O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, implementará uma série de mudanças no licenciamento ambiental que envolvem as hidrelétricas, o petróleo e o gás. Minc defende também planos do governo que são vistos com reservas por ambientalistas como o de habitação e o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Para o ministro, casas populares de boa qualidade trazem ganhos ambientais e o PAC é um programa bom para o meio ambiente.
O ministério realizará mudanças profundas no Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e no Instituto Chico Mendes, além de reconhecer que existe corrupção em licenciamentos ambientais. Minc ataca ambientalistas que que “sentem vergonha” em dar licença ambiental. “Tem ambientalistas amigos, que são secretários, que quando dão uma licença rezam vários padres-nossos e aves-marias, como se estivessem cometendo um crime, um pecado mortal”.
Gazeta Mercantil – A crise financeira mundial obriga o governo a ser menos rigoroso nas exigências ambientais como forma de manter a economia aquecida?
Com crise ou não, sou favorável a simplificar e agilizar as normas ambientais e torná-las mais rigorosas quanto ao mérito, ou seja, quanto aos padrões de emissão. Fui secretário do Meio Ambiente no Rio de Janeiro entre janeiro de 2007 e maio de 2008. Quando cheguei lá tinha uma pilha de 7,5 mil licenças, que envolviam três órgãos. Isso levava anos. E onde há uma pilha enorme há corrupção e ineficiência.
Entre as minhas primeiras medidas estava o destrave à Feema [Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente], eliminando procedimentos inúteis. Encurtamos prazos e focamos no essencial, aumentando o rigor. Com base nisso pudemos dar muito mais licenças difíceis, como o Comperj [Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro], da Petrobras, o maior licenciamento ambiental da América Latina, e com muito mais rigor.
Gazeta Mercantil – Que medidas foram adotadas no Rio de Janeiro?
Juntei três órgãos em um só. Passei para os municípios os licenciamentos de pequeno e médio porte.
Na licença da Comperj, a Petrobras achava que ia demorar um ano e dois meses e saiu em seis meses, e foi a mais rigorosa do País.
Mas também dissemos não para o pedido de fazer uma térmica a carvão de US$ 1 bilhão em Itaguaí, porque a bacia aérea estava saturada por outros empreendimentos. Mas não é enrolar um ano para dizer não. E era um projeto no valor de US$ 1 bilhão. Que governador não quer? Dissemos para o governador que ia ser um novo Cubatão, que a gente nem ia analisar. Não criamos falsas ilusões para o empreendedor.
Gazeta Mercantil – Esse período de turbulência contribui para acelerar os processos?
Não preciso da crise para saber o que é melhor para o Brasil, para o meio ambiente, para o combate à corrupção, que é um processo mais expedito, mais ágil, mais rigoroso e mais transparente. Agilidade, transparência, rigor, onde couber, e dizer não ao que tiver que ser dito não, muito rapidamente, para não perder tempo.
E o sim com legitimidade para não ficar anos parado na Justiça. Eu faço isso independente de crise. Não é a crise que me vai fazer andar mais ou menos rápido. É minha percepção da relação entre o licenciamento ambiental, como instrumento de defesa do meio ambiente e da vida, e a necessidade de o País se desenvolver, sobretudo com energia limpa e renovável. Porque a gente não licenciando nenhuma hidrelétrica, sobretudo as boas, a gente vai ter mais térmicas a óleo e a carvão, que tornam a nossa matriz mais suja e mais cara, o que não vamos permitir.
Gazeta Mercantil – A simplificação das regras ambientais para projetos de moradia popular não sinalizam rumo a uma flexibilização das exigências?
Demorar para fazer casa popular significa mais favelização e mais ocupação das faixas marginais dos rios. Uma boa casa popular, independente da justiça social, do direito à moradia, tem um grande ganho ambiental.
Não vai ser numa encosta de 45 graus, não vai ser numa área de preservação. Uma boa forma de combater a degradação urbana é prover habitação popular boa. Também já levei ao Conama [Conselho Nacional do Meio Ambiente] proposta para simplificar o licenciamento da piscicultura e da aquicultura. O Ibama cuida das espécies sobrexplotadas e damos o licenciamento para a própria secretaria de pesca.
Criar peixe é como criar galinha, não tem impacto sobre as espécies ameaçadas. Se o ambientalista não tem essa visão de que habitação popular combate a favelização, que a criação de peixe é uma boa medida, que a boa hidrelétrica evita a térmica a óleo ou a carvão, ele acaba olhando a árvore e não olhando a floresta.
