Para apreciar verdadeiramente a maneira pela qual o vidro pode ser usado para funções estruturais, um dos melhores caminhos é visitar o número 233 de South Wacker Drive, uma rua no centro de Chicago. Mais especificamente, o ideal seria que você subisse a uma altura de 412 metros acima do pavimento, ao 103° piso da Sears Tower.
Ao chegar lá, caminhe alguns passos até o muro oeste da construção, onde um trecho da fachada foi removido. Depois, dê apenas mais um passo, para além do beiral.
Você se verá sobre um piso de vidro, suspenso sobre a calçada 400 metros abaixo. Caso não tenha coragem de olhar diretamente para baixo, por entre os seus pés, olhe para fora ou para cima – e verá que as paredes também são de vidro, e o mesmo se aplica ao teto.
Em resumo, você terá entrado em uma caixa transparente, uma das quatro que se projetam a uma distância de 1,30 metro da estrutura principal da torre. A cabine está suspensa de uma estrutura metálica em cantilever que passa por sobre sua cabeça. As paredes de vidro estão conectadas a essas vigas e ao piso de vidro por meio de rebites de aço inoxidável. Mas aquilo que realmente estará impedindo que você faça seu último mergulho é o vidro em si.
As caixas, inauguradas na semana passada como parte de uma extensa reforma que acaba de ser conduzida no terraço de observação da torre, estão entre os mais recentes, e mais extravagantes, projetos a utilizar o vidro como elemento estrutural. Mas todas as estruturas construídas em vidro têm ao menos algum traço de ousadia, como estivessem oferecendo uma resposta desafiadora à pergunta: “Mas isso não é algo que se poderia fazer com vidro, não é mesmo?”
Na verdade se poderia, sim. Engenheiros, arquitetos e as empresas fabricantes de vidro, com a ajuda de cientistas especializados em materiais e criadores de software, vêm concebendo e instalando imensas fachadas, coberturas em arco e cubos delicados, bem como escadarias e passagens suspensas, feitos quase inteiramente de vidro.
Os fabricantes utilizam vidros cuja laminação os combina a polímeros, para produzir vigas e outros componentes tanto mais fortes quanto mais seguros – cada uma das placas de vidro usadas na Sears Tower consiste de um sanduíche com cinco camadas-, e analisam cuidadosamente cada centímetro quadrado de um projeto a fim de garantir que o desgaste estrutural esteja dentro de limites precisos. E também estão experimentando com novos materiais e métodos que poderiam, no futuro, conduzir a estruturas de vidro que prescindiriam de metais ou de outros materiais como elementos estruturais ou de segurança.
“O que estamos procurando, em última análise, é desenvolver uma estrutura que possa ser construída integralmente em vidro”, disse James O'Callaghan, da Eckersley O'Callaghan Structural Design, a empresa de projeto estrutural responsável pelos projetos em vidro que talvez sejam os mais conhecidos do mundo, as escadarias que ocupam posição proeminente em cada unidade da cadeia Apple Store.
Ao longo de todo esse processo, eles compreenderam uma coisa acima de todas: “O vidro não passa de um material como todos os outros”, disse John Kooymans, do escritório de engenharia Halcrow Yolles, que projetou as caixas de observação da Sears Tower.
Trata-se de um material que existe há milênios. Ainda que existam maneiras incontáveis de produzir vidro, e que este tenha número imenso de potenciais usos – por exemplo a condução de luz, quando em forma de fibra, ou como base para circuitos eletrônicos, a exemplo do que acontece nas telas de laptop, os projetos estruturais usam quase exclusivamente o vidro sodiocálcico, que continua a ser produzido, como sempre foi, em larga medida de sódio, carbonatos, pedra cálcaria e silício.
“Por anos, a composição básica do vidro sodiocálcico não mudou muito”, diz Harrie Stevens, diretor do Centro de Pesquisa do Vidro na Universidade de Alfred , em Alfred, Nova York. Trata-se, mais ou menos, do mesmo vidro usado nas janelas de uma casa ou na garrafa de suco que você deve ter em sua geladeira – e daquele velho vidro de perfume que você comprou em um antiquário.
É um material básico, mas isso não significa de forma alguma que seja simples. “É evidente que o vidro é um material incomum”, diz James Carpenter, do escritório James Carpenter Design Associates, que projeta fachadas e outras estruturas de vidro e trabalhou como consultor para a fabricante de vidros Corning nos anos 70. “Já que não sabemos exatamente o que ele é”.
Ainda que continue a existir um debate, já muito antigo, sobre a classificação do vidro como sólido ou líquido, a tendência atual é de que ele seja descrito como um sólido amorfo (não existem provas de que flua ao longo do tempo, ainda que de forma extremamente lenta, como faria um líquido). A estrutura não cristalina do material é formada por meio de um processo de resfriamento relativamente rápido para abaixo daquilo que costuma ser definido como a temperatura de transição do vidro, da ordem de 537 graus para o vidro sodiocálcico.
Depois de refrigerado ainda mais e cortado, o vidro em sua forma pura é muito forte. Mas, como um carro novo que começa a perder valor assim que sai da concessionária, o vidro começa a perder a força já no momento em que é fabricado. Pequenas rachaduras se formam por meio de contatos com outras superfícies, ou mesmo com vapor de água ou dióxido de carbono.
“Se você apanhar o vidro recém-produzido e soprar sua superfície sem fazer muita força, já terá reduzido sua resistência à metade”, disse Suresh Gulati, um engenheiro mecânico que se descreve como “homem da força”, e se aposentou em 2000 depois de 33 anos de trabalho para a Corning, que ele continua a servir como consultor.
Até mesmo uma molécula de oxigênio bastaria para romper o elo entre o silício e o oxigênio que existe em um vidro, e com isso gerar um defeito, diz Carlo Pantano, professor de ciência dos materiais na Universidade Estadual da Pensilvânia. Embora o vidro seja muito forte em compressão, os desgastes de tensão farão com que as pequenas fissuras comecem a crescer, elo após elo. “É isso que faz com que o vidro se quebre”, diz Pantano. “E, caso não se quebre, basta para enfraquecê-lo”.
Revestimentos protetores são uma das maneiras de evitar novas rachaduras, ainda que estes também possam ter efeito adverso sobre a transparência, que é a razão principal para que a opção pelo uso do vidro seja realizada, para começar. Mudar a receita do vidro também pode dificultar o surgimento e propagação de rachaduras.
“Existem algumas indicações de que seria possível alterar a composição de maneira a torná-lo mais forte em termos inatos”, diz Stevens, ainda que isso acarrete o risco não só de alterar outras propriedades como de tornar o vidro caro demais. (E projetos construídos em vidro já raramente são baratos, para começar; na reforma da Sears Tower, o vidro utilizado nas cabines de observação custa mais de US$ 40 mil por cabine).
Autor: Terra – The New York Times