“Queremos linha de crédito”

Sergio Watanabe, presidente do SindusCon-SP, debate reivindicações da entidade junto ao governo e antecipa os desafios do setor em 2009 

Esta entrevista foi produzida em meio a um cenário ainda de incertezas sobre as reais proporções dos efeitos da crise financeira internacional na construção civil. Também não havia definições claras das medidas de incentivo ao setor da construção civil, tomadas por entidades governamentais. Por fim, ainda não era possível mensurar as reações do mercado, uma vez que careciam dados compilados do consumo e das vendas depois do início do ciclo de queda continuada das bolsas brasileiras, em outubro.

No exercício de se deslocar desse cenário de incertezas e se projetar nos próximos meses, antevendo desafios, entrevistamos o recém-empossado presidente do SindusCon-SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo), o engenheiro Sergio Watanabe.

Na época em que assumiu o cargo do então presidente da entidade João Cláudio Robusti, em cinco de agosto deste ano, o empresário tinha pela frente dois problemas por enfrentar: o aumento dos custos da construção e a alta dos juros. Pouco mais de um mês depois, as proporções dos enfrentamentos de sua gestão se mostraram ainda maiores, com o agravamento da crise financeira mundial.

Nesta entrevista, Watanabe debate os conflitos da medida provisória 443, o risco da captação de recursos, os custos dos insumos e os preços dos terrenos, além de esclarecer as medidas do sindicato frente ao novo cenário.

Quais as medidas que o SindusCon-SP vem reivindicando, junto ao governo, para subsidiar as incorporadoras e construtoras nesse cenário de escassez de crédito? 

O governo autorizou que os bancos utilizem até 5% do estoque da caderneta de poupança para financiar a construção civil. Isso pode representar de R$ 10 a R$ 11 bilhões, e era uma reivindicação nossa. A Caixa Econômica disponibilizou R$ 3 bilhões para o setor exatamente para financiar a execução das obras em andamento. A primeira linha antecipa até 20% dos custos do empreendimento, o que é muito importante porque permite que o incorporador tenha recursos para tocar seus empreendimentos. Como o financiamento normalmente contempla 80% da obra, 20% fica por conta do incorporador. A Caixa fez isso porque, claro, é uma entidade do governo. Mas as instituições de crédito imobiliário privadas vão ter mais resistência para emprestar.

Resistência por quê?
O exemplo foi o depósito compulsório. O governo liberou o compulsório, mas os bancos maiores não repassaram para as instituições menores porque, no mês passado, a prioridade era a liquidez. Os bancos, então, preferiram comprar títulos do próprio governo, que rende Selic [média de juros que o governo brasileiro paga por empréstimos tomados dos bancos] sem nenhum risco, do que emprestar esse recurso como capital de giro e cujo custo era da ordem de 10%, 11% ao ano mais TR. Mas, enfim, é uma boa linha de crédito.

E qual o problema da Medida Provisória 443, que supostamente autoriza o Banco do Brasil e a Caixa Econômica a comprarem ativos de instituições financeiras. No último mês, o SindusCon-SP fez duras críticas à medida. 

Essa questão da Caixa PAR é uma conversa que acho que saiu atravessada pelo ministro Guido Mantega. Numa noite, ele foi à TV dizendo que o Caixa PAR era para estatizar o setor! O setor foi contra por causa disso. Ninguém estava querendo isso. Queremos linha de crédito. A gente até falava no BNDES, porque o BNDES tem o BNDES PAR [holding de investimentos, de propriedade do BNDES, que investe quase a totalidade de seus recursos em sociedades constituídas no Brasil], cuja função é participar do capital de empresas privadas e públicas.

Mas se o BNDES PAR é razoável, porque a mesma iniciativa, se viabilizada pela Caixa ou pelo Banco do Brasil, não seria?
Essa MP não tem nada a ver com a Construção. A MP é para o banco, para o mercado financeiro. O Mantega colocou a construção no Caixa PAR e disse que ela iria comprar participação de empresas do setor. Naquela ocasião estávamos no Enic (Encontro Nacional da Indústria da Construção), unidos, e todo mundo criticou essa questão. Primeiro, ninguém quer a estatização. Segundo, a medida do governo só atende as empresas S.A.s, e não o resto das empresas da construção civil.

Mas a MP diz que os negócios poderão ocorrer por meio de incorporação societária, e isso não exclui empresas de capital fechado.
Mas sabe por que isso acontece? Vou te dar um exemplo: o BNDES PAR empresta R$ 1 bilhão para uma incorporadora. Daí o incorporador emite o mesmo equivalente de debêntures conversíveis em ação e as sujeitam como garantia. Se o incorporador não honrar o pagamento, a debênture vira ação e o BNDES PAR passa a ter ação/participação da empresa. É assim que funciona. Esse é o mecanismo do empréstimo.

