Técnica criada em São Carlos produz ligas metálicas vítreas

No campus de São Carlos da USP, uma nova técnica permite a obtenção de ligas metálicas vítreas, materiais de alta resistência utilizados em biomateriais e dispositivos eletrônicos. A liga obtida no processo desenvolvido pelo engenheiro de materiais Flávio Soares Pereira possui maior espessura, o que possibilita testar sua resistência mecânica, ao contrário do método convencional.

As ligas metálicas vítreas apresentam uma estrutura amorfa, sem componentes cristalinos, o que torna sua resistência mecânica muito maior que as ligas convencionais. “Elas possuem maior resiliência, ou seja, capacidade de voltar ao estado de origem ao sofrer deformação, e grande potencial de transferência de energia”, diz o engenheiro. “Seu aspecto visual é semelhante ao de um espelho, pois ostenta um brilho prateado, porém mais cristalino”.

Após a descoberta da estrutura amorfa em metais, em 1969, as pesquisas com as ligas se intensificaram a partir dos anos 1980, especialmente no Japão. No Brasil, a obtenção das ligas metálicas vítreas é feita por meio de fitas metálicas de resfriamento rápido (melt spinning). “Nos trabalhos de pesquisa, é essencial para a facilidade de obtenção do material a temperatura elevada de resfriamento”, aponta Pereira. “Entretanto, devido à pequena espessura, não é possível avaliar as propriedades mecânicas das ligas obtidas pelo processo convencional.”

O engenheiro desenvolveu um forno com atmosfera controlada para produzir as ligas. “O oxigênio, por ser um agente nucleante, facilita a cristalização do material, prejudicando o produto final, que deve ser amorfo”, conta. A limpeza da atmosfera é feita com um sistema de vácuo e gás argônio puro, o qual também passa por um sistema que remove o oxigênio residual. “O processo é necessário porque são utilizados elementos refratários, como o zircônio, ou muito reativos com oxigênio, entre os quais o titânio e o alumínio”.

Síntese 

Um arco elétrico é usado como fonte de energia para fundir os elementos puros separadamente. A síntese da liga acontece em uma câmera com coquilha de cobre, refrigerada a água. “As diferenças de pressão fazem que os elementos sejam succionados para a coquilha”, explica o pesquisador. “O resfriamento é feito rapidamente, de modo a evitar que o tempo e a temperatura provoquem a cristalização da liga”.

Análises de difratometria de raios X apontaram que a liga não possui picos distintivos, o que caracteriza material amorfo. A pesquisa sobre as ligas vítreas aconteceu no Programa Interunidades de Ciência e Engenharia dos Materiais, que reúne a Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), o Instituto de Física de São Carlos (IFSC) e o Instituto de Química de São Carlos (IFSC) da USP. O trabalho, parte da dissertação de mestrado do engenheiro, teve a orientação do professor Marcelo Falcão de Oliveira, da EESC, e o financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Pereira aponta que as principais aplicações das ligas metálicas vítreas estão nas indústrias bélicas, de biomateriais, eletrônicas e de artigos esportivos. “A alta resistência à corrosão e o baixo desgaste tornam as ligas apropriadas para revestir próteses de bacia e fêmur, por exemplo”, destaca.

O engenheiro relata que no Japão, as ligas tem sido testadas em dispositivos eletrônicos que contenham microengrenagens, devido a suas propriedades de resistência ao desgaste. Outra aplicação é no revestimento de tacos de golfe e beisebol. “Pesquisas mostram que tacos de golfe com ligas vítreas transferem 98% da energia desprendida no momento da tacada, contra 70% dos tacos convencionais, revestidos com titânio”, acrescenta.

Autor: PlanetaUniversitário