Universitários de todo o país participam de competição de projetos de aeromotores

Desafio dos 1,3 mil universitários que participaram da 11ª SAE Brasil AeroDesign era fazer os aviões voarem e fazê-los carregar o máximo de carga possível 

Por muito tempo, voar como pássaros foi um sonho perseguido com fervor por grandes inventores, como os irmãos Wright e o brasileiro Santos Dumont. No entanto, mesmo um século depois de o feito ter sido concretizado, e a distância que separava o homem do céu ter praticamente sumido, muita gente não tira a cabeça das nuvens. É o caso de 1,3 mil universitários que participaram, no último fim de semana, da 11ª Competição SAE Brasil AeroDesign, promovida pela Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), em São José dos Campos (SP). Realizado todos os anos, o evento reúne estudantes de todo o país (além de alunos da Venezuela, do México e da Índia), que submetem os seus aeromodelos a provas baseadas em desafios reais da indústria aeronáutica. 

O diretor da competição, André Schepop explica que o evento tem o intuito de incentivar o aprendizado de futuros engenheiros, que, além de técnicas para a fabricação de pequenos aeromotores, desenvolvem importantes habilidades, como a convivência em equipe, a administração de despesas e de problemas e a troca de conhecimentos. “É uma competição que leva em consideração todos os aspectos relacionados à engenharia aeronáutica”, diz.

Neste ano, a competição foi dividida em três categorias. Na classe aberta, não há restrições quanto ao tamanho das aeronaves ou ao número de motores instalados, desde que a soma das cilindradas dos motores esteja entre 15,08cc e 19,9cc. Na classe regular, os aviões são monomotores, com cilindrada padronizada em 10cc. Para essa categoria, a mais prestigiada do evento, o regulamento impõe restrições geométricas que delimitam as dimensões máximas das aeronaves — devem ser capazes de decolar em uma pista de 30,5m ou 61m, que pode ser escolhida de acordo com a estratégia da equipe. Por último, a classe micro não impõe restrições geométricas aos projetos, nem ao número de motores, porém a equipe deve ser capaz de transportar a aeronave dentro de uma caixa de 0,125m³. Ao todo, participaram 91 equipes.

Criatividade
Os times desenvolveram aviões radiocontrolados e projetados pelos próprios estudantes, com a ajuda de professores orientadores. No entanto, a cada ano que passa, o regulamento da competição é modificado para criar novos desafios e proporcionar uma maior concorrência entre os alunos, que têm que saber balancear criatividade e conhecimento para lidar com os diferentes conflitos que surgem no desenvolvimento de um projeto. “Você não tem uma resposta única e trivial para as questões. Os estudantes têm que buscar, dentro de diversas possibilidades, a melhor combinação de materiais de diferentes características para conseguir obter um modelo competitivo”, assinala Schepop.

A competição teve início com a etapa de análise de projeto, na qual as equipes têm suas propostas avaliadas e questionadas por comissões de juízes que integram o comitê técnico, formado por engenheiros da indústria aeronáutica. Depois disso, chegou a vez de os times colocarem os aviões na pista de decolagem e mostrarem o que cada modelo tinha de especial. O objetivo é o mesmo todos os anos: passar por baterias onde os aviões devem demostrar ser capazes de decolar e transportar o máximo de carga útil (simuladas por barras de chumbo).

O nível técnico dos projetos chamou a atenção da comissão técnica. Além de utilizarem madeira leve, como balsa, os estudantes recorreram a outros componentes, como fibra de carbono e materiais compostos. “É uma tendência próxima das aplicações utilizadas pela indústria aeronáutica”, analisa Schepop.

