Aldo Rincón tirou algumas ferramentas de escavação da mochila e se agachou perto de um pedaço de chão de aparência igual a outros nas margens do canal do Panamá, onde está em curso um projeto de ampliação de R$ 10 bilhões. Em apenas 15 minutos, desenterrou um grande e belo fêmur fossilizado. O osso tinha 18 centímetros e estava tão perfeitamente conservado que parecia em bom estado para ser usado numa sopa.
Rincón, 30, estagiário de paleontologia no Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais, adivinhou que o fêmur pertencesse a uma espécie extinta de lhama que habitou a região cerca de 20 milhões de anos atrás. Ele também já tinha encontrado restos mineralizados de crocodilos, caititus, sucuris e tartarugas gigantes.
Rincón e dezenas de cientistas vêm escavando o mais rapidamente possível à sombra do programa de ampliação do canal do Panamá, a reforma mais abrangente feita no canal desde que foi construído, um século atrás.
O governo panamenho iniciou o projeto por razões puramente econômicas. Em sua configuração atual, o canal só pode dar passagem a embarcações com até 59 mil toneladas métricas de carga. Mas as empresas internacionais de transportes marítimos estão, cada vez mais, usando meganavios de carga capazes de levar até 270 mil toneladas métricas. Por essa razão, o canal do Panamá vem perdendo negócios para outras rotas transoceânicas. O governo decidiu que não tinha outra opção senão alargar e endireitar o canal.
Para cientistas, o projeto de engenharia traz a promessa de um manancial de novos conhecimentos. Os trópicos, que deram origem à maioria das formas de vida do mundo, são de enorme interesse para os estudiosos da evolução. Mas as próprias condições que propiciam a diversidade biológica acabam por obscurecer o passado. A vegetação cresce rapidamente; nada permanece exposto por muito tempo, e as evidências fósseis são empurradas cada vez mais ao fundo.
Para a ampliação do canal, que começou em 2008 e está prevista para durar cinco anos, operários usando dinamite, máquinas de terraplanagem, escavadeiras e pás vão rearranjar milhões de metros cúbicos de solo e rochas. “Não há oportunidade semelhante para conseguir tanta exposição nos trópicos”, disse Camilo Montes, supervisor do Projeto Geologia Panamá. “Não podemos deixar passar esta oportunidade científica.”
A obra no canal do Panamá já proporcionou várias revelações aos cientistas. Pela análise de mais de 2.000 fósseis, o registro estratigráfico revelado por cada novo corte nas rochas, dados paleomagnéticos, razões de isótopos, assinaturas de carbono e mais, os pesquisadores estão ganhando uma visão de como deve ter sido uma floresta tropical antiga.
O istmo do Panamá começou a ser formar há cerca de 10 milhões de anos, e cientistas estão descobrindo que o pequeno país é um dos lugares de maior complexidade geológica do mundo. “Há quatro placas tectônicas envolvidas, e todas colidem no Panamá”, disse Carlos Jaramillo, também do Instituto Smithsonian de Pesquisas Tropicais. “Esse tipo de configuração de placas tectônicas não é encontrado em nenhum outro lugar do mundo.”
As obras no canal não são suspensas a pedido dos cientistas. Assim que os operários abrem um novo corte, os pesquisadores precisam ir ao local imediatamente e recolher os dados que conseguirem.
“Estamos numa corrida contra o tempo”, disse Jaramillo. “Sabemos que somos só convidados aqui, mas, pelo menos, estão cavando um buraco para nós.”
Autor: Folha de S. Paulo