O apetite de uma bactéria de água doce por metais pesados é a base de uma nova estratégia de despoluição criada num laboratório da USP (Universidade de São Paulo). Alterando o DNA do micróbio, os cientistas conseguiram aumentar em 200% seu potencial de eliminação de resíduos, e a criatura poderá vir a servir para tratar efluentes de mineração.
Foi ao saber que a bactéria Cupriaviuds metallidurans vive na natureza em águas próximas a minas – ingerindo e eliminando metais pesados – que o engenheiro químico Ronaldo Biondo optou por usar técnicas de engenharia genética para melhorar o processo. Ele passou, então, a tentar fazer o micróbio aumentar sua capacidade de grudar nos íons metálicos para não deixá-los livres, poluindo o ambiente.
“Construímos um mecanismo sintético de expressão (ativação) de um gene que aumentou o número de âncoras (proteína que captura o metal) na membrana da bactéria”, disse Biondo à Folha. O pesquisador trabalhou sob orientação da bióloga Ana Clara Schenberg.
Uma pequena alteração no genoma na bactéria, de menos de 1%, foi capaz então de aumentar o número de proteínas grudadas do lado de fora da membrana externa. Com mais “ganchos” protéicos, os metais pesados ficaram com mais superfície livre para grudar.
“Na comparação entre a bactéria normal e a transgênica, aumentou em 219%, por exemplo, a captura do zinco”, afirma Biondo. No caso do chumbo, outro metal pesado tóxico, o aumento da taxa de eficiência foi de 210%. “Esses foram os dois metais que apresentaram maior rendimento [em termos de captura]”, diz.
Patente universitária – De acordo com Schenberg, o trabalho todo demorou quatro anos para ser concluído por causa do atraso burocrático na importação da colônia de bactérias usada na pesquisa, entre outros motivos. Mas um fato inesperado ajudou os cientistas. “Mesmo com tanto metal aderido às bactérias, a sobrevivência delas foi de 100%”, diz.
Como os tóxicos metais pesados soltos na água em geral são efluentes de mineração, Schenberg explica que uma das aplicações imediatas dessa técnica biotecnológica transgênica é exatamente nesse setor. Tanto é verdade que o projeto –já premiado pela Agência Nacional de Águas – contou com recursos da mineradora Vale.
A empresa abriu mão das duas patentes feitas para a bactéria autolimpante, que estão em nome da USP, desde que ela tenha o direito de usar o invento sem custos. A Vale também pediu que os direitos de uso do micróbio não sejam repassados para outras mineradoras.
Biondo afirma que, além do ganho ambiental, quando houver metais nobres grudados nas bactérias pode ocorrer a recuperação dessas substâncias. O método mais eficaz para isso, diz a dupla de cientistas, é a incineração. A queima dos organismos deixaria os metais capturados livres outra vez. (Fonte: Eduardo Geraque/ Folha Online)
Autor: Fapesp