Do DF
A equipe Draco Volance, da UnB, foi uma das que participaram do evento. Depois de 10 meses de preparação, os 18 integrantes do time de Brasília desenvolveram um avião para disputar a categoria regular. Para diminuir os custos de fabricação do projeto voador, eles importaram o motor e a fibra de carbono, encontrados mais baratos no exterior. Componentes de alumínio aeronáutico também foram utilizados, principalmente nas rodas. Já na confecção de partes do corpo do aeromotor, como asas e cauda, os alunos recorreram a saídas bem mais econômicas e criativas: isopor e fita adesiva. “Conseguimos deixá-lo com um bom peso e resolvemos problemas de isolamento das diferentes partes do avião”, explica Lucas Murelli Silveira, 21 anos, estudante de engenharia da UnB e integrante da Draco Volance.

Pesando 3,2kg, o avião made in Brasília conseguiu carregar 9,2kg — quase o triplo do seu peso. “A parte mais difícil desse tipo de competição é fazer os ajustes necessários para o projeto conseguir voar da melhor maneira possível. Na universidade, criamos várias propostas, mas raras vezes as colocamos em prática. No evento, entretanto, tivemos que fazer ajustes seguidos nos nossos planos para adequar a realidade do avião”, comenta Lucas. No fim, a equipe, que gastou um total de R$ 5 mil para montar o modelo, ficou em 9º e 11º lugares (nas etapas de projeto e de voo).

A equipe da Universidade Federal de Minas Gerais, que trouxe estampado o sugestivo nome de Uai sô fly, levou aos céus um conhecido super-herói que tem como símbolo um animal que se dá muito bem nas alturas. Batizado de Batman, o avião dos estudantes mineiros também abusou de materiais leves, como fibra de carbono, de vidro e de aramida, além de madeira de balsa e nylon. “Nossa intenção foi deixar o projeto o mais leve possível, já que a eficiência estrutural(1) é muito importante”, explica a estudante de engenharia mecânica aeronáutica Mariana Gonçalves, 22 anos. A equipe, veterana na competição, já conquistou duas vezes o troféu do torneio. Nessa edição, eles ficaram com o terceiro lugar, ao fabricarem um modelo de apenas 2kg, que conseguiu levantar voo com 10kg em barras de aço. 

O primeiro lugar da categoria regular ficou com a mineira Cefast, do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (Cefet). A equipe investiu num relatório detalhado do modelo e em testes de voo com sistema de telemetria. Valeu o esforço. O time conseguiu transportar 13,495kg de carga útil e garantiu a vaga para representar o país no mundial de aerodesign que é disputado nos Estados Unidos. 

Na classe aberta, a equipe EESC USP Charlie Open, da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, sagrou-se tetracampeã na competição, ao carregar 20,6kg. Na classe micro, a grande novidade da competição, a equipe EESC-USP Mike, também de São Carlos, sagrou-se campeã ao alçar voo carregando 1.075kg de carga.

1- Vale o que pesa
O valor da eficiência estrutural surge do cálculo da carga útil sobre o peso da aeronave. Para efeito de comparação, na aviação real a eficiência fica entre duas e três vezes o valor do peso de um avião. No entanto, nos projetos de aerodesign apresentados durante a competição esse valor chega a ser até cinco vezes o peso dos modelos.

Os aviões radiocontrolados que participam da SAE Brasil AeroDesign devem seguir alguns quesitos. Veja quais as características, por exemplo, da categoria regular:

Participação
Somente estudantes de graduação de engenharia, física ou ciência aeronáuticas filiados ao SAE Brasil

Dimensões
As aeronaves têm restrições dimensionais que, quando somadas (comprimento x altura x envegadura máxima) devem somar entre 4,5m e 6,35m

Asas
Somente aeronaves de asas fixas podem competir, e é proibido modelos que funcionem por flutuação de gases mais leves que o ar. Girocópteros também são proibidos

Compartimento
Os aviões devem ter um compartimento para carga capaz de carregar um paralelepípedo imaginário com dimensões mínimas de 400mm x 120mm x 100mm

Motor
A única forma de propulsão do avião permitida é por motor. Dois modelos (utilizados em aeromodelos) são pré-definidos pelo regulamento e alcançam 10 cilindradas

Peso
Não existe exigência para o peso dos modelos. Cabe à equipe criar um avião que consiga voar e levar o máximo de peso possível

Autor: Correio Braziliense