Projetos arquitetônicos devem respeitar características naturais dos terrenos e procurar equilíbrio entre “ousadia” e segurança
O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos acredita que os arquitetos podem contribuir para reduzir acidentes geológicos. Ele defende um envolvimento maior do projetista na análise das consequências de se explorar limites arquitetônicos sem considerar, a longo prazo, fatores urbanísticos e de implantação na segurança do projeto. As características naturais dos terrenos, segundo o especialista, estariam sendo “desrespeitadas”. Veja artigo na íntegra divulgado nesta semana:
Em tempos em que se prega a conveniência e a importância de nossa Arquitetura adotar os preceitos da sustentabilidade, vale considerar alguns aspectos essenciais dessa qualificação, até para que algum desavisado não imagine tê-la adotado apenas por abolir cortinas, recomendar a instalação de aquecedores solares e exigir madeira certificada em seus projetos.
Graves e onerosos problemas de ordem geológico-geotécnica, como processos de erosão/assoreamento/enchentes, acidentes associados a rupturas de taludes, recalques ou abatimentos de terrenos, produção maciça de áreas de risco, comprometimentos de infra-estrutura instalada, etc., incluindo não raras vezes perda de vidas humanas, têm tido sua origem em evidentes desencontros entre as concepções arquitetônicas de projetos e as características naturais dos terrenos onde são implantados.
Especialmente no que se refere a projetos habitacionais (individuais e coletivos) e empresariais, uma série de fatores têm levado a Arquitetura a trabalhar com o conceito de projetos-padrão, ou projetos-tipo.
A pasteurização criativa condicionada pela construção industrializada, a busca cega do máximo rendimento espacial, a conveniência financeira em prescindir de profissionais mais qualificados, o progressivo desuso da ousadia e da criatividade, têm-se constituído em alguns desses fatores.
O fato é que os conceitos orientadores de como vão se dar as relações de um determinado empreendimento com o meio natural com o qual interfere são definidos primeira e originalmente nas concepções arquitetônicas que lhe são propostas. É essa concepção arquitetônica, determinante da disposição espacial e do ajuste do empreendimento ao terreno e suas características fisiográficas, que também influenciará, por decorrência conceitual, a escolha dos procedimentos construtivos e as futuras regras de operação e manutenção; todos esses, elementos essenciais nas inter-relações com o meio natural. Ou seja, será a concepção arquitetônica de partida que determinará o êxito ou o fracasso do empreendimento naquilo que se refere às suas relações com o ambiente geológico-geotécnico, ou de uma forma mais ampla, naquilo que se refere à sua sustentabilidade ambiental. Do que pode se concluir que será essa concepção arquitetônica que, na maioria dos casos, definirá o êxito ou o fracasso financeiro e funcional do empreendimento.
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Alguns exemplos práticos são esclarecedores. Ao insistentemente exigir a produção de áreas planas através de procedimentos generalizados de terraplenagem, os projetos arquitetônicos associados à expansão urbana, seja habitacional, seja empresarial, instalados em áreas de relevo mais acentuado expõem à ação de processos erosivos, em cortes, aterros e bota-foras, solos profundos extremamente susceptíveis á erosão.
Como gravíssimas conseqüências, destruição da infraestrutura instalada, assoreamento de drenagens, enchentes, ruptura de taludes, produção de áreas de risco… Uma concepção arquitetônica orientada a relevos mais acentuados evitaria, de início, todos esses problemas.
Ao pretender ocupar faixas litorâneas sazonalmente (no âmbito do tempo geológico) sujeitas ao alcance do mar, projetos arquitetônicos associados a empreendimentos turísticos individuais ou empresariais têm via de regra redundado em clamorosos fracassos, com destruição e comprometimento estrutural das instalações implantadas. Os expedientes de proteção das instalações que nesses casos normalmente são adotados primam pelo mesmo desconhecimento da dinâmica dos processos geológico-marinhos naturais e acabam por mais comprometer ainda os empreendimentos e até regiões próximas.
Empreendimentos viários ou similares implantados em regiões serranas tropicais, com suas conhecidas encostas geologicamente instáveis, a partir de uma concepção de “encaixe da obra no terreno”, ou seja, privilegiando cortes e aterros, por certo vão pagar altíssimo preço, como também seus futuros usuários, aos constantes escorregamentos induzidos pela intervenção humana. Uma vez conhecidas e tidas em conta as condições geológicas naturais, os cortes e aterros seriam, por concepção arquitetônica, substituídos por obras de arte e túneis, expediente que deixaria intactas as singulares e sensíveis encostas.
Vários outros exemplos poderiam ser relatados, todos testemunhando a extrema necessidade da arquitetura brasileira incorporar em sua prática os cuidados com as características geológicas dos terrenos afetados. Essa nova cultura automaticamente levaria a uma mais estreita colaboração entre Arquitetura e Geologia, no caso, a Geologia de Engenharia, especialidade profissional que tem como responsabilidade maior o domínio tecnológico da interface Homem/Natureza.
Como concisa diretriz, podemos entender que está colocado o seguinte desafio à arquitetura brasileira: usar a ousadia e a criatividade para adequar seus projetos à Natureza, ao invés de, burocraticamente, pretender adequar a Natureza a seus projetos.
Geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos é consultor em Geologia de Engenharia, Geotecnia e Meio Ambiente e criador da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão. Autor dos livros “Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática”, “A Grande Barreira da Serra do Mar”, “Cubatão” e “Diálogos Geológicos “. É ex-diretor de Planejamento e Gestão do IPT e ex-diretor da Divisão de Geologia.
Autor: PINIWeb