Governos prometem evitar erros do Pan-2007 e deixar como legado da Copa obras que ajudarão a resolver os problemas da cidade
O Pan-2007 é o exemplo de tudo o que o Brasil não deve fazer nos preparativos para a Copa de 2014. Cálculos preliminares do Tribunal de Contas da União mostram que o gasto público para a realização dos jogos no Rio de Janeiro chegaram a 3,6 bilhões de reais – ou 500% a mais que o previsto inicialmente.
O Pan mais caro da história não trouxe as benfeitorias que se previa à cidade. O dinheiro foi gasto principalmente na construção de novas instalações esportivas – mesmo quando era possível reformar as existentes.
Considerado o maior “elefante branco” do Pan, o estádio João Havelange (também conhecido como Engenhão), por exemplo, consumiu 380 milhões de reais. O estádio foi construído a poucos quilômetros do Maracanã, em uma zona considerada pouco segura pelos cariocas. Após o Pan-2007, o Engenhão foi concedido ao Botafogo por um prazo de 20 anos em troca de um aluguel mensal de 36 mil reais.
Por esse valor, o poder público levará cerca de 880 anos para recuperar o dinheiro investido. Com a priorização da construção de instalações esportivas, faltou dinheiro para obras importantes para a cidade, como a despoluição da baía de Guanabara e a construção de uma linha de metrô.
As cidades que abrigarão os jogos da Copa só serão confirmadas em 20 de março, mas cinco sedes já são consideradas óbvias: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Brasília. Ao menos em São Paulo, o poder público diz ter aprendido a lição do Pan-2007.
O estádio do Morumbi será reformado com o investimento de 135 milhões pelo São Paulo Futebol Clube e por empresas parceiras – sem a utilização de dinheiro público. Como o projeto aproveita a estrutura já existente, a reforma do Morumbi tem o menor orçamento entre as 17 arenas que ainda concorrem para abrigar partidas da Copa.
Sem a necessidade de gastar com instalações esportivas, o governador José Serra (PSDB) tem afirmado que só vai colocar dinheiro em projetos para a Copa que beneficiem a população, antes e depois do evento. O prefeito Gilberto Kassab (DEM) diz que os investimentos públicos em infra-estrutura na cidade devem alcançar 20 bilhões de reais até 2014.
A maior desse dinheiro será utilizada na melhoria da mobilidade urbana, um do grandes defeitos da cidade, segundo a Fifa. “A melhoria da mobilidade urbana é melhor legado que a cidade de São Paulo pode ter da Copa porque aumentaria dramaticamente a produtividade dos trabalhadores e das empresas”, diz Fernando Leme Fleury, professor da Business School São Paulo e consultor na área de infra-estrutura.
São Paulo ainda disputa com Brasília e Belo Horizonte o direito de abrigar a partida de abertura da Copa – a final deve ocorrer no Maracanã, principalmente para que o Brasil tenha a chance de sepultar o trauma de perder em casa na final da Copa de 1950.
Entre os pontos fortes de São Paulo, estão a rede hoteleira e hospitalar, a existência de um aeroporto internacional, a maior malha de voos do país, uma polícia treinada para grandes eventos, um centro de negócios importante para patrocinadores e uma mão-de-obra no setor de serviços bastante qualificada.
Ainda a favor de São Paulo estão as boas chances de José Serra vencer a eleição presidencial em 2010 e ocupar o cargo de presidente durante a Copa de 2014.
Por outro lado, Brasília não tem problemas de mobilidade urbana comparáveis aos de São Paulo e, como capital do país, abriga o centro de poder político. Por esse motivo, São Paulo apresentou à Fifa um dossiê com 34 cadernos e 28 DVDs em que se compromete a ampliar um de seus aeroportos, construir uma nova avenida nas proximidades do Morumbi e terminar a construção da linha 4-Amarela do Metrô, cuja estação final estará localizada a cerca de 1 km do estádio.
Outras obras que poderão ficar prontas até 2014 e que de alguma forma poderão tornar São Paulo mais preparada para receber a Copa são o Rodoanel, o Expresso Aeroporto, o trem-bala entre Rio e São Paulo, a revitalização da região central da cidade e a Arena Palestra Itália. “É uma grande oportunidade para resolvermos nossos problemas de infra-estrutura”, diz o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf.
Além dos ganhos de produtividades gerados pela redução dos congestionamentos, São Paulo também pode ficar com uma boa parte do enorme faturamento que uma Copa costuma trazer a uma cidade. Na Alemanha, apenas o faturamento da Fifa chegou a 8 bilhões de euros. Na África do Sul, os pacotes para assistir a todas as fases do Mundial custam cerca de 30 mil dólares. O dinheiro dos ingressos, da venda dos direitos de transmissão das partidas e das cotas de patrocínio são da Fifa.
As cidades podem faturar alto com o turismo e com a organização das “fun fests” – ou festas em locais públicos onde milhares de pessoas assistem aos jogos em telões. Na Copa da Alemanha, estima-se que 18 milhões de pessoas assistiram aos jogos em “fun fests” – enquanto apenas 3,3 milhões compraram ingressos para os estádios. Em São Paulo, a prefeitura analisa realizar esses eventos no vale do Anhangabaú, avenida Paulista, parque do Ibirapuera ou praça Campos de Bagatelle.
Se São Paulo obtiver o direito de sediar a partida de abertura, a cidade teria a chance de se mostrar para o mundo como uma centro turístico e cultural. Nos dias que antecedem o Mundial, a imprensa do mundo inteiro estará na cidade sem partidas oficiais para cobrir e terá tempo para mostrar atrações da cidade, como restaurantes, teatros, museus, cinemas e shoppings.
Outro legado para a cidade – e para o Brasil também – seria a valorização do futebol brasileiro. Estádios maiores e mais confortáveis poderiam atrair um número maior de pessoas, aumentar a receita dos clubes e ajudar a reter craques que hoje migram muito jovens para o exterior.
Os direitos de transmissão dos jogos e os patrocínios aos clubes têm crescido exponencialmente nos últimos anos – e poderiam ter um novo impulso. “A Copa é a grande oportunidade de darmos um novo salto”, diz o advogado Ivandro Sanchez, especialista em contratos de futebol do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice.
O grande obstáculo a ser vencido é a falta de organização do poder público. O Brasil foi confirmado como sede da Copa de 2014 em outubro de 2007 e, de lá para cá, poucos avanços foram vistos. O presidente da CBF, Ricardo Teixeira, esbanja otimismo: “Ainda temos tempo.
A seis anos da Copa, nenhum país no mundo já tinha tudo pronto para o evento.” Ele tem razão, mas não há tempo a perder, principalmente em tempos de crise e escassez do crédito.
Autor: Exame