (na costa dinamarquesa) e Lernacken (no litoral sueco), atravessando 16,4 km do estreito de Øeresund e tendo como pontos extremos as capitais da Suécia (Estocolmo, via Malmö) e Dinamarca (Copenhague). Os dois países têm legislações ambientais severas e diferentes entre si. A curiosa solução: uma ponte que vira túnel. Ou um túnel que vira ponte: a Great Belt Bridge (Ponte do Grande Cinturão), inaugurada em julho de 2000. Nem tão original: na baía de Chesapeake, nos Estados Unidos, também existe uma obra assim, o Chesapeake Bay Bridge-Tunnel – inaugurado em 1964 (e duplicado em 1999).
Em terra – No território dinamarquês, a ligação binacional inclui 18 km de linha ferroviária dupla eletrificada – desde a costa (onde fica o aeroporto) bifurcando-se até a estação central de Copenhague e até Vigerslev -, bem como uma rodovia de 9 km da costa até o Amager ocidental, ambas construídas pela A/S Øresund. Esse corredor de tráfego, que chega a 100 metros de largura em certos trechos, atravessa principalmente áreas residenciais densamente povoadas, daí a grande ênfase no planejamento de pontes, paisagismo e vegetação em todo o percurso. Automóveis e trens são ocultos por grandes barreiras verdes, ou rodam em túneis. Mais de 350 mil árvores e arbustos foram plantados nas margens desse corredor.
No litoral sueco, a chamada Linha Continental, com um século de existência, foi uma importante artéria para todo o tráfego ferroviário entre a Estação Central de Malmö e o litoral do Øresund, até a inauguração do Túnel Urbano (City Tunnel). Para receber o crescente tráfego ferroviário, a Linha Continental foi ampliada para suportar trens de alta velocidade e dupla altura. Por razões de segurança, todas as conexões com o sistema rodoviário são isoladas. Num corredor de 90 metros de largura entre Lernacken e Lockarp, a ferrovia segue entre as duas pistas da rodovia (Outer Ring Road), e esta continua por mais 10 km a Nordeste de Malmö, até se juntar a outras vias expressas (E6/E22) na junção Kronetorp.
Artificiais – O trecho mais significativo da obra é a conexão dessas duas redes viárias através do estreito Øresund. Para atender às questões ambientais, foi criada a ilha artificial de Peberholm – perto da costa dinamarquesa, ao Sul de Saltholm -, que recebe o tráfego da ponte de 7,849 m (dividida em três partes: ponte ocidental com 3,014 m, desde essa ilha artificial até a ponte central (High Bridge, com 1,092 m), e ponte oriental, com 3,739 m, ligando o trecho central à costa sueca.
A ilha artificial, com 4,055 m de extensão, abriga a boca dos túneis submarinos que ligam a ponte à planície dinamarquesa, e foi construída com o material dragado durante as obras das fundações da ponte no leito do Øresund. Foram usados nessa obra 1,6 milhão de metros cúbicos de pedras e 7,5 milhões de metros cúbicos de areia. As pedras foram usadas para formar o contorno da ilha, formando um enrocamento protetor contra as marés. O interior da ilha foi dividido em áreas de sedimentação, preenchidas uma por uma com o material dragado.
Além da ilha, foi também criada uma península artificial em Kastrup, construída pela Øresund Marine Joint Venture (OMJV), com 900 metros quadrados (também com material dragado do leito do Øresund), destinada a acomodar o portal do túnel submarino.
No mar – Para cruzar a baía, atravessando o canal de navegação Flintraennan, foi construída uma ponte principal estaiada, suportada por quatro pilares (204 m acima do nível do mar), cada par apoiado sobre um caixão pneumático compartilhado. Esses caixões são de concreto, apoiados em pilares enterrados de 13 a 28 m abaixo do nível do mar e com ilhas artificiais protetoras, destinadas a prevenir colisões de navios. Traves mestras sob o vão da ponte também conectam os quatro pilares. O trecho do vão principal é suspendido por 80 pares de cabos, ligados aos pilares a intervalos de 12 metros. O maior vão livre é de 490 m de comprimento e 55 m de altura, para o canal de navegação.
Na ponte de acesso oriental, 27 vãos estão distribuídos pelos 3.739 m de comprimento. Desses, 24 têm 140 m de comprimento e os demais têm 120 m de comprimento. Na ponte de acesso ocidental, de 3.014 m, há 18 vãos de 140 m e quatro de 120 m de comprimento. O formato curvo da ponte é o resultado de mudanças graduais nos ângulos das juntas entre os vãos da ponte. As pistas são suportadas por 51 pilastras, enterradas uns 15 m sob o nível do mar e cercadas por ilhas protetoras. Um viaduto na ilha artificial transfere o tráfego rodoviário da plataforma superior para nova posição próxima à ferrovia. O viaduto tem 560 metros de comprimento em estrutura de concreto, produzida no próprio local em seções de 30 metros.
A parte ocidental do Øresund Link é um túnel de 4 km entre a ilha artificial e a península artificial em Kastrup. É o mais comprido túnel submerso para tráfego rodo-ferroviário do mundo, consistindo de 20 elementos. É formado por quatro tubos, incluindo os túneis rodoviário e ferroviário, uma galeria para evacuação de emergência, dutos e outras instalações. Possui zonas de transição e portais para acostumar o viajante à luz diurna ao emergir. As paredes do túnel são à prova de fogo e há saídas de emergência a intervalos de 88 metros.
Em Lernacken ficam as cabines de pedágio, 11 em cada direção, tendo cada cabine capacidade atender até 200 veículos por hora. Duas cabinas são reservadas para pagamento por meio eletrônico, com a passagem direta de veículos particulares a até 50 km/hora (o que permite atender a 800 veículos/hora) numa delas, enquanto a outra é destinada a veículos oficiais. Nesse local também ficam os escritórios administrativos, policiais, aduaneiros e o centro de controle do tráfego.
O investimento total foi de US$ 1,46 bilhão, incluindo US$ 483,5 milhões para o túnel, US$ 170 milhões para a ilha artificial e US$ 765,3 milhões para as pontes. Participaram da obra empresas da Alemanha, Holanda, EUA, França e dos países contratantes.
Carlos Pimentel Mendes é editor do jornal eletrônico Novo Milênio
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Autor: Jornal Perspectiva por Carlos Pimentel Mendes