Ok, existiria então, em sua opinião, uma propensão maior do mercado por essas empresas abertas. 

Claro.

Mas quando se compra parte de ações – não necessariamente em volume superior a 50% – não se conjectura uma situação de estatização, e sim de uma participação societária minoritária que pode aumentar a liquidez da empresa. Isso não seria um fomento? 

Sim, esse seria um recurso, mas daí as empresas podem fazer pelo BNDES PAR, a linha de crédito já está lá. Não precisaria da Caixa. Com a Caixa, há conflitos de interesses sérios. Ela é o maior agente financeiro das construtoras. Então, se essa medida se concretizar, ela seria acionista da construtora, ofereceria financiamento para essa mesma construtora, fiscalizaria essa mesma construtora… não faz sentido. No caso do Banco do Brasil também, já que ele vai financiar com recursos seja do fundo de garantia ou da poupança, da mesma forma.

Como as empresas estão lidando com uma diminuição na oferta de crédito? 

A falta de crédito para lançamentos de ações no mercado de capitais vem desde o início do ano. Não houve quem abrisse capital em 2008. A crise derrubou todas as bolsas de valores, inclusive a brasileira. E as empresas de capital aberto do setor da construção civil sofreram significativamente. O seu valor nominal desde a época das IPOs [oferta inicial de ações] caiu da ordem de 70% – isso são dados de outubro. Então, a crise de liquidez levou a uma movimentação de mercado de fusões e aquisições de forma que essas empresas se tornassem mais líquidas e com melhor capacidade de operacionalização. Com o estouro da crise mundial, o ápice observado em setembro, a liquidez estourou de uma vez no mundo inteiro e essa incapacidade ou inexistência de recursos para tocar a produção promoveu algum tipo de aquisição. A última que vimos foi a Tenda pela Gafisa.

Poderá haver outras fusões e aquisições, agora que há uma distorção grande entre o valor das empresas e suas cotações? Fala-se até que a Inpar valeria hoje cerca de 20% do seu patrimônio líquido. 

Pois é, a Inpar estava próxima de fazer uma negociação [até o fechamento desta edição]… esse movimento de aquisição e fusão é, na verdade, uma forma da empresa se estruturar melhor inclusive financeiramente para continuar em sua operação. Você não tem como financiar sua operação a não ser com essas fontes ou linhas de créditos que o governo ainda está formatando, mas que não seriam suficientes para resolver o problema de todas as empresas imobiliárias da construção.

Além de menos crédito, as empresas do setor estavam sendo pressionadas por aumentos contínuos de preço. O SindusCon-SP vem agindo para controlar essas altas? 

A gente acredita que essa crise vá desacelerar a construção. A demanda estava andando na frente da oferta, tanto que faltou cimento, equipamento, serviços especializados, mão-de-obra, materiais. É claro que o setor não agüentaria esse processo de crescimento uma vez que os produtores de insumo não iam conseguir acompanhar o crescimento vertiginoso da construção. Então, como é que a demanda e a oferta vão se equilibrar? A gente vai ter que aguardar um pouco.

Os preços, então, não necessariamente estão vinculados aos custos de produção nem aos oligopólios? 

A gente tem vários oligopólios no setor da construção, seja de aço, de cimento. Mas mesmo os produtos concorrenciais subiram de preço. Basta ver areia e pedra. São dois itens que não têm nada com oligopólio. É claro que ninguém vai vir aqui dizer que aumentou o preço porque não teve aumento de custo. Aumento de custo teve sim. Mas a movimentação de preço que a gente tava vendo de agosto para frente era basicamente de demanda.

Então, se a construção tende a desaquecer, o preço tende a cair? 

De alguma forma ou de outra, acredito que vamos ter uma acomodação ou uma redução de preço sim, até porque essa crise não é pequena. Os preços vão cair na hora em que a gente estiver equilibrado entre a oferta e a procura. Esse movimento também não acontece do dia para a noite. A partir do momento que começar a sobrar estoque no depósito dos produtores, automaticamente os preços vão cair.

O SindusCon-SP chegou a ameaçar a indústria cimenteira de começar a importar cimento. Em que resultou essa negociação? 

Esse não foi o nosso discurso. O que dissemos é que a responsabilidade de abastecer o mercado é da indústria cimenteira e se ela não estava conseguindo produzir para atender a demanda do mercado, que ela própria importasse o cimento. Não poderia dizer que o setor da construção importaria porque não é uma operação simples. Inclusive o Sinduscon tentou importar e não conseguiu. Em resposta a essa nossa reivindicação, a Votorantim até chegou a importar 400 mil toneladas de cimento. 


