O primeiro laboratório de astrobiologia no Brasil será inaugurado no início de 2010, vinculado ao Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP). As instalações ficarão no Observatório Abrahão de Moraes, em Valinhos (SP).
Astrobiologia é o estudo da origem, da evolução, da distribuição e do desenvolvimento da vida no Universo. Esse campo de pesquisas inclui a busca por locais habitáveis no Sistema Solar e em outros planetas e luas, conhecidos como exoplanetas e exoluas.
É por isto que a astrobiologia é também conhecida como exobiologia. Outra denominação comum é bioastronomia. O campo é multidisciplinar e envolve contribuições da astronomia, biologia molecular, química, meteorologia, geofísica e geologia.
Simulação de ambientes espaciais
A maior novidade do projeto brasileiro será a instalação da primeira câmara de simulação de ambientes espaciais do hemisfério Sul, que já está sendo construída no local.
O equipamento, que reproduz condições e ambientes extraterrestres, deverá entrar em funcionamento no segundo semestre de 2010. “Com a câmara, conseguiremos simular parâmetros de ambientes fora da Terra, como as condições do espaço ou de outros planetas”, afirma Douglas Galante, coordenador do projeto.
“Se precisamos entender como um organismo vivo sobreviveria em Marte, por exemplo, é possível recriar as características marcianas, controlando variáveis como temperatura, composição gasosa, pressão atmosférica e radiação ultravioleta, de modo que as amostras inseridas dentro da câmara são acompanhadas por detectores”, explicou o pesquisador do Departamento de Astronomia do IAG.
Vida fora da Terra
O objetivo é que o laboratório seja usado pela comunidade científica nacional e internacional em pesquisas teórico-experimentais, contribuindo para o avanço do conhecimento em questões diversas da astrobiologia.
Entre elas estão a possibilidade de existir vida fora da Terra, a origem da vida no planeta e o futuro da vida na Terra e em outros corpos celestes. “A única certeza que temos hoje é que existe vida na Terra, ainda que não saibamos de que forma ela surgiu. Sabemos também que talvez tenha existido vida em Marte no passado, quando lá havia água mais abundante”, disse Galante.
“Várias sondas trabalham naquele planeta para tentar identificar esses indícios de vida. Isso mostra que estamos apenas engatinhando no entendimento de como a vida surge, evolui e algum dia pode se extinguir, na Terra e fora dela”, afirmou.
Extremos da vida
Na câmara de simulação planetária serão realizados, em um primeiro momento, experimentos com os extremófilos, microrganismos que servem de modelo para diversas pesquisas por serem capazes de sobreviver em condições ambientais extremas, como a ausência de luz solar ou níveis muito altos ou baixos de pressão, temperatura, água e oxigênio.
“Os extremófilos vivem em alta pressão no fundo dos mares, em ambientes extremamente frios e também em locais muito quentes, como em fontes geotermais, além de ambientes com alta radiação. Se esperamos encontrar vida em Marte, muito provavelmente ela será bem-parecida com a desses microrganismos”, diz Galante.
Os pesquisadores do IAG mantêm amostras de extremófilos em laboratório e atualmente já estudam esses microrganismos em equipamentos de simulação do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas (SP).
Outras formas de vida
“Com a câmara de simulação de ambientes espaciais queremos pegar também amostras ambientais aqui da Terra e testá-las para ver se encontramos novos organismos resistentes semelhantes aos extremófilos”, aponta Galante. Para isso, a partir do início de 2010, os pesquisadores estudarão amostras da Antártica e do deserto do Atacama, no Chile, para tentar descobrir novos organismos que também possam existir em outros planetas.
“Além da simulação de ambientes extraterrestres, a câmara também poderá ser usada em estudos tecnológicos e aplicados, como na área de ciência dos materiais, visando ao desenvolvimento de equipamentos que podem ser usados no espaço por satélites”, afirmou.
Planetas parecidos com a Terra
Além das sondas espaciais e dos robôs que já estão procurando por formas de vida em Marte e na Lua, a procura por planetas semelhantes à Terra fora do Sistema Solar constitui um elemento-chave nos esforços da astrobiologia.
Desde a descoberta do primeiro planeta extrassolar, feita pelo astrônomo suíço Michel Mayor, em 1995, no Observatório de Haut Provence, na França, já foram encontrados mais de 300 outros. No entanto, devido às limitações dos métodos atuais de detecção desses corpos – medição da velocidade radial da estrela à qual estão ligados -, a maioria deles tem sido do tamanho ou maior do que Júpiter, maior planeta do Sistema Solar. Ou seja, os planetas encontrados são muito maiores do que a Terra.
