No Brasil, são recorrentes a ocupação descontrolada do solo e a devastação do meio ambiente em decorrência da implantação de rodovias. O problema é de tal gravidade que, em praticamente todos os processos de favelização, desmatamento, ocupação irregular e exploração predatória do solo, existe a presença indutora de uma estrada.
O país carece de legislação realista e rigorosa que coíba o papel devastador das rodovias e regule a ocupação e uso do solo nas áreas lindeiras. Inacreditável é a ausência de debate sobre esta questão e a falta de visão mais ampla da inserção da logística e do transporte na agenda do desenvolvimento sustentável. Tal inserção passa necessariamente pelo planejamento de longo pra¬zo, formulação de políticas consistentes e consolidação de projetos sinérgicos.
Prestando colaboração técnica ao IPEA, tive a oportunidade de oferecer uma visão abrangente dos gargalos nas infraestruturas e a promoção do desenvolvimento. A logística e o trans¬porte devem ser vistos como fatores que propiciam suporte à: (i) sustentabilidade ambiental; (ii) reestru¬turação da matriz energética; (iii) competitividade e inserção na globalização; (iv) articulação da estrutura produtiva e indução do desenvolvimento tecnológico; (v) geração de oportunidades de emprego; e (vi) articulação de novas cadeias produti¬vas, “clusters” de especializações e integração regional. É repetitivo dizer que custos elevados de operação, carga tributária, incertezas quanto à segurança e dificuldades burocráticas comprometem seriamente o escoamento da produção e a competitividade das nossas exportações.
O desenvolvimento do país enfrentará dificuldades se não forem feitos esforços coordenados para remover gargalos físicos, operacionais, legais e institucionais que tolhem a movimentação de pessoas e mercadorias. Velhos cacoetes devem ser superados em favor de concepções mais modernas de planejamento e gestão governamental. Não dá para se ver os modais de forma estanque e dissociar o transporte das necessidades mais amplas das logísticas. Grave também é persistir nas soluções para o transporte como obras de engenharia, sem a visão mais ampla da funcionalidade nas operações e da compatibilidade ambiental.
Por outro lado, é importante levar em conta a tendência mundial de rápidos avanços tecnológicos e de escala em todos os segmentos do transporte. No Brasil, a questão central é a de mudar paradigmas e acompanhar as transformações mundiais. Independente da atual crise financeira mundial – e até em decorrência – configura-se um novo ciclo de desenvolvimento relacionado, simultaneamente, com a ampliação do mercado interno e a inserção mais profunda da agricultura e indústria no mercado internacional.
O suporte do transporte e da logística no seu sentido mais amplo estará vinculado essencialmente à competitividade e ao barateamento da produção nacional, tanto internamente quanto nos mercados externos. Cabe lembrar que a crise pode demandar maior seletividade de recursos privados, mais estabilidade do ambiente regulador e mesmo exigir esforços adicionais de investimentos estatais.
Com a crise podem surgir novas oportunidades de parcerias entre interesses privados e governamentais para configurar sistemas de transporte voltados para infraestruturas e meios logísticos mais integrados. Com relação às mudanças de paradigmas, um aspecto importante diz respeito ao forte entrelaçamento com a questão ambiental. Dois temas devem ser ressaltados para uma reflexão mais aprofundada por parte de governos e empresas. Primeiramente, cortar extensas áreas preservadas na Amazônia com rodovias, sem estudos apropriados e mecanismos de proteção é persistir no paradigma predatório. Há espaço para implantar rodovias com sustentabilidade.
O segundo tema é o da distorção da matriz energética em função do predomínio do modal rodoviário para cargas e passageiros, tanto interurbano, quanto urbano. Neste caso, a mudança de paradigma aponta dois caminhos simultâneos a médio e longo prazo: a) fortalecimento do papel dos modais não-rodoviários, especialmente em corredores regionalizados (ferrovias, dutos, e navegação); e b) substituição (ou adição) de combustíveis oriundos da biomassa (etanol e biodiesel) para movimentação do transporte rodoviário. Podemos tirar oportunidade da crise e sermos líderes em planejar articuladamente transporte e meio ambiente. Isto fará toda a diferença para o Brasil.
(*) Josef Barat, economista, consultor, ex-diretor da Anac, é presidente do Conselho de Desenvolvimento das Cidades da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.
Autor: *Josef Barat