E esses comuns problemas de abastecimento que o mercado estava observando, devem se regularizar a partir do início do ano?

A indústria de uma maneira geral está investindo muito forte. Mas alguns já tiveram a coragem de dizer “estou suspendendo meus investimentos para 2009”, o que eu considero até uma posição sensata porque, numa turbulência dessa, manter os investimentos acreditando que o mercado interno vai consumir isso tudo… não sei não. A exportação também está difícil por causa do câmbio. A situação é complexa. Mas acredito que a relação oferta x demanda se estabilize.

A demanda por mão-de-obra também desacelera? 

O desafio da mão-de-obra é maior ainda. O consumo de materiais está crescendo na ordem de 15% ao ano, enquanto o de mão-de-obra, a 20%. E a mão-de-obra está diretamente ligada à produção. Mas teremos que esperar para mensurar, e aí identificar quanto vai desacelerar.

E o preço dos terrenos, que antes estavam altíssimos? Agora o valor se mantém? 

Em 2007 de fato houve uma febre dos bancos de terrenos. Todo mundo saiu para imobilizar terrenos, tendo em vista que o terreno é o produto mais importante para você continuar na sua atividade, que é construir residências ou coisa parecida. Essa estratégia de comprar terrenos basicamente foi generalizada, nenhuma empresa queria ficar sem terrenos para os futuros lançamentos, já que visavam ir novamente ao mercado de capitais, captar mais recurso e financiar a produção. E o que aconteceu? Como o mercado de capitais secou, as empresas foram vender seus empreendimentos e provavelmente algumas estão com problemas de caixa para executar agora a produção.

Isso força a redução de preços? 

Os preços dos terrenos tiveram uma alta significativa em vista dessa demanda. E hoje os terrenos provavelmente vão recuar no preço. Além disso, acho raro que os terrenos voltem a ser comprados praticamente à vista.

Voltam as permutas para aquisição de terrenos? 

Sim, mesmo porque as empresas de um modo geral estão estocadas de terrenos. Hoje terreno já não é mais prioridade e, sim, a liquidez e um fluxo de caixa que consiga atender as operações.

As empresas já cogitam vender terrenos para levantar capital, ou então, diminuir o valor dos imóveis para aumentar a venda? 

As empresas que estiverem com problema de liquidez vão vender alguns ativos sim, embora essa ainda não seja a melhor época para isso, tendo em vista que os terrenos estão perdendo preço. Quanto à redução de preço de imóvel… bom, poderemos ver algum movimento sim, mas a inflação na construção civil não vai dar muito espaço para isso.

E quanto ao PAC. O governo já sinalizou a continuidade dos investimentos? 

O PAC está com muita dificuldade em termo de gestão. A burocracia que se criou para gerir esses empreendimentos é enorme. Mas, de qualquer forma, o PAC vai ser muito importante no ano que vem. Se o governo assegurar os volumes de recursos a serem investidos e se a gestão for mais ágil e eficiente, o PAC poderá ser um segmento importante na composição do crescimento da construção.

Esses desafios todos poderão impactar o desempenho da construção civil em 2009? 

Todos nós queremos que o Brasil cresça no ano que vem e que, com o PIB geral crescendo, a construção também cresça. O setor imobiliário, que vinha num processo muito forte, evidentemente vai sofrer uma desaceleração. Mas se a gente considerar que os empreendimentos vendidos em 2008 são maiores do que os de 2007, considerando aí que as vendas em 2007 executam em 2008 e o que vendeu em 2008 executa entre 2008 e 2010, essas chances são razoáveis. O segmento imobiliário deve levar um carregamento para 2009, que o pessoal da FGV acredita que será da ordem de 3,5% de crescimento no PIB da construção. Portanto, em princípio, a gente teria um crescimento da construção acima dos 3,5%, 4%, em função desse carregamento, seja da área imobiliária, seja do setor público.

O que significaria um aumento de quanto na construção, no total? 

A gente estima que se o PIB brasileiro crescer na ordem de 3%, o PIB da construção poderia crescer na ordem de 5%. No início do ano, nossa previsão era de que o PIB da construção cresceria cerca de 10% em 2008. Esses números basicamente foram confirmados. O IBGE mostrou o crescimento do PIB da construção em 9,4% para o primeiro semestre de 2008. É claro que essa crise vai afetar, mas a gente não considera que terá uma influência significativa, uma vez que as obras estão vendidas, contratadas e precisam terminar.

Autor: Construção Mercado