“Parece que a tecnologia está chegando a um ponto crítico. Mas acredito que em dois anos seremos capazes de encontrar o primeiro planeta de massa equivalente à da Terra ainda usando o método tradicional de mensuração de velocidade radial”, disse Mayor, professor do Departamento de Astronomia da Universidade de Genebra.
“Está se tornando cada vez mais claro que planetas com massa inferior à de Júpiter são comuns no Universo”, afirmou o astrônomo que, depois de descobrir o primeiro planeta fora do Sistema Solar – na órbita da estrela 51 Pegasi (a 47,9 anos-luz da Terra) -, já detectou mais de 150 orbitando outras estrelas, muitos compondo sistemas multiplanetários.
Técnicas indiretas
No método da medição da velocidade radial de estrelas, detecta-se a existência de um planeta ao se observar uma alteração no ritmo dessa aceleração. Na maioria dos casos, não se pode ver o planeta. Sua existência é deduzida de acordo com a diminuição ou aumento na velocidade estelar.
Assim, quanto maior for a velocidade da estrela, maior o planeta. A dinâmica é explicada por Augusto Damineli, professor do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo (USP).
“A estrela obriga o planeta a girar em torno dela. O planeta, por sua vez, pela Terceira Lei de Newton, o princípio da ação e reação, reage e obriga a estrela a se mover também. Os dois orbitam em torno de um ponto comum, e quanto maior a massa do planeta, maior a velocidade da estrela. Assim, indiretamente se deduz a existência do planeta”, explicou.
Segundo ele, a dificuldade de se achar um planeta do tamanho da Terra com esse método é que ele produz uma pequena reação na estrela, tornando difícil a mensuração de sua velocidade. Uma gama de planetas foi detectada usando esse método, mas as expectativas para o futuro são grandes.
O método de detecção pela técnica do trânsito – também chamado de método de ocultação – poderá vir a ser mais preciso na busca por planetas menores. Quando o planeta se encontra na conjunção inferior e passa na frente do Sol, visto da Terra, diz-se que está em trânsito.
Por isso, a abordagem do método de ocultação é simples: “Quando o planeta está em trânsito e passa na frente da estrela na qual orbita, esta dá uma 'apagadinha' e ele pode ser, então, detectado”, disse Damineli no mês passado, durante a 27ª Assembleia da União Astronômica Internacional (UAI), no Rio de Janeiro.
Zona habitável
As expectativas são grandes em torno de dois projetos atuais de caça a planetas, ambos usando o método do trânsito: a missão euro-brasileira Corot e a missão norte-americana Kepler – veja Telescópio espacial Kepler vai começar busca por outras Terras.
Apesar das dificuldades tecnológicas, este ano um planeta duas vezes maior que a Terra foi descoberto na órbita de uma das estrelas mais próximas à Terra – a Gliese 581, distante 20,5 anos-luz – por meio do espectrógrafo Harps, um dos maiores caçadores de planetas extrassolares, instalado no telescópio de 3,6 metros do European Southern Observatory (ESO), no deserto de Atacama, em La Silla, no Chile.
O planeta também se localiza no que os astrônomos chamam de “zona habitável”, onde, supostamente, pode existir água oceânica. Baseando-se em uma projeção da temperatura à superfície, astrônomos apontam que esse poderá ser o primeiro planeta extrassolar semelhante à Terra.
Traços de vida
Aliás, investigar a possibilidade de existência de vida nesses planetas – e procurar pelos chamados “biotraços” (traços de vida) – é o próximo passo, de acordo com o astrônomo alemão Claus Madsen, do ESO. “A nova geração de telescópios será capaz de ver os planetas extrassolares com mais precisão”, afirmou.
Um exemplo é o Extremely Large Telescope (ELT), que deverá ser concluído pelo ESO em 2017. Ele poderá, segundo Madsen, detectar a luz de planetas extrassolares muito pequenos e observar características biológicas, tais como a existência de oxigênio.
Sobre a existência de água, Madsen é enfático. “Existe hidrogênio em todo o Universo e com a existência de oxigênio em um determinado planeta há a possibilidade de existir água, já que esta é composta por esses dois elementos. Resta saber em que forma vamos encontrar essa água. A existência de água em sua forma líquida vai depender da temperatura da superfície da estrela e a distância entre esta e o planeta”, disse
Autor: Inovação Tecnológica