Gazeta Mercantil – Há mudanças para o setor das hidrelétricas?
Muda o sistema de licenciamento das hidrelétricas. Vamos fazer por bacia hidrográfica. A primeira vai ser a bacia do Araguaia/Tocantins. Vou levar a voto no próximo dia 26 no Conselho Nacional de Recursos Hídricos um plano de gestão da bacia hidrográfica, o qual envolveu secretarias estaduais e municipais, empresários, academia, governos.
Tem uma visão da bacia Araguaia/Tocantins não só sobre hidrelétricas, mas sobre hidrovias, irrigação. Só vou licenciar hidrelétrica onde couber junto com uma eclusa, porque a hidrovia é a forma que tenho para dizer “não” a estradas que desmatam a Amazônia.
E esse plano de bacias pode indicar que várias usinas pretendidas pelo setor elétrico podem ser inviáveis. Isso acontece com hidrelétricas do Araguaia. Já no Tocantins, a situação é diferente, onde há várias áreas que podem gerar uma grande quantidade de energia com alagamento de uma área muito pequena.
Gazeta Mercantil – Há restrição para algum projeto?
As usinas desaconselhadas pelo plano da bacia sequer serão analisadas. A gente só vai ganhar tempo e saúde. Porque hoje é uma guerra. O governo quer licenciar todas e os ambientalistas são contra todas. A ministra Dilma diz que se a gente não licenciar ela se mata e o Ministério Público diz que se a gente licenciar, ele prende.
A nova abordagem muda essa situação. A chance de um ambientalista arguir, de uma MP embargar vai ser muito menor, até porque o assunto passou pelo Comitê de Bacias, pela universidade, pelo governo estadual, pelo ambientalista. Foi votado no Conselho Nacional de Recursos Hídricos, onde tem assento o ambientalista, a universidade, o setor elétrico, o empresário. Mostrei ao presidente Lula e à ministra Dilma o plano do Araguaia/Tocantins e eles se convenceram que era melhor, em vez de a gente ter quinhentas guerras.
E as usinas que a gente vai descartar representam menos de 10% do que se pretendia fazer nessa area. Parcela de 80% a 90% é solucionável com esse novo modelo. Será mais célere e nenhuma lei será atropelada.
Gazeta Mercantil – No caso da bacia Tocantins/Araguaia, qual será a redução do prazo para a liberação do licenciamento?
O fato de esses estudos terem sido feitos e aprovados vai encurtar de 30% a 40%, no mínimo, cumprindo o rigor e os prazos da lei. Sem contar o prazo que vai ganhar sem ter ações e liminares na Justiça.
Gazeta Mercantil – Essa proposta afeta os projetos no rio Madeira?
A guerra violenta que houve no caso das usinas do Madeira vai chegar ao fim nos próximos meses, porque vamos regulamentar o artigo 23 da Constituição. Isso vai definir as competências de Estados, municípios e União para licenciamento. Com o artigo 23 regulamentado, o Ibama vai poder se ocupar realmente das grandes coisas.
Eu não tenho vergonha nenhuma de dar uma boa licença. Tem ambientalistas, amigos nossos que são secretários, que quando dão uma licença rezam vários padres-nossos e aves-marias, como se estivessem cometendo um crime, um pecado mortal. Quando dou uma licença boa, como foi a da Coperje, eu vou para a televisão e digo: demos uma boa licença. Não vejo por que achar que em todo o licenciamento você está vendendo a alma ao diabo. Isso é uma visão pequena, que divorcia a questão ambiental do desenvolvimento econômico.
Gazeta Mercantil – A área de petróleo será beneficiada com mudanças semelhantes?
Vamos mudar o sistema de licenciamento do setor de petróleo e gás. Em vez de ser poço a poço, vamos fazer por área, por blocos. Vamos ter mais rigor, mais compensação e vamos fazer isso em um terço do tempo. É praticamente impossível que numa mesma área um poço não possa ser licenciado e um outro que está a um quilômetro possa ser.
Não é possível que aqui tenha uma baleia e a um quilômetro não tenha a baleia. Outra coisa é o conceito da usina-plataforma. Pense em uma plataforma de petróleo. O pessoal vai lá de helicóptero, monta, tira o gás, tira o petróleo. Em volta não tem uma estrada, não tem uma cidade, não tem o efeito “espinha de peixe”, que acontece na Amazônia quando começa a abrir estradas na floresta. Com isso você não cria uma área de degradação ambiental crescente, galopante, espraiante. Estamos pensando nisso para a área do Tapajós.
