As cidades crescem, em geral, com a abertura de novos loteamentos e o preço da terra aumenta quando ocorre essa passagem do uso rural para o urbano. Na maioria dos casos, a valorização é maior quando o loteamento é irregular e de baixo padrão. Os empreendedores são então beneficiados, enquanto o poder público arca com os custos da urbanização posterior.
Essas são algumas das conclusões da primeira fase de uma pesquisa, desenvolvida com apoio do Programa de Pesquisa em Políticas Públicas da FAPESP, que examinou os mecanismos de expansão da periferia em três municípios do interior paulista: Suzano, Catanduva e São Carlos.
O estudo, intitulado “Urbanização e preço da terra nas franjas urbanas em municípios do Estado de São Paulo”, está sendo conduzido pelos urbanistas Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP), e Paula Santoro, do Pólis – Instituto de Estudos, Formação e Assessoria em Políticas Sociais, sua orientanda de doutorado na FAU.
De acordo com Paula, o objetivo inicial do estudo foi entender os mecanismos de expansão da periferia e, em especial, verificar a hipótese de que muitos loteamentos urbanos iniciados pela iniciativa privada deixam de ser terminados, enquanto a prefeitura fica com o ônus da infraestrutura de urbanização.
“Sabendo que o poder público vai arcar com os investimentos, temos que ter em mente que a decisão de urbanizar não cabe apenas ao setor privado, que faz o loteamento. Se o poder público conhecer a lógica de valorização da terra, poderá agir estrategicamente para estabelecer um processo de urbanização saudável”, disse à Agência FAPESP.
Segundo a urbanista, o objetivo final do estudo é ajudar a repensar a Lei Federal n° 6.766/79 – conhecida como Lei do Parcelamento do Solo –, principal ferramenta do poder público para regular o uso da terra e a expansão das cidades.
“A lei foi criada na década de 1970, em um momento em que houve uma explosão da população urbana no país. Desde então, o Brasil deixou de ser um país rural. Mas, com a velocidade do crescimento urbano, o Estado, que era um agente urbanizador, passou a ser um ator que regula os urbanizadores privados”, destacou.
Ela conta que, atualmente, a iniciativa privada determina onde ocorrerá a urbanização. Ao poder público cabe implementar o restante da infraestrutura. “Está em trâmite uma proposta de revisão da Lei de Parcelamento do Solo. Acreditamos que a pesquisa, quando for terminada em 2010, trará subsídios para essa revisão”, disse.
Valorização heterogênea
A primeira fase da pesquisa avaliou 12 loteamentos situados no limite entre a área urbana e rural dos três municípios paulistas com diferentes características, a fim de avaliar como se dá a transição do rural para o urbano e como ela afeta o preço da terra.
“Suzano, na Grande São Paulo, é um exemplo de expansão urbana metropolitana, cujo crescimento muitas vezes ocorre em áreas de mananciais, de forma irregular, precária e muito adensada. É um caso da periferia da metrópole avançando sobre um município pequeno”, explicou Paula.
Catanduva, a 380 quilômetros a noroeste de São Paulo, é um município com setor agrícola muito produtivo, cujos limites urbanos são cercados por plantações e usinas de cana-de-açúcar. “É uma cidade compacta, muito rentável e pressionada pela agricultura para não crescer”, disse.
A alta diversificação da área periurbana é o que caracteriza a cidade de São Carlos (230 quilômetros a noroeste da capital). “É um composto de situações diversas. O limite urbano da cidade possui plantações de cana-de-açúcar, polo industrial e tecnológico, polo estudantil – com duas grandes universidades – e loteamentos de alta e baixa renda”, disse Paula.
O estudo mostrou que a valorização da terra é muito heterogênea nos diferentes loteamentos estudados. “A variação foi de 60% a 360%, considerando os dois primeiros anos de implantação do loteamento. Um lote irregular em Suzano, por estar na área metropolitana, tem preços bem mais altos que um lote regular em Catanduva, por exemplo”, contou.
Outra constatação é que a rentabilidade se dá em momentos diversos da mudança do uso do solo do rural para o urbano. “Muitas vezes quem lucra não é o proprietário, mas um empreendedor que compra o lote no momento anterior à consolidação do loteamento. Também vimos casos em que o loteamento não era rentável – o que é surpreendente”, disse.
Os pesquisadores também verificaram uma relação política estreita entre os empreendedores, proprietários, legisladores e gestores públicos. Segundo Paula, é muito comum encontrar casos em que vereadores, prefeitos e ex-prefeitos são loteadores.
“Com isso, a fiscalização da implantação de infraestrutura nem sempre acompanha o loteamento até o fim. Embora haja regras, essas ligações de poder podem levar a práticas clientelistas. No entanto, essas práticas foram verificadas especialmente quando estudamos a história dos loteamentos. As gestões atuais têm mais fiscalização”, disse.
Irregular é mais rentável
Os loteamentos de baixo padrão, segundo Paula, são em geral mais rentáveis, já que os empreendedores não investem praticamente nada na infraestrutura e conseguem vender os lotes por preços próximos ao de lotes estruturados e regulares localizados nas proximidades.
“Os lotes de baixo padrão rendem mais do que os de alto padrão. Entre os de baixo padrão, a maior rentabilidade fica com os que são irregulares. Muitas vezes, a promessa de regularização é o que permite que os lotes sejam vendidos por preços próximos aos dos lotes regulares”, explicou.
Apesar da alta rentabilidade, Paula lembra que criar loteamentos irregulares é um crime previsto por lei. “É preciso dizer claramente: esse loteador está roubando os recursos do poder público, que mais tarde vai ter que arcar com a regularização e com a infraestrutura do loteamento”, afirmou.
Segundo ela, a proposta de revisão da Lei de Parcelamento do Solo poderá se valer de uma experiência feita na Colômbia, na qual o governo comprou terras, promoveu a urbanização e vendeu novamente para diferentes agentes.
“Essa experiência mostra que o governo pode se antecipar na urbanização e recuperar o investimento vendendo os lotes. O Estatuto das Cidades diz que a cidade precisa ter função social. Para isso, será preciso que o Estado seja mais propositor, organizador, garantindo que a cidade cumpra essa função”, afirmou.
Autor: Agência FAPESP