Os riscos da atual política fiscal

Na reunião do G 20 em abril o anúncio mais destacado foi o pacote de US$ 1,1 trilhão para irrigar a economia mundial. O montante já chamaria a atenção pela sua magnitude, mas o que cabe enfatizar são os US$ 5 trilhões que os países estão aportando até 2010 em suas economias.
 
A “trilionária” expansão da liquidez ao redor do mundo é uma tentativa de estimular a deprimida atividade produtiva. Em quaisquer circunstâncias uma elevação de gastos públicos alavanca a demanda agregada, mas isto certamente será insuficiente para restabelecer a credibilidade no sistema financeiro e, consequentemente, restaurar a confiança na economia. Essa necessidade será alcançada quando a economia globalizada contar com elementos que combatam a desenfreada especulação como a que ocorreu no mercado imobiliário norte-americano nos últimos anos. 

Outra questão se refere ao impacto dos recursos injetados no sistema econômico sobre o nível de preços. A avalanche de liquidez terá efeito altista sobre a inflação no futuro, o que, por sua vez, demandará ações fiscais e monetárias de elevado custo social. Com a economia deprimida deve haver uma recuperação da atividade sem que os preços subam, porém, mais à frente será inevitável a pressão inflacionária. 

Além disso, há a iminência de expansão do déficit orçamentário em várias partes do mundo, decorrente da elevação das despesas governamentais. Nos Estados Unidos ele já se aproxima de US$ 1 trilhão, mais que o triplo de um ano atrás, podendo fechar o ano fiscal de 2009 em torno de US$ 1,7 trilhão. Na Europa, países como França e Espanha já ultrapassaram no ano passado o limite de déficit de 3% do PIB definido pelo bloco e em 2009 o saldo negativo em relação ao PIB deve chegar em 4,4% e 5,8%, respectivamente. A Alemanha, maior economia da região, registra déficit em torno de 2,9% do PIB, mas ele tende a crescer, segundo a Comissão Européia. 

A avalanche de recursos injetados na economia ao redor do mundo não deve se sustentar no médio e longo prazos. O horizonte mostra um cenário de inflação e déficit público e isto cria uma expectativa cautelosa por parte do consumidor, já que a propensão a consumir é uma função de sua renda permanente. 

O consumo adicional não apresenta uma correlação significativa com a renda corrente e sim com a renda permanente, que é o equivalente ao valor presente das rendas a serem recebidas no futuro pelas famílias. Em outras palavras, o consumidor não se restringe ao seu orçamento corrente, mas ao seu orçamento intertemporal. 

Portanto, o consumidor, ao perceber que a renda adicional gerada pela atual enxurrada de liquidez é provisória, irá conter despesas. O consumo não se sustentará, o que elevaria a poupança, e o impacto sobre a demanda agregada será minimizado. 

Os agentes econômicos perceberão que a tendência de aceleração da inflação e os déficits públicos terão efeitos altistas sobre os juros e os impostos. A renda adicional gerada pelos gastos maiores em 2009 e 2010 será absorvida mais a frente pelo maior ônus financeiro e tributário e pela contração que estas medidas terão sobre a produção. 

A alternativa mais viável em termos fiscais neste momento seria o estímulo à produção através de cortes de impostos. A redução de tributos gera uma percepção nos agentes de que a renda adicional será permanente e, por isso, a tendência é que ela possa ser utilizada no consumo, tendo um efeito positivo duradouro sobre a economia. 

Marcos Cintra é doutor em Economia pela Universidade de Harvard (EUA), professor titular e vice-presidente da Fundação Getulio Vargas. É Secretário Municipal do Trabalho de São Paulo.
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Autor: Marcos Cintra