Gazeta Mercantil – O senhor falou que onde há pilha de processos, há corrupção. Como o senhor vê isso nos órgãos ambientais da esfera federal?
Obrigatoriamente, seguindo a lei de Murphy, onde pode ter corrupção, tem. Quanto maior a dificuldade, maior o tempo, maior é a tendência para a corrupção. É claro que tem corrupção. Tem muita. Só no Ibama do Rio vamos fazer um ato exonerando cerca de 30 funcionários, no mês que vem.
Gazeta Mercantil – Foi possível replicar esse modelo do Rio de Janeiro no governo federal?
Quando chegamos aqui, há nove meses, a nossa orientação foi absolutamente a mesma. Procedemos ao destrave do Ibama, equivalente ao destrave da Feema. Assinamos atos, entre portarias e resoluções, eliminando procedimentos inúteis, encurtando prazos, fazendo alguns processos simultâneos. Encurtamos, na média, o licenciamento ambiental de dois anos para um ano.
Gazeta Mercantil – O senhor falou da experiência de fusão de órgãos ambientais no Rio de Janeiro. Há como fazer isso na esfera federal? Não há órgãos competindo entre si?
Estamos reformatando os órgãos, vai ter uma reestruturação do Ibama e do Chico Mendes. O Instituto Chico Mendes vai virar uma autarquia, vai cuidar bastante do fomento florestal, dos planos de manejo, de aumentar a oferta de madeira legal, que é a melhor maneira de combater a madeira ilegal. Criamos a CICCA, a Comissão Interministerial de Combate ao Crime Ambiental, vai ter órgãos nossos, do ministério da Justiça, mas coordenados por um órgão só, evitando superposição. Já fizemos coisa semelhante entre algumas atribuições da ANA, a Agência Nacional de Águas, e a minha secretaria Nacional de Recursos Hídricos, que antes batiam cabeça e agora estão trabalhando em conjunto.
Gazeta Mercantil – Em algum momento, o Ibama atrapalha?
De forma alguma. O que existe, muitas vezes, é falta de analistas ambientais, falta de uma ideia de prazos, de prioridades. Por isso fizemos um concurso. Vão entrar 225 pessoas nos próximos dias e vamos fazer mais um concurso ainda este ano.
Nesses nove meses demos 45% a mais de licenças ambientais e nesses nove meses o desmatamento caiu 45%. Pergunto se fosse o contrário, o que ia acontecer comigo? Mas nada disso nos consola. Acho que muitas vezes faltava comando, coordenação. Logo quando assumi, um analista de terceiro escalão parou uma siderúrgica, a CSA, no Rio de Janeiro, sem passar pelo seu superior, pelo superintendente local e pelo presidente do órgão. Fez um relatório e mandou para o Ministério Público. E outro, também do terceiro escalão, só que em São Paulo, fez a mesma coisa em relação a uma linha de gás.
Ou seja, um cara de terceiro escalão parava o País. Acabou isso. Quem se reporta ao Ministério Público é o presidente do órgão e o ministro. Você tem que garantir transparência, democracia, evitar qualquer forma de coerção, mas tem que impedir que um órgão do poder público seja uma federação de vontades ou de vaidades, com cada um fazendo as coisas da sua maneira.
Aí as coisas param e os setores econômicos de dentro e de fora do governo dizem que o meio ambiente é que está travando o desenvolvimento e põem indústrias sujas, põem térmicas. É curioso, mas o licenciamento das térmicas é muito mais simples que de uma hidrelétrica e nenhum ambientalista vai à Justiça contra as térmicas.
Gazeta Mercantil – O PAC ameaça o meio ambiente?
O PAC é uma necessidade do País, porque o País está atrasado em infraestrutura, no desenvolvimento, na geração de energia. Não vejo porque o contrário do PAC, que é um cenário com portos ineficientes, apagão, estradas esburacados, seria bom para o meio ambiente. Mas o PAC tem que ter um componente ambiental. Por isso a gente está trocando dez milhões de geladeiras, um milhão por ano. No PAC da habitação, botar placa solar.
Na regularização fundiária, colocar um constrangimento ambiental estabelecendo que quem desmatar Area de Preservação Permanente ou reserva legal, perde a terra. Introduzimos isso na MP da regularização fundiária. Dessa mesma maneira estamos introduzindo no PAC uma série de restrições.
Por exemplo, uma série de hidrelétricas que estavam previstas não vão acontecer. A partir do mês que vem não vai se licenciar mais nada a óleo ou a carvão que não compense suas emissões. Vamos apresentar isso na próxima reunião do Conama.
Autor: Gazeta Mercantil